Quinta, 10 de setembro de 2015
Daniel Mello, repórter da Agência Brasil
Ao menos 849 pessoas foram detidas em protestos nos
estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, de janeiro de 2014 a junho de 2015. A
informação faz parte do relatório As Ruas
sob Ataque, que denuncia violações de direitos em protestos. O
levantamento, divulgado hoje (10), foi feito pela organização não governamental
(ONG) Artigo 19, a partir do acompanhamento de 740 manifestações no período. “O
número é preocupante, já que leva em conta apenas manifestações ocorridas em
dois estados”, destaca o documento.
Em alguns casos, foram feitas detenções em massa, quando
grupos de pessoas são detidos, de acordo com a ONG, muitas vezes, sem ter
cometido infrações. O relatório destaca dois casos de protestos contra a Copa
do Mundo, na cidade de São Paulo, em 2014. No primeiro, em 25 de janeiro, 128
manifestantes foram detidos. Em outra, no dia 22 de fevereiro, o número chegou
a 262. “Neste dia, a polícia paulista utilizou pela primeira vez a técnica
conhecida como Kettling ou Caldeirão de Hamburgo, isto é, um cordão policial
que cercou dezenas de manifestantes aleatoriamente, independentemente de terem
cometido qualquer ato contrário à lei, sob a alegação de que 'haveria quebra da
ordem'”, detalha o texto.
À época, a Polícia Militar classificou a referida operação
de bem-sucedida. O coronel Celso Luiz Pinheiro, então comandante do
policiamento da região central de São Paulo, disse que ação reduziu os
possíveis danos ao patrimônio, o número de policiais feridos e os confrontos.
As prisões de alguns manifestantes são identificadas no
documento como casos de violações de direitos. No dia 23 de junho de 2014,
Fábio Hideki e Rafael Lusvarghi foram presos em um ato na Avenida Paulista,
acusados pelos crimes de desobediência, incitação ao crime, resistência e
associação criminosa. Ambos permaneceram presos até agosto do ano passado,
quando um laudo técnico comprovou que os materiais encontrados não eram
explosivos. Eles foram definitivamente absolvidos em junho de 2015.
Saiba Mais
O uso de armamento letal em alguns dos protestos é outro
ponto destacado pelo levantamento. No período investigado, foram confirmados
quatro atos em que houve o uso de munição letal pela polícia: um deles na
capital paulista e três na cidade do Rio. Em março de 2014, segundo o
relatório, o estudante Rodrigo Oliveira, de 20 anos, foi atingido por um tiro
no pé durante uma manifestação no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. De
acordo com o documento, o disparo foi feito por um policial durante uma
manifestação contra uma série de prisões na Favela Nova Brasília.
Na avaliação da Artigo 19, o trabalho das forças policiais
nas manifestações de 2014 e 2015 mostra que os esforços do Poder Público foram
no sentido de ampliar a repressão, em vez de buscar formas de garantir o
direito a manifestações. “Dois anos após as Jornadas de Junho [protestos que se espalharam pelo país, tendo como início
atos contra o aumento de passagens], o cenário que se tem é o de que essas
violações continuam a ser perpetradas por agentes do Estado. Em muitos casos,
foram até aprimoradas com investimentos no aparato repressor”, diz em
referência à compra de equipamentos ou à criação de unidades policiais voltadas
à contenção de protestos.
A ONG lembra que os atos de 2013 já haviam demonstrado que
poderiam ocorrer protestos de maior amplitude do que os registrados
anteriormente. “O Estado teve o tempo necessário para entender o fenômeno
adequadamente e agir no sentido de garantir os direitos de liberdade de
expressão e de manifestação, treinando os agentes das forças de segurança a
reagir dentro de protocolos pautados pela defesa de direitos”, destaca o
relatório.
Polícia Militar
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo informou,
em nota, que não comenta estudos dos quais desconhece o conteúdo e a
metodologia. Sobre a atuação em protestos, a Polícia Militar diz que a
finalidade é garantir a segurança dos próprios manifestantes, assim como da
população que não participa do protesto, além de assegurar o direito de
manifestação e de expressão.
O órgão explica que a técnica do envelopamento (Kettling
ou Caldeirão de Hamburgo, de acordo com o relatório da ONG) é usada
internacionalmente e foi a responsável pela redução do emprego de técnicas
potencialmente mais violentas, como o uso de munição química e de elastômeros
(borracha). “É uma forma de se proteger os direitos de todos, separando os
verdadeiros manifestantes de oportunistas que cometem atos de vandalismo ou
ações criminosas. Essa técnica permite inserir mais um degrau no uso
progressivo da força para garantir a ordem.”
A PM esclarece que não existe, no ordenamento jurídico
brasileiro, a prisão para averiguação. A condução aos distritos policiais é
motivada por atos ilegais ou fundada suspeita. “Eventuais erros ou abusos por
parte de agentes da lei são exceções apuradas com extremo rigor, sempre que
chegam ao conhecimento da Corregedoria.”
Também em
nota, a Secretaria de Estado de Segurança (Seseg) do Rio de Janeiro informou
que todos os policiais passam por um curso de formação de oito meses, com carga
horária de 1.182 horas, que inclui treinamento e capacitação específicos para
lidar com diferentes manifestações. O órgão informa também que faz capacitações
especializadas e contínuas que contam, inclusive, com a participação de
policiais de outros países e que, desde 2011, os agentes passam por cursos
especiais para atuação em grandes eventos, de forma conveniada com o Ministério
da Justiça e em parceria com as embaixadas da Espanha, Alemanha e dos Estados
Unidos.