Terça,
14 de novembro de 2013
Por
Ivan de Carvalho
Houve algumas divergências na sessão de
ontem do Supremo Tribunal Federal sobre o escândalo do Mensalão (Ação Penal
470), mas secundárias. O principal é que, por unanimidade, o tribunal decidiu
que, como se previa, já estão em condições de começar a cumprir penas os réus
que não entraram com embargos infringentes e os quatro que já tiveram julgada
negativamente a admissibilidade dos embargos infringentes de que se utilizaram
seus advogados.
Basicamente, o STF confirmou decisões
anteriores segundo as quais um processo penal pode ter um acórdão em
“capítulos” autônomos, tratando tais capítulos de sentenças para crimes
diferentes. Se o réu (ou, no caso do Mensalão, vários réus) ajuízam embargos
infringentes relacionados não com a totalidade de suas condenações, mas
questionando apenas uma ou duas delas – e não mais tem a possibilidade
processual de vir a usar esse tipo de embargo – e têm esses embargos
considerados inadmissíveis, por exemplo, por seu caráter meramente protelatório,
tais réus estão “prontos” para cumprir sua pena.
Um detalhe: se a admissibilidade
apreciada o houvesse sido pelo relator, caberia agravo para que fosse julgada
pelo plenário. Mas no caso o relator preferiu não julgar, levando direto a
admissibilidade para a apreciação do plenário do tribunal. Feito assim, os
quatro réus que tiveram seus embargos não admitidos já não dispõem de recurso
algum e, junto com os que não entraram com embargos infringentes, estão em
condições de terem suas sentenças consideradas como transitadas em julgado e,
assim, logo estarão prontos para começarem a cumpri-las, de forma definitiva.
Alguns dos réus nesta situação ontem
determinada pela unanimidade do STF estão entre os personagens mais importantes
do escândalo do Mensalão – um esquema governista de compra de votos e apoio
político de pessoas e partidos no Congresso Nacional (especialmente na Câmara
dos Deputados) mediante pagamentos geralmente periódicos em dinheiro, tudo isso
durante parte do primeiro mandato de Lula na Presidência da República.
Nenhum senador foi pilhado com a mão na
massa ou sequer envolvido nas denúncias, mas não se pode omitir que,
independente da vontade deles, alguns dos partidos a que pertenciam
transacionavam com o esquema governista de compra de apoio e votos nas matérias
legislativas de interesse do governo na Câmara. No Senado funcionavam outros
meios de cooptação, a exemplo de cargos e mando em áreas do governo, fenômeno
que se intensificou superlativamente quando o governismo, ante a denúncia do
presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson (que foi réu no processo e cujo
partido participava do esquema), que fez explodir o maior escândalo de
corrupção da história do Brasil.
Maior, não tanto, talvez, pelo volume de
recursos financeiros envolvidos, que foi alto, mas não terá sido o recordista,
mas por ter sido o esquema articulado a partir do ápice da pirâmide do poder
estatal do país e ter como objetivo substituir a representação e a soberania
populares delegadas aos parlamentares pelo voto universal por uma compra dessa
soberania e dessa representação no Congresso, sob o comando central de
autoridades do governo e dirigentes e lideranças de seu partido.
A decisão de ontem do STF colhe como
pronto para começar a cumprir suas penas o ex-ministro-chefe da Casa Civil,
José Dirceu, ainda hoje uma liderança extremamente influente no PT, o então
tesoureiro da executiva nacional do PT, o “nosso Delúbio” – expressão usada
pelo presidente Lula, que “não sabia de nada” para acarinhar o infortunado amigo
Delúbio Soares, que sabia de tudo, mas, fiel, não dizia, tornando-se uma
espécie de bode expiatório de luxo –, o ex-presidente nacional do PT, José
Genoíno, Marcos Valério (o réu que recebeu o conjunto mais duro de penas,
devido à multiplicidade dos crimes pelos quais foi condenado).
Bem, na sessão de hoje o STF volta ao
assunto, põe as decisões de ontem na forma final e depois solta os cachorros. A
temporada, aliás, parece mesmo ser de soltar os cachorros, a julgar pelo que
fizeram os ativistas, soltando os beagles
do Instituto Royal. Mas não é um fenômeno inclusivo.
A temporada é de soltar só os cachorros.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.