Quinta, 24 de maio de 2012
Por Ivan de Carvalho

A quase inacreditável
entrevista – feita pela repórter dentro da 12ª Delegacia, em Itapuã, uma
repartição do Estado da Bahia, na presença de agentes do Estado e atingindo com
disparos de efeito moral um suspeito sob custódia do Estado, um suspeito
intelectualmente inerme que apesar da presunção de inocência foi exibido como
uma espécie de troféu midiático à sociedade – inicialmente provocou uma “carta
aberta” de protesto e pedido de providências, assinada por jornalistas e que,
às 20 horas de ontem, já contava com 1347 signatários de todas as partes do
país.
Apesar do teor humilhante e
deplorável das perguntas feitas pela repórter ao suspeito, aproveitando-se de
sua ignorância para ridicularizá-lo, Mirella Cunha foi, em verdade, a peça
menor na engrenagem. É impensável, sob o aspecto profissional, que ela
exercesse a sua função sem uma orientação do programa, que a emissora
evidentemente acolhe. E, encontrando na ocasião terreno fértil, plantou o que
não devia e colheu o que quis, mas a que não tinha direito.
Liberdade de expressão,
liberdade de imprensa. São fundamentais, essenciais. Não existem outras
liberdades, nem direitos, nem democracia sem elas. Devem ser respeitadas tanto
quanto a dignidade humana, presumindo-se que seu bom uso seja promover esta
dignidade, ao invés de degradá-la.
Enquanto o caso ganha
dimensão nacional – certamente porque esse tipo de programa não é exclusividade
da grade de três das emissoras de televisão de Salvador, mas é uma espécie de
praga que se espalhou pelo país numa guerra nada santa por audiência e que, não
raro, transforma repórteres e principalmente apresentadores em portadores de
mandatos eletivos, aproveitando a curiosidade mórbida de parte da população e usando
alguns truques de comunicação – a Associação Bahiana de Imprensa prepara-se
para se manifestar.
Um documento interno
assinado por Ernesto Marques, destacado membro da diretoria da entidade,
dirigido aos demais diretores, relata suscintamente o caso de que estamos
tratando, qualifica-o de relevante, “evitando fulanizar o debate” e informa que
o assunto estará na pauta da próxima sessão da diretoria da ABI.
Algumas medidas estão sendo
tomadas, mas parecem convergir contra a repórter Mirella Cunha, que
provavelmente já aprendeu a lição e não repetirá a atuação que teve.
Mas esse tipo de programas que produz essa espécie
de entrevistas, nas quais direitos de cidadania são violados sob a garantia de
agentes do Estado em repartições do Estado, este sim é um ponto muito mais
importante. Como o é o estímulo público, pela mídia televisiva, do atentado
violento ao pudor no interior do sistema prisional contra detentos suspeitos de
haverem cometido esse mesmo crime ou o de estupro. E a passividade do Estado em
enfrentar essa violação dos direitos humanos das pessoas sob sua custódia. Em síntese,
está aí muito do que debater.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.
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Leia mais sobre o assunto em: MPF/BA representa contra repórter do Programa Brasil Urgente
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Leia mais sobre o assunto em: MPF/BA representa contra repórter do Programa Brasil Urgente