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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Carta aberta do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do DF sobre a militarização do CED 1 da Estrutural (DF)

Quarta, 6 de fevereiro de 2019




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Carta aberta sobre a militarização do CED 1 da Estrutural


Nos últimos dias tomamos conhecimento pela imprensa que o Governo do Distrito Federal decidiu  implantar um  projeto  piloto  de atuação  de militares  em  uma das  escolas  da cidade. Segundo as informões, a decisão se deu pelo índice de violência nessas escolas. Segundo informações, o Governo vai investir 200 mil reais em cada escola para implementar o projeto.

Entretanto, é imprescindível levantar algumas preocupões com os efeitos dessa decisão. Em primeiro lugar, espera-se que uma decisão como essa seja acompanhada de transparência e participação da comunidade escolar. A informão de altos índices de violência na referida escola uma informação desconhecida da comunidade. Como em toda região de periferia, sabemos dos problemas ligados aos jovens da cidade, porém não temos tido acesso as estatísticas dessa criminalidade e violência em escolas públicas e assim uma melhor avaliação fica prejudicada. Uma primeira medida que esperamos é a divulgação desses dados. Na mesma linha de fortalecer a participação, uma segunda medida seria colocar em funcionamento os espos de participação da comunidade escolar. A lei traz a previsão de instâncias de participação que devem analisar e deliberar sob aspectos pedagógicos, administrativos e financeiros da unidade escolar. Pelo menos duas instâncias de participação são importantes: a Assembleia Geral Escolar e o Conselho Escolar. Diante de todo esse processo de mudança, é imprescindível que esses espaços sejam organizados e funcionando ativamente.

Um outro ponto importante é que, considerando a disponibilidade de investimento do Governo, questionamos se não seria mais estratégico para a cidade o investimento em novas escolas. Na cidade, segundo a PDAD 2015, são 7.596 crianças e adolescentes na faixa eria de 5 a 14 anos. Para atender esse público existem apenas 4 escolas na cidade que contemplam apena24% dessa população. A construção de novas escolas deveria ser então uma prioridade, mas por anos vem sido preterida pelos governantes. O desgaste e os transtornos gerados pela necessidade de deslocamento das crianças são sentidos na pele diariamente e com efeitos dos mais diversos no processo de ensino-aprendizagem.

Mais grave ainda é a distinção feita nas informações dadas aagora entre o que seria uma atuação disciplinar” da polícia e o limite pedagico da atuação dos educadores, uma vez que não na lei nenhum respaldo para uma distinção deste tipo. Tanto a Constituição Federal, como a Lei Orgânica do DF e as leis que tratam do funcionamento das escolas falam de três dimensões da gestão escolar: pedagica, administrativa e financeira. A unidade de concepção pedagógica, que traz em si orientações disciplinares, é fundamental para o bom desenvolvimento do projeto político pedagógico da escola, dissociar a orientação pedagógica da disciplinar, não representa nada além de esfacelamento de qualquer projeto que teria a escola e uma confusão total de sua finalidade e objetivos.

É necessário um diagstico preciso da real situação dessas escolas. Tomar uma decisão tão importante como essa sem maior profundidade pode se comparar ao paciente que com dor no dedão do acaba tendo sua orelha operada por desinformação ou confusão. Não parece, mas esse remédio pode significar uma condição ainda pior. Na Estrutural é mais grave a situação das crianças fora da escola do que das crianças que estão dentro da escola, já que na cidade os índices de evasão escolar são elevados. A exigência de um uniforme impecável”, por exemplo, pode gerar o constrangimento ou desistência de algumas crianças que residem em regiões da cidade em que sequer o abastecimento regular de agua é garantido. Se cobrado o uniforme limpo de uma criança que não tem água encanada na sua residência? As taxas de distorção idade-série são também preocupantes e de grande impacto na continuidade do processo educativo, porém, como a medida afirma que não se propõe alcançar objetivos pedagógicos, entende-se que todo esse investimento não se compromete com soluções para este problema. Inclusive sobre esse ponto da aprendizagem, diversas crianças demandam atendimento especializado, por neuropediatra, por exemplo, ou mesmo de um diagnóstico mais assertivo em relação a suas dificuldades de aprendizagem. Um vasto número de estudos apontam que diversas questões precisam ser consideradas  para  entender  os  fatores  que  retardam  essa  aprendizagem  como  alimentação, condição  do  sono,  contexto  familiar,  dentre  outras  condições  básicas  que     precisam  ser asseguradas. Um outro conjunto numeroso de estudos relacionam as questões de indisciplina a contextos sociais e familiares. Entretanto, trata-se a questão da educão somente como uma questão de desempenho individual em avaliões de conhecimento e comportamento, enquanto os fatores que geram esses resultados são comprovadamente parte de um quadro multifatorial e complexo que se quer são entendidas por uma estrutura escolar tão restrita e precarizada pela falta de investimento. Voltando à analogia, como receitar um remédio adequado se as condições de produção de um diagnóstico não estão garantidas?


Assim, não é possível pensar no desenvolvimento escolar de crianças e adolescentes sem considerar a condição sócioeconômicas de suas famílias e esse é o quadro mais dramático dessa decisão.  São  notórias  no território  as  diversas  demandas  ligadas    a  segurança  alimentar das crianças e seus familiares. Além disso, são diversos casos de mães, chefes de família, com adoecimento mental como depressão, ideação suicida, dentre outros, com pouco ou nenhuma atenção do Estado. Não que se falar em melhor  rendimento escolar dessas crianças sem tocar na garantia de atendimento de necessidades básicas ou na ampliação do atendimento de saúde na cidade  e  especialmente  nos  serviços  de  saúde  mental,  ou  ainda  na  resolução  de  conflitos domésticos que envolvem agressão e violência física e sexual contra crianças e adolescentes. Diante de todo esse quadro, de ausências e ineficiências do Estado, a militarização da escola se apresenta como mais uma forma de reprimir e excluir uma população já tão desassistida.

Convocamos assim, a sociedade civil, famílias, organizões de defesa de direitos das crianças  e  adolescente  e  direitos  humanos,  educadores  e  militantes  da  educação,  Ministério Público e demais órgãos de controle, para acompanharem de perto os efeitos que se seguirão se mantida essa decisão do Governo do Distrito Federal, a fim de garantir o melhor uso do dinheiro público e para que não estejam sujeitas nossas crianças e adolescentes, mais uma vez, à negação de seu direito a uma educação pública, de qualidade e sem discriminações!

Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do DF CEDECA/DF