Segunda, 28 de Setembro de 2015
Do Correio da Cidadania
Escrito por Gabriel Brito e Paulo Silva Junior, da Redação (jornalistas)
O Brasil continua observando a
crise política que a cada dia parece imobilizar mais o governo Dilma, que agora
promove reforma ministerial para atender às mais recentes chantagens de seu
principal “aliado”, como se vê na pasta da Saúde. Ao lado disso, mais de 260
petistas eleitos se desfiliam do partido e começam a configurar um novo
cenário. Sobre o complexo quadro político, conversamos com o sociólogo carioca
Marcelo Castañeda.
“É uma pena que a justa indignação
seja capitaneada por segmentos mais conservadores da direita. No momento, mantém-se uma polarização, que é
sórdida, entre PT e PSDB e sua alternância, ou não, no governo federal. Está
faltando à institucionalidade uma via diferente, que rompa com isso. Não é o
PMDB e tenho dúvidas também se a Marina e a Rede seriam tal alternativa, ainda
mais depois da última campanha eleitoral”, analisou Marcelo.
Para o sociólogo, mais entusiasta
da micropolítica, como demonstra sua atuação no grupo de formação Círculos de
Cidadania, o país vê fechar-se uma brecha democrática aberta pelas
manifestações de junho de 2013. A seu ver, elas sepultaram de vez o PT como esperança
de uma sociedade mais justa. Por isso, e por acreditar que o governo Dilma “não
tem muito mais a fazer”, defende a ruptura definitiva com o lulopetismo.
“No momento, ou temos uma
configuração clara de ruptura com essa ordem, que está posta há 13 anos, ou
estamos juntos da ordem. O PT não assumiu o governo ontem, e, sim, se acomodou.
O ‘apoio crítico’ só serve de respiro ao governo. Ou a gente pressiona por
mudanças ou seremos engolidos por essa onda conservadora e mais à direita. O
que já está acontecendo. A direita está muito fortalecida, pois está no governo
e tem seus interesses atendidos; ao mesmo tempo, critica veementemente o
governo e capitaliza a indignação popular”.
Correio da Cidadania: Em primeiro
lugar, como você avalia o atual momento político brasileiro, com uma presidente
enfraquecida e uma articulação política praticamente terceirizada para o PMDB,
que por sua vez hesita entre a colaboração e a ruptura ou chantagem com o
governo?
Marcelo Castañeda: O
enfraquecimento da Dilma tem a ver tanto com o momento do país como com as
condições globais, a partir do encerramento do ciclo das commodities, o que já
vinha de 2013. E está enfraquecido também pelo arco de governabilidade
ensejado, desde o governo Lula, com aproximação cada vez maior do PMDB, em
opção de ficar próximo a este partido, no centro do poder desde a
redemocratização. Período do qual, aliás, não saímos. Ainda estamos
constituindo uma democracia, há 30 anos.
É um enfraquecimento que se deve
tanto às condições globais como à aproximação ao PMDB, que ganha cada vez mais
poder, tem papel protagonista dentro do governo e dá as cartas. Há o
enfraquecimento da figura da presidente, com baixíssima popularidade e muita
contestação. Uma indignação justa, pelas crises que assolam o país. Não é só
uma crise econômica; é política, ambiental (que ainda não vimos), metropolitana
etc.
Assim, existe uma justa
indignação, agora capitaneada por segmentos que podemos considerar mais à
direita no cenário político. A isso se soma a proximidade dos movimentos mais
institucionalizados e ligados ao PT, que fazem contraponto e dão “apoio
crítico” ao governo Dilma.
De modo geral, temos o PMDB com um
protagonismo muito grande e a presidente Dilma colhe os frutos da escolha que
seu partido fez para se manter no poder.
Correio da Cidadania: Como enxerga
o lulismo à luz desse momento?
