Sexta, 8 de junho de 2012
Por Ivan de Carvalho

E com uma expressiva reserva acumulada em dólares
e euros, a cotação alta das commodities que exportamos e “políticas pontuais”
direcionadas para a expansão do consumo interno, a crise nos Estados Unidos,
que afetou com certa severidade a Europa ou alguns de seus países, produziu
aqui apenas o que o então presidente Lula chamou de “marolinha”. Marolinha
muito malvada com uns, mas “marolinha”.
As coisas pareciam ir tão bem que uma grande
parcela da população comprou motos e automóveis (populares, é verdade, mas
superiores aos abarrotados ônibus e a encantados metrôs e trens bala), sem que
ninguém se preocupasse – a “nova classe média” e o governo – onde esses
veículos haveriam de rodar. O resultado foi o que está aí à vista: nenhum roda,
todos se arrastam nos congestionamentos e engarrafamentos, porque não existe a
infraestrutura de transportes adequada à frota posta nas ruas, avenidas e mesmo
estradas e nem um transporte público adequado.
Bem, mas ficaram todos ou quase todos felizes. O
governo ganhou as eleições de 2010 e a “nova classe média”, seja lá o que for
essa coisa misteriosa, vive se arrastando no trânsito infernal com seu 1.0, a
boca escancarada, cheia de dentes – não dá para engatar uma banguela –
esperando as horas passarem. E com uma notícia maravilhosa zunindo na cabeça:
nosso Produto Interno Bruto superou o do Reino Unido e o Brasil tornou-se a
sexta maior economia do mundo. Temos um povo de 190 milhões de pessoas e o
Reino Unido, de cerca de 70 milhões, mas, como se sabe, “povo é só mais um
detalhe”.
Bem, aí àquela “marolinha” com DNA americano
soma-se uma onda encrespada de DNA europeu. A crise americana foi a espoleta
com dispositivo de retardo para a crise européia. E a velha Europa tinha lá os
seus caprichos. Ficou resistindo aqui e ali às “medidas saneadoras” – ou
sacaneadoras – que o pessoal do andar de cima se dispôs a impor ao pessoal dos
outros andares.
Aí está a velha Grécia numa luta teimosa e
inglória em que deverá mais uma vez sucumbir ao poderoso Império Romano, que
agora vai do estreito de Dardanelos ao de Gibraltar, louco para dar o bote,
mais uma vez, sobre o Canal da Mancha. Sorte do Reino Unido que a construção de
uma passarela sobre uma avenida, a julgar pela mais próxima de minha casa, leva
pra mais de dois anos, um espanto da engenharia baiana. Ah, mas lá na Mancha tem
um túnel...
Bem, aqui no patropi as
autoridades econômicas estão carrancudas, não falam mais em “marolinha”, vivem
enrolando a língua com “medidas pontuais”, “desonerações pontuais” – e poderiam
completar com “onerações compensadoras” – socam os juros básicos (só os básicos)
pra baixo, mexem na poupança das pessoas e, de modo humano e eleitoral,
compensam isso com um tal de Brasil
Carinhoso, país tropical, abençoado por Deus, e bonito por natureza, mas
que beleza!
Pelo conjunto da obra, já
não somos o que, quando presidente, no regime militar, Ernesto Geisel nos
anunciou que éramos – “Uma ilha de tranquilidade num mar de turbulências”. A
agência Fitch, de classificação de riscos para investimentos, nos põe no grau
BBB (não é Big Brother Brasil, necessário se faz advertir, evitando confusões
previsíveis). A mesma agência derrubou em vários graus a Espanha – a bola da
vez na crise da zona do Euro. Em janeiro, já a rebaixara do grau AA- para A.
Agora, deu outra derrubada, de A para BBB.
Lá, D. Quixote caiu do
cavalo.
Fidalgo, em solidariedade ao rei Juan Carlos, que
de outro cavalo caiu caçando elefantes.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.