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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 6 de outubro de 2020

STJ determina que TRF3 analise ação civil pública do MPF contra policiais civis por atos cometidos durante a ditadura militar

Terça, 6 de outubro de 2020

Decisão segue parecer do MPF e reafirma que são imprescritíveis as ações civis fundamentadas em violações de direitos

#pracegover: arte retangular com uma foto antiga de um policial com cassetete nas mãos. Em uma faixa vermelha, escrita com letras brancas a expressão Crimes da Ditadura

Arte: Secom/PGR

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) analise novamente ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal contra três delegados da Polícia Civil de São Paulo por crimes cometidos durante a ditadura militar no Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). A turma reformou acórdão do TRF3, que entendeu ter havido prescrição de alguns pedidos e aplicou a Lei da Anistia (Lei n. 6.683/79) para negar a reparação civil e administrativa.

Com a decisão, que segue parecer apresentado pelo MPF, o STJ reafirma que são imprescritíveis as ações civis fundamentadas em atos de perseguição política, tortura, homicídio e outras violações de direitos cometidas durante o regime militar. O processo deverá ser reanalisado, desta vez sem a aplicação de normas de anistia ou de prescrição.

Herzog – A ação civil pública foi ajuizada pelo MPF em São Paulo contra os delegados Aparecido Laertes Calandra, David dos Santos Araújo e Dirceu Gravina, responsáveis por violações a direitos humanos durante a ditadura, bem como contra a União e o Estado de São Paulo. O documento compila relatos de práticas de tortura, desaparecimento e homicídio de várias pessoas durante o regime militar, entre elas o jornalista Vladimir Herzog, morto nas dependências do DOI-Codi em 1975.

O MPF pede que os agentes sejam condenados a indenizar os familiares das vítimas, que tenham cassadas as aposentadorias ou percam os cargos públicos que eventualmente exerçam e que fiquem impedidos de assumir quaisquer novas funções públicas. Requer também a condenação dos delegados ao pagamento de danos morais coletivos, e do Estado de São Paulo à publicação de pedidos formais de desculpas à sociedade brasileira, além do fornecimento dos dados de todos os funcionários envolvidos nas atividades do DOI-Codi.

Em primeira instância, a ACP foi julgada improcedente, com sentença mantida pelo TRF3. Para o tribunal, a Lei de Anistia teria alcançado todos os atos cometidos no período do regime militar, inviabilizando a punição civil e administrativa dos agentes. O MPF levou o caso ao STJ (Recurso Especial n. 1.836.862/SP). O parecer, elaborado pela subprocuradora-geral da República Sandra Cureau, sustentou que “a Lei de Anistia não prevê a anistia para as obrigações cíveis decorrentes da prática de atos ilícitos, como os tratados nos presentes autos.”

Reparação civil – No parecer, a subprocuradora-geral lembra que a Lei da Anistia concede apenas anistia penal aos autores de crimes cometidos na ditadura. Esse entendimento já está pacificado pelo STJ. No julgamento de recurso interposto por Carlos Alberto Brilhante Ustra, coronel do Exército que atuou como chefe do DOI-Codi, o STJ “expressamente afastou a incidência da Lei 6.683/79 à pretensão de reparação civil, consubstanciada em danos morais, das vítimas de tortura nas instalações do DOI-Codi”, esclareceu.

Além de aplicar de forma indevida a Lei de Anistia a um caso que trata somente de questões cíveis, o TRF3 declarou a prescrição da ação, no tocante à indenização por danos morais coletivos, de forma incorreta, aplicando o Decreto 20.910/32 e o art. 177 do Código Civil de 1916. Sandra Cureau sustentou que, como já decidido pelo STJ em mais de uma ocasião, as ações de indenização por danos morais decorrentes de perseguição, tortura e prisão, por motivos políticos, durante o regime militar, não prescrevem. Para essas situações, não se aplica o prazo prescricional de cinco anos previsto no art. 1º do Decreto 20.910/1932.

A subprocuradora-geral afirmou, ainda, que, segundo o Supremo Tribunal Federal, é possível cumular a indenização por danos morais e a reparação econômica prevista na Lei nº 10.559/2002, que institui o regime do anistiado político. Ela lembrou que, na análise do caso Gomes Lund, a Corte Interamericana de Direitos Humanos afastou os dispositivos da Lei de Anistia que impedissem a investigação de graves violações a direitos humanos.

Íntegra do parecer do MPF