Marcelo Castañeda: O lulismo
apresenta sua agonia. Teve sua época áurea no final do segundo mandato do Lula,
quando elegeria qualquer pessoa. Acabou elegendo a Dilma. Isso se nota no
“grito do Lula”, através da necessidade que teve de começar a circular pelo
país e praticamente antecipar a campanha para 2018 – tendo em vista que ele não
sabe os desdobramentos possíveis da Operação Lava Jato, que a cada hora só
aumentam o nível de comprometimento de pessoas próximas a ele.
É uma estratégia de defesa e de
garantir o que ainda lhe resta de popularidade, que não é pouca. Mesmo se
considerarmos que está afastado do poder desde 2010 e manteve-se relativamente
calado durante a última campanha eleitoral, ele ainda teria 30% de intenções de
votos.
No entanto, o lulismo se encontra
um pouco descolado do que é o governo Dilma. Ao mesmo tempo, assume um papel de
articulador político ao lado do PMDB e, de outro lado, faz uma espécie de crítica,
como se ocupasse os dois espaços simultaneamente, numa onipotência que não sei
como vai se sustentar ao longo de um mandato que só tem 9 meses.
Correio da Cidadania: O que achou
das manifestações que marcaram o mês de agosto, tanto à esquerda como à
direita?
Marcelo Castañeda: Como tinha
falado, é uma pena que a justa indignação seja capitaneada por segmentos mais
conservadores da direita. São Paulo, que é o maior termômetro, sem desprezar as
outras partes do Brasil, teve uma manifestação forte no dia 16 de agosto, com
grande número de pessoas na rua.
A pesquisa dos professores Pablo
Ortellado e Esther Solano mostrou que, apesar do nível de renda ser
extremamente alto, o perfil da manifestação não era de pleito pelo Estado
mínimo. Pelo contrário, também se reivindicaram questões como saúde pública,
educação pública...
Questões como a volta da ditadura
são fragmentos que tentam refletir o todo. Ainda que seja um número alto de
defensores dessa opção (25%), não era o hegemônico. Assim, temos de tomar
cuidado ao avaliar atos como o do dia 16 de agosto.
Depois, teve a manifestação do dia
20, que mostrou que realmente “não vai ter golpe”. A Dilma tem base de
sustentação em alguns movimentos, o que marca uma diferença em relação ao
Collor em 1992. Em São Paulo, tal passeata foi bem menor do que no dia 16, mas
ainda assim forte.
Não sei como as coisas vão se
desdobrar daqui pra frente, mas vejo a hipótese do impeachment mais afastada. O
que venho observando é um sangramento muito grande da Dilma. Desse modo, acho
que ela chega muito enfraquecida ao final do mandato e, consequentemente, quem
tentar sucedê-la acabará prejudicado.
No momento, mantém-se uma
polarização, que é sórdida, entre PT e PSDB e sua alternância, ou não, no
governo federal. Está faltando à institucionalidade uma via diferente, que
rompa com isso. Não é o PMDB e tenho dúvidas também se a Marina e a Rede seriam
tal alternativa, ainda mais depois da última campanha eleitoral.
Correio da Cidadania:
Especificamente sobre o dia 20, convocado pelo MTST, que avaliação faz do ato,
que pra muita gente acabou sequestrado e distorcido pelo governismo?
Marcelo Castañeda: Teve o viés de
apropriação, mas seria cauteloso em colocar de forma simplista. São segmentos
que têm preocupação legítima com a legalidade democrática, mas ao mesmo tempo
são muito próximos do governo, de forma relacionada a políticas públicas
específicas, a exemplo do MST e MTST, os dois principais sustentáculos da
manifestação, e que são críticos do governo.
O problema é: enquanto se apostar
no PT como alternativa ao campo das esquerdas, estaremos perdendo. Quando o PT
se configura como “menos pior”, acaba sendo o “mais pior”, porque é, hoje, o
principal dispositivo de gestão do capital no Brasil. O que precisamos, nos
movimentos, é romper qualquer ilusão com o PT. Romper com a ilusão de que
existem frações do partido que disputam hegemonia etc. A hegemonia está dada,
desde o final da década de 90, e entregue aos interesses do capital e do
mercado. O próprio Lula a representa muito bem.
