Quarta, 2 de maio de 2012
Do STF
A votação seguiu o voto proferido pelo relator do caso, ministro Eros
Grau (aposentado), no início do julgamento, em 2008. Na sessão de hoje
(2), em que foi retomado o julgamento, acompanharam o entendimento do
relator as ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Rosa Weber, e os
ministros Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Celso de Mello e Ayres Britto. O
ministro Marco Aurélio divergiu e votou pela improcedência da ação.
Ao pontuar seu voto com o do ministro Eros Grau, primeiro a se
posicionar sobre o assunto, a ministra Cármen Lúcia informou que ele
julgou a ação da Funai totalmente procedente, mas, na prática, também se
limitou a anular os títulos de propriedade com glebas localizadas
dentro da área da reserva indígena. “No final, vamos chegar à mesma
conclusão”, disse, ao explicar que o pedido da Funai incluía
propriedades localizadas fora da terra indígena.
A ministra Rosa Weber acompanhou, na essência, o voto do relator.
Ela, entretanto, votou pela improcedência da ação em relação aos títulos
que fazem parte da área não integrante da terra indígena. Tais
propriedades foram excluídas por antropólogo designado pelo ministro
Nelson Jobim (aposentado), quando relator da ACO, para efetuar um
levantamento sobre a real extensão da área indígena. Isso porque suas
propriedades ficaram fora da área a ser reintegrada para ocupação pelos
índios. No mesmo sentido se pronunciou o ministro Joaquim Barbosa.
Na sequência, o ministro Cezar Peluso votou pela procedência parcial
da ação para declarar nulos todos os títulos de propriedades cujas
glebas se situem dentro da área indígena Caramuru-Catarina Paraguassu.
Ele esclareceu que a procedência parcial deve-se ao fato de julgar
improcedente a ação em relação aos réus cujos títulos têm por objeto
glebas situadas fora da reserva indígena.
“Em consequência, julgo carecedores das reconvenções os réus cujos
títulos têm glebas situadas fora da área da reserva indígena, porque,
para afirmação da validez de seu título perante a causa petendi (causa
de pedir), basta a improcedência da demanda, porque se declara que a
Funai não tem direito de anular o seu título”, disse o ministro.
Em seu voto, o decano do STF, ministro Celso de Mello, afirmou que as
perícias antropológica, agronômica e topográfica revelam que a área
efetivamente disputada tem sido habitada pela etnia pataxó, que mantém
uma relação especial com as terras da Reserva Indígena Caramuru-Catarina
Paraguassu. O ministro considerou que a diáspora (dispersão) ocorrida
tempos atrás na região não comprometeu a identidade indígena, tendo em
vista que os pataxós se mantiveram na região, “conscientes da vinculação
histórica com o seu próprio território”.
O ministro Celso de Mello salientou que ninguém pode se tornar dono
de terras ocupadas por índios, que pertencem à União e, como tais, não
podem ser negociadas. Ele lembrou que a Constituição Federal não prevê
pagamento de indenizações aos eventuais ocupantes dessas áreas, apenas o
ressarcimento pelas benfeitorias feitas de boa-fé. O decano também se
referiu ainda à necessidade de observância do disposto na Convenção 169
da Organização Internacional do Trabalho (OIT), documento internacional
mais recente sobre o tema, da qual o Brasil é signatário, que preserva
os direitos de grupos tribais e os protege contra remoções
involuntárias.
Ao acompanhar o voto do relator, o presidente do STF, ministro Ayres
Britto, ressaltou que, para o índio, a terra não é um bem mercantil,
passível de transação. “Para os índios, a terra é um totem horizontal, é
um espírito protetor, é um ente com o qual ele mantém uma relação
umbilical”. O ministro-presidente lembrou que, não por outro motivo, a
Constituição Federal proíbe a remoção de índios, permitindo-a
excepcionalmente mediante autorização do Congresso Nacional e em caráter
temporário.
Divergência
O ministro Marco Aurélio foi o único a divergir sobre o pedido
formulado na Ação Cível Originária (ACO) 312. O ministro votou pela
improcedência da ação e pela validade dos títulos de propriedade
concedidos na área pelo governo da Bahia. Com isso, contrariou os votos
anteriormente proferidos no julgamento, todos eles pela procedência da
ação e pela improcedência das reconvenções formuladas no processo pelos
não índios ocupantes de áreas situadas dentro da reserva indígena,
demarcada em 1938 pelo então Serviço de Proteção aos Índios (SPI, desde
1967 sucedido pela Funai), mas não homologada como tal.
O ministro Marco Aurélio disse que a ACO, protocolada no STF em 30 de
novembro de 1982, foi ajuizada sob vigência da Constituição Federal de
1967, na redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional 1/79. E, de
acordo com ele, o pedido contido na ação não preenche o pressuposto
básico contido no artigo 186 da Carta de 1967, que é o de ela ser
habitada por indígenas. Dispunha aquele artigo que “é assegurada aos
silvícolas a posse permanente das terras que habitam e reconhecido o seu
direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as
utilidades nelas existentes”.
Segundo o ministro, entretanto, na época do ajuizamento da ação
(1982), a área reclamada para os índios pela Funai só era
intermitentemente – não de forma permanente – ocupada por índios, mas
sim por não índios. Ele se reportou, nessa afirmação, a relatório de
antropólogo incumbido de verificar a área, sua ocupação e definir sua
localização exata e em quais municípios baianos se situavam. De acordo
com tal relatório, ao contrário do que declarava a ação inicial da
Funai, a área dita indígena não se espalhava por sete municípios, mas
ocupava apenas partes de três.
Além disso, ainda conforme aquele relatório citado pelo ministro
Marco Aurélio, no período entre 1936, anterior à demarcação, e 1969,
portanto, ainda abrangendo a regência da CF de 1967, a violência na área
se acirrou, levando os índios a abandonarem suas posses e a migrar para
outros locais, sobretudo Porto Seguro (BA), mas também áreas
localizadas em outros estados.
Assim, conforme o relato citado pelo ministro Marco Aurélio, na época
do ajuizamento da ação, a área reclamada pela Funai era ocupada pelo
que o relatório denominou de “forasteiros”, isto é, não índios. “Não se
trata, aqui, do resgate, considerando a violência contra os indígenas,
porque é impossível o retorno ao status quo ante (à situação
anterior), quando eles ocupavam exclusivamente o território do Brasil”,
afirmou o ministro Marco Aurélio. Para ele, trata-se de interpretar a CF
de 1967.