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(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 13 de março de 2020

MPF: Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão pede à Procuradoria da República no DF apuração sobre negativa do governo de recursos para zerar fila do Bolsa Família

Sexta, 13 de março de 2020
Do MPF
Ministério da Economia teria negado créditos adicionais ao Programa, o que tem inviabilizado o atendimento integral para acesso ao benefício
foto de um cartão do bolso família colocado em cima de uma carteira de identidade
Foto: Camila Domingues/Fotos Públicas
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão solicitou à Procuradoria da República no Distrito Federal que sejam adotadas medidas para garantir que o Programa Bolsa Família siga cumprindo as políticas de "fila zero" e de pagamento do "13º salário" a seus beneficiários.

A solicitação foi feita após a PFDC identificar que o Ministério da Economia tem recusado pedidos do Ministério da Cidadania de disponibilização de créditos adicionais para o orçamento do Bolsa Família – o que tem inviabilizado o atendimento integral para acesso ao benefício. Os impactos na efetiva implementação do Programa estão sendo sentidos desde junho de 2019, quando o governo federal deixou de "zerar" a fila do Bolsa Família.
A informação consta em ofício encaminhado pelo Ministério da Cidadania à PFDC, como resposta a questionamento feito pelo órgão acerca das providências que estariam sendo adotadas para assegurar que todo o público apto a acessar o Bolsa Família seja atendido.

O pedido de esclarecimentos teve como base representação feita pelo deputado federal Ivan Valente (PSol/SP) e também reportagem do jornal Folha de S. Paulo segundo a qual, em janeiro deste ano, um milhão de famílias aguardavam resposta do governo federal para ingresso no Programa. De acordo com o texto, mesmo as cidades mais pobres do país não tinham obtido liberação do benefício para novos auxílios nos últimos cinco meses. A reportagem também aponta que, para 2020, o orçamento destinado ao Bolsa Família é de R$ 29,5 bilhões – valor inferior ao de 2019, que ficou em R$ 32,5 bilhões.

Segundo as informações prestadas pela pasta da Cidadania, a justificativa do Ministério da Economia para a recusa de créditos adicionais ao Programa é de que a quantidade de beneficiários e benefícios financeiros específicos do Bolsa Família deve ser compatível com as dotações orçamentárias existentes – argumento que é refutado pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão.

"A norma do artigo 6º da Lei nº 10.836/2004 – segundo o qual a União deverá compatibilizar a quantidade de beneficiários e de benefícios financeiros específicos do Programa Bolsa Família com as dotações orçamentárias existentes - deve ser interpretada no sentido da estrita provisoriedade e da necessidade de remanejamento de recursos orçamentários, de modo a atender o caráter universalizante do Programa", explica a PFDC.

Ao longo de 2019, o Ministério da Cidadania encaminhou ao menos cinco notas técnicas ao Ministério da Economia nas quais aponta que a concessão de novos benefícios havia sido suspensa desde junho e que a retomada da política de "fila zero" do Programa requeria aporte de recursos para suprir todas as folhas de pagamento daquele ano. Mesmo com a sequência de avisos, não houve liberação de crédito suplementar para a devida execução do Bolsa Família tanto para 2019 quanto para o ano de 2020.

Precarização social aumenta demanda pelo benefício - Entre as notas técnicas encaminhadas ao Ministério da Economia está a Nº 6/2019 – assinada pelas Diretorias de Benefícios e de Operação e aprovada em 3 de julho de 2019 pelo secretário nacional de Renda de Cidadania. O documento apresenta dados que evidenciam "um cenário de aumento da quantidade de famílias habilitadas ao Programa e uma baixa expectativa de cancelamentos decorrentes da diminuição dos públicos dos processos de Averiguação e Revisão Cadastral". De acordo com a nota técnica, "mantida a média de famílias habilitadas e a estratégia do 'fila zero', o Programa Bolsa Família poderá alcançar, ainda que com variações, patamar próximo a 15 milhões de famílias beneficiárias até o final de 2019, situação que não pode ser executada em razão do limite orçamentário existente".

O texto destaca os impactos do atual contexto econômico no Programa e ressalta que os resultados do Produto Interno Bruto brasileiro em 2017 e 2018, assim como as sucessivas quedas na previsão de crescimento para o ano de 2019, refletem a dificuldade de retomada do crescimento. "No primeiro trimestre deste ano, a taxa de desemprego chegou a 12,7%, sendo o maior índice desde o trimestre terminado em maio de 2018. Os dados reforçam a percepção de que mudanças no quadro econômico serão ainda mais demoradas", aponta o documento.

A nota destaca que o indicador de desemprego tem o potencial de exercer maior influência para o público-alvo do Bolsa Família, na medida em que altas taxas de desocupação atingem especialmente os grupos mais vulneráveis, refletindo na queda da renda das famílias. "A perda do emprego é fator de desestabilização das famílias, que são fortemente afetadas pela descontinuidade de renda. No caso dos trabalhadores informais, esse processo é agravado pela falta de cobertura dos sistema de proteção social, que privilegia os trabalhadores do mercado formal".

A nota técnica do Ministério da Cidadania aponta, ainda, que apesar da vasta maioria da população adulta do Bolsa Família ser economicamente ativa, a informalidade, a inserção precária no mercado de trabalho e a baixa remuneração predominam entre os beneficiários. "Essa dinâmica reflete para o Programa Bolsa Família uma maior quantidade de famílias enquadradas nos critérios de renda per capita e composição familiar, aumentando a demanda para o recebimento do benefício".

Ingresso ao Programa dependerá de saída de outras famílias - A resposta que chegou à PFDC, vinda do Ministério da Cidadania, faz crer que o ingresso de novas famílias no Programa no ano de 2020 é resultado exclusivo da saída de outras. No entanto, a projeção de ingresso de 95 mil famílias por mês ao longo de 2020 ignora o decréscimo do número de cancelamentos de cadastros do Programa.

Para a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, a redução do alcance do Bolsa Família – sem substituição por outro programa equivalente ou mais eficaz, em momento em que a população mais pobre sofre com maior intensidade as políticas de austeridade - é moralmente inconcebível, além de inconstitucional.