Sábado, 9 de junho de 2012
FERNANDO GABEIRA, jornalista - O Estado de S.Paulo
O ponto de partida é uma frase de Lula: "Não deixarei
que um tucano assuma de novo a Presidência". Lembro, no entanto, que não
sou de pegar no pé de Lula por suas frases. Cheguei a propor um "habeas
língua" para o então presidente na sua fase mais punk, quando disse que
a mãe nasceu analfabeta e que se a Terra fosse quadrada a poluição não
circularia pelo mundo. Lembro também que hoje concordo com o filósofo
americano Richard Rorty: não há nada de particular que os intelectuais
saibam e todo mundo não saiba. Refiro-me à ilusão de conhecer as leis da
História, deter segredos profundos sobre o que dinamiza seu curso e
dominar em detalhes os cenários futuros da humanidade.
Nesse sentido, a eleição de Lula, um homem do povo, sem educação
formal superior, não correspondeu a essa constatação moderna de Rorty.
Isso porque, apesar de sua simplicidade, Lula encarnava a classe
salvadora no sonho dos intelectuais, via luta de classes como dínamo da
História humana, e traçava o mesmo futuro paradisíaco para o socialismo.
Na verdade, Lula falava a linguagem dos intelectuais. Seus comentários
que despertaram risos e ironias no passado eram defendidos pelos
intelectuais com o argumento de que, apesar de pequenos enganos, Lula
era rigorosamente fundamentado na questão essencial: o rumo da História
humana.
A verdade é que a chegada do PT ao poder o consagrou como um partido
social-democrata e, ironicamente, a social-democracia foi o mais
poderoso instrumento do capitalismo para neutralizar os comunistas no
movimento operário. São mudanças de rumo que não incomodam muito quando
se chega ao poder. O capitalismo é substituído pelas elites e o
proletariado salvador, pelos consumidores das classes C e D. Os
sindicalistas vão ao paraíso de acordo com os critérios da cultura
nacional, consagrados pela canção: É necessário uma viração pro Nestor,/
que está vivendo em grande dificuldade.
