Segunda, 20 de abril de 2015
Elegemos parlamentares que, unidos, formaram o que vem sendo vulgarmente conhecido como Congresso BBB. Seus membros estão comprometidos com os interesses da Bala, do Boi e da Bíblia
Da PontePor Gabriela Cunha Ferraz*
O país está dividido, e, em meio a tantas incertezas,
nossa única certeza é que, hoje, existem, escancaradamente, bancadas
parlamentares estruturadas e com pautas claramente conservadoras,
fundamentalistas e machistas.
Elegemos parlamentares que, unidos, formaram o que vem
sendo vulgarmente conhecido como Congresso
BBB porque seus membros estão comprometidos com os interesses da Bala
(indústria armamentista); do Boi (ruralistas) e da Bíblia (evangélicos).
Aqui, para reduzir o estresse mental, vamos nos ater ao impacto destrutivo da
chamada Bancada da Bala.
Na tarde do dia 25 de março, a bancada da bala, depois de bradar
pela redução da maioridade penal de manhã, se reuniu na Comissão de Segurança
Pública da Câmara dos Deputados para debater a situação dos haitianos e os
problemas sanitários (doenças) e criminais que trazem para o país.
Essa discussão, além xenófoba e discriminatória, atesta
que temos uma bancada de parlamentares, eleitos pelo povo, sim, mas que
legislam em causa própria e de acordo com interesses escusos e nada
democráticos. Interesses estes motivados por rechonchudos financiamentos
privados de campanha, oriundos de empresas que precisam manter representantes
particulares no Congresso.
Significa dizer que o discurso sobre a suposta impunidade
que explica o permanente estado de insegurança no qual hipoteticamente vivemos
é, no frigir dos ovos, uma grande falácia que encobre o verdadeiro foco do
problema. Os financiamentos privados de campanha fazem com que alguns dos
parlamentares eleitos precisem se manter fiéis aos discursos das empresas que
ajudaram a elegê-los.
É preciso manter um discurso
alarmista sobre a segurança pública porque a criação desse estado social é lucrativo e
favorece um grupo determinado de pessoas que, ao longo dos anos, vem se
tornando cada vez mais rico e poderoso. Muitos dizem saber disso, mas poucos
parecem ter noção das reais implicações e consequências dessas relações.
Esclarecendo: Quem manda nesse país não são os parlamentares, eles apenas fazem
cena e chamam os holofotes para si, tentando apagar que os verdadeiros donos do
país: o capital.
Dos 33 titulares da comissão de segurança pública, 17 (51%) são
parlamentares pertencentes a corporações patriarcais e conservadoras como as
Polícias Militar, Civil e Federal, Exército e Bombeiros. Sendo maioria, eles
conseguem estar presentes em todas as importantes votações apoiando uns aos
outros, concordando com os votos dos colegas e afastando a participação dos
movimentos sociais de base, que passam a ser sumariamente excluídos do grupo
seleto de pessoas com direito a voz. Considerando que os militantes dos
direitos humanos não estão abertos a serem financiados por empresas que violam
diuturnamente esses direitos e liberdades individuais, talvez sejamos
definitivamente rechaçados dentro da própria casa do povo.
O cenário está longe de ser razoável. Na pauta do dia
temos um Projeto de Emenda Constitucional que reduz a idade da maioridade
penal, ferindo uma importante cláusula pétrea e desconsiderando o maior texto
da nossa República. De outro lado, marcos legais que ampliariam direitos, como
o fim das revistas vexatórias, a regulamentação das audiências de custódia e o
fim dos autos de resistência, caminham com extremo vagar no Congresso.
O que esperamos do Poder Legislativo são parlamentares que
escutem a voz da sociedade, se informem sobre as necessidades e anseios do
povo, mas sem com isso descuidar dos direitos de grupos minoritários e
vulneráveis. O que não precisamos são de fantoches guiados por grandes
conglomerados econômicos. Queremos representantes participativos e assíduos que
defendam os direitos humanos, mas estamos fartos de deputados que priorizam
suas patentes, medalhas e uniformes.
Não, não
precisamos de uma bancada com indivíduos que ratificam um discurso de ódio,
o recrudescimento de penas e o estado de controle máximo, ao passo em que eles
mesmos cometem verdadeiros crimes de racismo, além de incitação pública da
violência institucional e do crime de estupro em plena sessão parlamentar, como
no episódio que envolveu a ex-ministra Maria do Rosário.
Mas, o que esperar de um poder que organiza seus
representantes em castas temáticas pela defesa de interesses particulares? Que
rasguem a Constituição, oras.
–
*Gabriela Ferraz
é advogada, mestre em Direitos Humanos pela Universidade de
Strasbourg e coordenadora de advocacy do Instituto
Terra, Trabalho e Cidadania. Também atua como coordenadora do
Cladem Brasil e como advogada da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo (SP)