Portanto, enquanto sociedade civil
e movimentos tiverem ilusão de ser o PT o “menos pior”, não vamos conseguir
avançar. Defendo ruptura total com o PT e fortalecimento da sociedade civil e
dos movimentos, de forma que possamos influenciar qualquer governo. Assim, não
penso que movimentos como MTST, ainda que tenha sua relevância e importância na
configuração de espaços de moradia, uma luta importante, ou o MST, que tem um
histórico de lutas importantes, possam dar conta de tais necessidades.
Por exemplo: o Stédile falou que
se a Marina ganhasse a eleição, “ia ter ocupação de terra todo dia”. Ora, a
Dilma está fazendo exatamente a mesma coisa que a Marina disse, no caso, o
ajuste. E o Stédile não ocupa fazenda e terra todo dia. E olha que tem a Katia
Abreu no Ministério da Agricultura. Como lidar com a ambiguidade dos
movimentos, que criticam de um lado e apoiam do outro?
No momento, ou temos uma
configuração clara de ruptura com essa ordem, que está posta há 13 anos, ou
estamos juntos da ordem. O PT não assumiu o governo ontem, e, sim, se acomodou
no poder. E é muito ruim manter tal relação. O “apoio crítico” só serve de
respiro ao governo. Ou a gente pressiona por mudanças ou seremos engolidos por
essa onda conservadora e mais à direita. O que já está acontecendo. A direita
está muito fortalecida, pois está no governo e tem seus interesses atendidos;
ao mesmo tempo, critica veementemente o governo e capitaliza a indignação
popular. Um quadro muito complexo.
Correio da Cidadania: Como
relaciona toda essa conjuntura com as manifestações de junho de 2013 e os ecos
daquele momento? Considera que as esquerdas perderam, e talvez continuem a
perder, uma grande chance de reorganização?
Marcelo Castañeda: Junho foi um
acontecimento e um evento que pegou todos de surpresa, pra começo de conversa.
Ninguém previa que podia acontecer aquilo no Brasil. Isso significa que as
estruturas institucionais que identificamos à esquerda, como partidos e
movimentos mais tradicionais e institucionalizados, não esperavam.
Foi um levante com características
massivas. Aqueles 15 dias marcaram o Brasil e, ao mesmo tempo, não mudaram o
Brasil. Não tivemos capacidade de articulação para estabelecer uma “frente
constituinte”, no sentido de constituir formas alternativas de proposições, de
governo etc.
Tivemos um levante que realmente abalou
as estruturas e abriu uma brecha democrática. Que, a meu ver, representou a
morte do PT, pois o partido, na época, optou pela repressão e criminalização.
Naquele momento, a opção foi de fechar a brecha e fazer com que o sistema
político voltasse a rodar em torno do próprio rabo. E isso realmente marcou,
para mim, o fim de qualquer esperança em relação ao Partido dos Trabalhadores.
Colocando de forma simples, o que
aconteceu depois de junho foi o fechamento progressivo dessa brecha
democrática, com direito a momentos altos, como a “Copa das Copas”, encerrada
com cunho nacionalista, e depois com as eleições, que achataram de vez qualquer
possibilidade de alternativa. Aliado a todo o processo de criminalização,
esteve o comando do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.
Dessa forma, junho abriu uma
brecha que não consigo saber em que momento conseguiremos abrir novamente. Do
lado dos movimentos e articulações, há um esgarçamento e também certa disputa,
além de uma desconfiança, gerada pela repressão. É complexo o panorama, mas
junho foi o acontecimento mais marcante do período democrático, visto que a
sociedade brasileira sempre foi vista como passiva, sem costume de ir para a
rua...
