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Carta aberta sobre a militarização do CED 1 da Estrutural
Nos últimos dias tomamos conhecimento pela
imprensa
que o
Governo do Distrito
Federal decidiu implantar um
projeto piloto
de atuação de militares
em uma das escolas da cidade.
Segundo as informações, a decisão se deu pelo índice
de violência nessas escolas. Segundo informações,
o Governo vai
investir 200 mil reais
em cada escola para implementar
o projeto.
Entretanto, é imprescindível levantar
algumas preocupações com os efeitos dessa decisão. Em primeiro lugar, espera-se
que uma decisão como essa
seja acompanhada
de transparência
e participação da comunidade escolar. A informação de altos índices de violência na referida escola uma informação desconhecida da comunidade. Como em toda região de periferia, sabemos dos problemas ligados aos jovens da cidade, porém não temos tido acesso as estatísticas dessa
criminalidade e violência em escolas públicas e assim uma melhor avaliação fica prejudicada.
Uma primeira medida que esperamos é a divulgação desses dados. Na
mesma
linha de fortalecer a
participação, uma segunda
medida seria colocar em funcionamento os espaços de participação da
comunidade escolar. A lei traz a previsão de
instâncias de participação que devem analisar e deliberar sob aspectos pedagógicos, administrativos e
financeiros da unidade escolar. Pelo menos
duas instâncias de participação são importantes: a Assembleia Geral Escolar
e o Conselho Escolar.
Diante de todo esse processo de
mudança, é imprescindível que
esses espaços sejam organizados e
funcionando ativamente.
Um outro
ponto importante é que, considerando a disponibilidade de investimento do Governo, questionamos se
não
seria mais estratégico para a cidade
o investimento em novas
escolas.
Na
cidade, segundo a PDAD
2015, são 7.596 crianças e adolescentes
na faixa etária de 5 a 14 anos. Para atender esse público existem apenas 4 escolas na cidade que contemplam apenas 24% dessa população. A construção de
novas escolas deveria
ser
então uma prioridade, mas por anos vem sido preterida pelos governantes. O desgaste e os transtornos gerados pela necessidade de deslocamento das crianças são sentidos na pele
diariamente e com efeitos dos mais diversos no
processo
de ensino-aprendizagem.
Mais grave
ainda é a distinção feita nas informações dadas até
agora entre o que
seria uma atuação “disciplinar” da polícia e o limite “pedagógico” da atuação dos educadores, uma vez que
não
há na lei nenhum respaldo para uma distinção deste tipo. Tanto a Constituição Federal, como a Lei Orgânica do DF e as leis que tratam do funcionamento das escolas falam de três dimensões da gestão escolar: pedagógica, administrativa e financeira. A unidade
de concepção pedagógica, que traz em si orientações disciplinares, é fundamental para o bom desenvolvimento do projeto político pedagógico da escola, dissociar a orientação pedagógica da disciplinar, não representa nada além de esfacelamento de
qualquer
projeto que teria
a escola
e uma
confusão total de
sua finalidade e objetivos.
É necessário um diagnóstico preciso da real situação dessas escolas. Tomar uma decisão
tão importante como essa
sem
maior profundidade
pode se comparar ao paciente
que com dor
no dedão do pé acaba
tendo sua orelha operada por desinformação ou confusão. Não parece, mas esse
remédio pode significar uma condição ainda pior. Na Estrutural é mais grave a situação das crianças fora da
escola
do que
das
crianças que
estão
dentro da escola, já que
na cidade os índices de
evasão escolar são elevados. A exigência de um uniforme “impecável”, por exemplo, pode gerar
o constrangimento ou desistência
de algumas crianças que residem
em regiões da cidade em
que sequer o abastecimento regular de agua é garantido. Será cobrado o uniforme limpo de uma
criança que não tem água
encanada
na sua residência? As taxas de
distorção idade-série
são
também preocupantes e de grande impacto na continuidade do processo educativo, porém, como a medida afirma que não se propõe
alcançar objetivos pedagógicos, entende-se
que todo esse investimento não se compromete com soluções para este problema. Inclusive
sobre esse ponto da aprendizagem, diversas crianças demandam atendimento especializado, por
neuropediatra, por
exemplo, ou mesmo
de um diagnóstico
mais assertivo em relação a suas dificuldades de aprendizagem. Um vasto número de estudos apontam que diversas questões precisam ser consideradas para entender
os
fatores
que
retardam
essa aprendizagem como
alimentação, condição do sono, contexto
familiar,
dentre outras
condições
básicas
que precisam
ser asseguradas. Um outro conjunto numeroso de estudos relacionam as questões de indisciplina a contextos sociais e
familiares. Entretanto,
trata-se a questão da
educação somente
como uma questão de desempenho individual em avaliações de conhecimento e comportamento,
enquanto os fatores que geram esses resultados são comprovadamente parte de
um quadro multifatorial e complexo que se quer são entendidas por uma estrutura escolar tão restrita e precarizada pela falta
de investimento. Voltando à analogia, como receitar
um remédio adequado se as condições de
produção de um diagnóstico
não estão garantidas?
Assim, não é possível pensar
no desenvolvimento escolar de crianças e adolescentes sem considerar a condição sócioeconômicas de suas famílias e esse é o quadro mais dramático dessa
decisão. São notórias no território
as
diversas demandas
ligadas a segurança alimentar das
crianças e seus familiares. Além disso, são diversos casos de
mães, chefes de
família, com adoecimento mental como depressão, ideação suicida, dentre
outros, com pouco ou nenhuma
atenção do Estado. Não há que se falar em melhor rendimento escolar dessas crianças sem tocar na garantia de atendimento de necessidades básicas ou na ampliação do atendimento de
saúde
na cidade e especialmente nos serviços
de
saúde mental,
ou
ainda na
resolução de conflitos
domésticos que envolvem agressão e violência física e sexual contra crianças e adolescentes. Diante
de todo esse quadro,
de ausências e
ineficiências do Estado, a
militarização da escola se
apresenta como mais uma forma
de
reprimir e excluir
uma população já tão desassistida.
Convocamos assim, a sociedade civil, famílias, organizações de defesa de
direitos das crianças e
adolescente e direitos humanos, educadores e
militantes da educação, Ministério Público e demais órgãos de controle,
para
acompanharem de perto os efeitos que se seguirão se mantida essa decisão do Governo do
Distrito Federal, a fim de garantir
o melhor uso do dinheiro público e para que não estejam sujeitas nossas crianças e adolescentes, mais uma vez, à negação de seu direito a uma educação
pública, de qualidade e sem discriminações!
Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do DF CEDECA/DF