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(Millôr Fernandes)

sábado, 16 de junho de 2012

Um desfecho insondável

Sábado, 16 junho de 2012
Por Ivan de Carvalho
O Egito, mais importante país árabe – condição potencializada pela vizinhança com Israel e por desempenhar papel essencial na determinação da paz ou da guerra entre árabes e judeus – mergulhou, na quinta-feira, em nova crise de desfecho obscuro, talvez insondável.
     
       Não houve uma nova revolução, não houve um golpe. Houve uma decisão da Suprema Corte Constitucional (o correspondente ao nosso Supremo Tribunal Federal) a respeito da validade das eleições que haviam sido realizadas para o parlamento, dentro do processo para a democratização do país.
  
          Acontece que a Suprema Corte Constitucional não se esforçou para manifestar qualquer talento para a dança do ventre, de modo a mostrar que, como se diz no Brasil, tem “jogo de cintura”. Simplesmente olhou o que está escrito na Constituição do Egito e aplicou.
      
      Na Constituição está escrito que um terço da Câmara Baixa do parlamento deve ser composto por integrantes “independentes”, portanto, não filiados a partidos, enquanto caberia a estes preencher os outros dois terços. A Corte constatou que, na composição da casa legislativa, não foi obedecido o critério constitucional que fixa um terço de “independentes” e, assim, anulou as eleições parlamentares.
           
 Manteve, no entanto, para este fim de semana, o segundo turno das eleições presidenciais, disputado por um candidato do “braço político” da Irmandade Muçulmana, Mohammed Mursi e por Ahmed Shafiq, último primeiro-ministro do governo do ditador-presidente deposto e recentemente condenado à prisão perpétua, Hosni Mubarak.

Por uma “lei de exclusão” votada pelo parlamento que na quinta-feira foi declarado inconstitucional pela Suprema Corte Constitucional, o ex-primeiro-ministro de Mubarak e outras pessoas ligadas ao regime anterior não poderiam ser candidatos. Algo semelhante à suspensão dos direitos políticos (mas ad aeternum) praticada por Atos Institucionais do regime militar brasileiro. A Suprema Corte declarou também inconstitucional esta lei e, assim, validou a candidatura do ex-primeiro-ministro.

Há uma presunção de que vencerá as eleições presidenciais o candidato da Irmandade Muçulmana. É o que mostravam as avaliações pré-eleitorais. Mas o candidato da Irmandade Muçulmana, mesmo dizendo acatar a decisão da Suprema Corte, disse ser “contra” a candidatura de seu oponente. A coisa, assim, ficou hilária – ele tem mesmo de ser “contra” a candidatura do adversário. Ou ele não acata a decisão judicial sobre a validade da candidatura de Shafiq? Neste caso, a Irmandade Muçulmana seria seletiva quanto a aceitar ou rejeitar as decisões da Suprema Corte Constitucional.

Mais complicação. Extinto o parlamento, o poder de legislar volta às mãos dos militares. Além disso, no Egito, há um embate talvez não totalmente declarado, mas não muito surdo: o sonho da Irmandade Muçulmana é o de instalar uma “república islâmica” no Egito, uma bomba imensa, pronta para estourar sobre Israel.

E o exército egípcio não admite tal “república islâmica”, mas somente um estado laico, e também não abre mão de exercer forte influência no Estado egípcio, exigindo, ainda, autonomia, inclusive orçamentária, das forças armadas. Em troca, promete assegurar a democracia.

Muita coisa a conferir, a partir deste fim de semana.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.