De fato, antes de junho colocar
500 pessoas na rua era uma conquista. Hoje achamos pouco. E voltamos ao nível
de mobilização anterior a junho de 2013. Realmente, não conseguimos nos
organizar. E há a própria questão repressiva, que achatou a brecha aberta. O
cenário não é nada animador. Não é labirinto ou beco sem saída, mas é um campo
que terá de ser novamente semeado para colhermos algo mais à frente.
Correio da Cidadania: Em meio à
recessão econômica e vazio político, como imagina que caminhará o governo Dilma
nos próximos meses e anos?
Marcelo Castañeda: É bem delicada
a situação, porque não há muito a fazer. A Dilma está marcada pelas eleições,
quando vendeu um cenário de maravilhas no país. Agora, quando vamos ao mercado
ou andamos pelas metrópoles vemos um cenário de desagregação social. Em Osasco
teve aquela chacina que matou 19 pessoas, a estrutura da polícia militar
continua uma coisa sórdida...
São coisas que não passam
diretamente pela Dilma, mas, indo direto ao ponto, ela não tem muito que fazer
politicamente. Vai ficar cada vez mais isolada, até porque não tem a habilidade
do Lula, que sabia comunicar, se abrir, propor novas estratégias para lidar com
a crise. Ela está totalmente na mão do mercado e do PMDB, que faz o que quer
com ela. Provavelmente, vai ficar com uma popularidade menor que a de FHC, o
que seria lamentável para o Partido dos Trabalhadores depois de 15, 16 anos no
poder central.
Claro que tudo pode mudar. E não
falo da pessoa, mas do que ela representa na presidência. Em vez de mostrar
habilidade e propor saídas, ela assume que a crise já existia e prevê um 2016
muito complicado, conforme suas declarações recentes, dentro de um cenário
global nada alentador.
O que realmente espero é que a
gente não dependa apenas do governo, mas, enquanto sociedade, encontremos
formas de lidar com a crise e pressionar o governo. Na verdade, o governo opera
de forma quase autônoma. Há um deslocamento entre o campo político
governamental e os anseios da sociedade, como se o primeiro jogasse um jogo
separado do nosso. Mas precisamos influenciar o jogo. Nesse sentido, é o
fortalecimento da sociedade civil que pode promover as maiores inovações. Do
governo Dilma, não espero nada.
Ouça o áudio da entrevista
Leia também:
‘Impeachment não é caminho, mas o governo não nos representa. É um cenário muito difícil para as lutas sociais’ – entrevista com Ana Paula Ribeiro, coordenadora do MTST
Não há como recuperar a legitimidade da política sem ruptura radical com Lula e Dilma – entrevista com o economista Reinaldo Gonçalves
Eleições Gerais Já!
Jogos ocultos em torno do governo Dilma – análise do colunista Guilherme Delgado
Fuga de capitais: riscos e ameaças – artigo do economista Fernando D’Angelo
Rio Grande do Sul expõe faceta estadual do ajuste econômico - entrevista com a professora Rejane Oliveira
Nova ruralidade e velha concentração – Por Osvaldo Russo
Crise de que e contra quem? – por Milton Temer
Quem salta pelo ajuste e quem vai além da perplexidade – análise do sociólogo Luiz Fernando Novoa Garzon
“Encurralado, o governo vai cada vez mais para a direita” – entrevista com deputado federal Ivan Valente
Contribuições para uma agenda econômica alternativa – coluna de Paulo Passarinho
A fórmula mágica da paz social se esgotou – Paulo Arantes, especial para o Correio da Cidadania
“O mais provável é o governo Dilma se arrastando nos próximos três anos e meio” – entrevista com deputado federal Chico Alencar
‘Ajuste fiscal vai liquidar com os mais frágeis e concentrar a renda’ – entrevista com Guilherme Delgado
Gabriel Brito e Paulo Silva Junior são jornalistas.
A publicação deste texto é livre, desde que citada a fonte e o endereço eletrônico da página do Correio da Cidadania