Segunda, 4 de fevereiro de 2013
Escrito por Roberto Pereira D’Araujo |
No Correio da Cidadania | ||
Caro povo do Brasil:
Meu nome é Pedro. Vocês certamente me conhecem, pois fui um dos
apóstolos de Jesus e o primeiro Papa. Dizem que sou santo, mas eu mesmo
não tinha certeza disso. Recentemente, meus colegas, alguns mais santos
do que eu, andam dizendo que eu mereço o “posto” pela paciência infinita
que tenho ao aturar as acusações das autoridades do setor elétrico
brasileiro sobre falta de chuva. Aliás, nem sei por que recebi essa
responsabilidade e não entendo essas rezas dirigidas para que eu faça
chover ou parar de chover aqui e acolá. Não tenho esse controle fino que
eles imaginam. A minha área de atuação é probabilística.
Vocês já são bem grandinhos para saber que esse seu pedaço de planeta
fica numa área tropical, onde o clima é bastante imprevisível. Apesar
dessas incertezas, vocês têm riquezas naturais que muitas outras áreas
da Terra não dispõem. Se, com tudo o que existe aí, vocês não conseguem
construir um sistema que gere a eletricidade que vocês precisam de forma
confiável e barata, então devem estar fazendo tudo errado.
Aliás, andei conversando com um grupo de famosos cuja opinião vocês
devem considerar. Os doutores Ampére, Hertz, Faraday, Maxwell, Edson e
outros opinaram sobre o caso. Todos foram unânimes em dizer que ficaram
preocupados com o modo como vocês complicaram e encareceram um sistema
relativamente simples. Afinal, essa é uma tecnologia do início do seu
século passado. Já Benjamim Franklin não entendeu possíveis risadas
dirigidas aos raios que ele tanto estudou. Ele acha que o assunto é
sério.
Mas, voltando ao tema dessa carta, parem de me culpar por possíveis
racionamentos que vocês mesmo provocam! Afinal, um lugarzinho chamado
Noruega tem a eletricidade produzida 100% por rios e, além de ser bem
mais barata, não passa a penúria que vocês se impõem, de vez em quando.
Eu nem precisaria me resguardar das acusações, mas, como sou santo, vou
apresentar uns dados para que vocês se convençam da minha inocência.
As chuvas, que vocês candidamente acham que eu controlo, alimentam os
rios e fornecem a energia natural para que as usinas produzam os
kilowatt/hora (kWh) que vocês necessitam. Portanto, é bom cuidarem das
matas ciliares e darem mais importância ao aquecimento global, porque
essa energia será fortemente afetada. O que pode ocorrer é uma maior
frequência de secas e enchentes, péssima situação para seu sistema.
Em média, com suas usinas de 2012, eu geralmente entrego por volta de
500 terawatt/hora (TWh) na soma das quatro regiões. Nada mal se
comparado ao consumo de 513 TWh de vocês. Afinal, vocês têm outras
fontes de energia.
Em 2012, ao contrário do que as autoridades do seu governo dizem, por
motivos que não posso controlar, só entreguei 436 TWh, 13% abaixo da
média. Pelas rezas que recebo, até parece uma grande desgraça, mas
valores nesse entorno já ocorreram em mais de 10% dos anos que constam
nos seus registros.
Se vocês estão arquivando os dados, podem verificar que, em 5% dos
anos, a energia natural esteve 30% abaixo da média! Isso sim é problema!
Portanto, não aceito reclamações sobre 2012! Se eu, mesmo sendo santo,
não posso saber o que virá em 2013, não entendo como é que autoridades
garantem que não haverá problemas. Se até consultores de confiança do
seu governo afirmam que o risco de racionamento não é nulo, é bom tomar
cuidado com as promessas.
Para os que ainda acham que sou o culpado, saibam que apenas 36% do
histórico da energia dos rios ficaram abaixo da média, ou seja, 64%
estão na média ou acima! A distribuição é assimétrica. E mais: de cada
cinco anos, um tem água igual ou maior que 20% da média! Quando isso
ocorre, acho que nem posso dizer que fui eu, pois, pelo menos
energeticamente, é uma dádiva de Deus. A pergunta que tenho é: quem está
se aproveitando dessas “dádivas”? Como é que vocês democratizam essa
energia extra?
Mas, continuando minha defesa, como foram as minhas últimas
“entregas” em relação à média? Antes dos 87% de 2012 que vocês tanto
reclamam, vejam: 2011 (119%), 2010 (média), 2009 (117%), 2008 (97%),
2007 (104%), 2006 (94%), 2005 (108%), 2004 (108%). Ora, não venham me
dizer que não conseguiram “guardar” alguma água que sobra de um ano para
o outro, porque, daqui de cima estou vendo que os reservatórios não
estão enchendo completamente. Portanto, algum espaço para guardar água
ainda resta.
Eu nem deveria me intrometer para assessorar, mas, como sou santo,
talvez vocês estejam sendo perdulários com a água estocada. A geração
das hidráulicas (pouco mais de 70% das usinas), sempre muito alta, está
muito estranha.
Quem gera a maior parte da energia são as hidráulicas? Claro! Elas
são mais baratas, e parte dessa energia é a substituição das térmicas
que ficam como seguro. Mas, como é feita essa “transferência”? Quem pode
“comprar” energia na “safra”? Como a tarifa é tão alta se a quase
totalidade dos kWh vem da água? Nem santo entende esse modelo!
Há alguns anjos que estão por aqui desde o início dos tempos. Eles me
contaram que, durante a criação do mundo, alertaram ao criador que esse
pedaço da Terra que iria se chamar Brasil “largaria” com uma enorme
vantagem depois da descoberta do eletromagnetismo.
- Senhor, a abundância hídrica e a diversidade hidrológica irão
trazer uma enorme vantagem a esse povo. É uma injustiça com as outras
nações que surgirão.
Ao que o Criador, com um sorriso enigmático, retrucou:
- É... Mas, vocês vão ver os modelos que eles vão adotar lá....
Queiram-me bem.
Simão, mais conhecido como S. Pedro.
Roberto Pereira D´Araujo é engenheiro eletricista, diretor do
ILUMINA (Instituto do Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico).
Originalmente publicado no Instituto ILUMINA.
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