Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

A ferida no coração de um patrimônio mundial

Quinta, 7 de fevereiro de 2013
De "Urbanistas por Brasília"
Em 2009 a população de Brasília se levantou contra o Mestre. Em um momento de união pela cidade, arquitetos e urbanistas, população local e a então presidência do IPHAN/DF se manifestaram contra o projeto de Oscar Niemeyer intitulado “Praça da Soberania”, localizada entre o Teatro Nacional e o Conjunto Cultural da República e em frente à Rodoviária.
O polêmico projeto previa um prédio para o “Memorial dos Presidentes da República do Brasil” e um grande obelisco com 100 metros de altura que impediria a visão livre da Esplanada dos Ministérios a partir da Rodoviária – visão livre que por sinal Lucio Costa queria desimpedida desde a concepção do Plano Piloto. Além disso o projeto incluía também um estacionamento subterrâneo para três mil carros.
Polêmico projeto de Niemeyer para a Esplanada dos Ministérios em 2009
Em enquete realizada à época pelo site do Correio Brasiliense, mais de 70% dos internautas foram contra a obra e em seguida uma onda de protestos tomou conta de Brasília. “Foi a primeira vez que a cidade reagiu ao anúncio de uma obra de Niemeyer”, afirmou o jornal. Além de toda a polêmica, a obra não possuía orçamento aprovado, não possuía autorização do Iphan e o então governador José Roberto Arruda – principal articulador da obra – logo em seguida deixaria o GDF. Apesar de Niemeyer ter refeito o projeto em uma tentativa de aprovação, o projeto foi engavetado.
Passados quatro anos a Esplanada dos Ministérios é palco de mais um mega projeto do  GDF, o qual tomou a mídia em 31 de janeiro de 2013 para anunciar um faraônico complexo de estacionamentos com quatro pavimentos subterrâneos, um mini-shopping e complexo de escritórios sob o canteiro central do Eixo Monumental.
Vista geral do resultado final com poços de ventilação, escadas, rampas e elevadores.
Trata-se de um projeto de grande envergadura, com mais de 340 mil m² de área construída e que impactará fortemente a configuração atual da Esplanada dos Ministérios enchendo-a de poços de ventilação, elevadores, escadas rolantes e rampas para veículos, elementos que interferirão no imponente e (às vezes) imaculado gramado cartão-postal.
Elevadores, escadas rolantes, rampas. A construção civil agradece e à sociedade sobra uma grande interrogação.
A Esplanada dos Ministérios é o espaço mais simbólico do Plano Piloto de Brasília. É o espaço solene da Capital da República por excelência, coroado pela Praça dos Três Poderes que abriga as instituições máximas do Estado Brasileiro. Isso por si só já bastaria para que um projeto como esses fosse discutido, no mínimo, à exaustão.
Mas nada disso é considerado. O GDF desenvolve um projeto a portas fechadas com uma empresa de São Paulo e, após os detalhes estarem acertados, divulga-se um projeto de 800 milhões de reais com previsão de execução de no mínimo três anos – uma ferida aberta em pleno coração de um Patrimônio Mundial – como se fosse uma obra de um ponto de ônibus. Divulga-se a “belezura” do projeto repleto de maquetes eletrônicas e animações, vira as costas e vai cuidar de sua execução.
O ápice do canto da sereia é o governo afirmar na apresentação do projeto para a imprensa que “a estrutura, concebida para reduzir o déficit de vagas para veículos na área central de Brasília, é um dos instrumentos da política de Transportes do GDF“. Ora, qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento ou de leitura de jornais sabe que nas principais cidades do mundo – que nem são Patrimônio Mundial! – todas as iniciativas relacionadas a transporte público desestimulam o uso do transporte particular, oferecendo para isso um transporte público eficiente, limpo e barato. Tudo o que o GDF não está fazendo e que fica claro com sua licitação de ônibus movidos a diesel para criar um oligopólio por 20 anos e que não prevê qualquer tipo de solução personalizada para a Esplanada dos Ministérios.
Após tomarmos conhecimento do projeto ficamos às voltas com uma série de perguntas: trata-se da melhor opção para solucionar a falta de vagas na Esplanada dos Ministérios?  Aliás, essa é uma opção? Porque gastar quase um bilhão de reais para criar estacionamentos subterrâneos em lugar de se criar um transporte público decente que desestimule o uso de automóveis pela população? De quem é esse projeto e que tipos de discussões houve para que se chegasse a essa solução? A solução para o pior transporte público do Brasil é criar estacionamentos para veículos particulares?
Diversos detalhes da proposta deixam arrepiados quem vem acompanhando a série de “brilhantes” projetos dessa gestão do GDF, destacando-se o fato dessa obra ser uma Parceria Público Privada (PPP), ou seja, o obra será explorada por particulares com estacionamentos pagos e a preços nada módicos. Alguém acha mesmo que os atuais usuários da Esplanada irão diariamente se submeter a cancelas e caixas eletrônicos? Para responder a essa pergunta sugiro um passeio pelas redondezas dos principais shoppings do Plano Piloto.
A quem interessa esse projeto? Às empresas de engenharia ou à população? A que custo social, patrimonial e ambiental? São perguntas que precisam ser respondidas antes de que os tratores comecem a rasgar a Esplanada por longos três anos e por fim a população observe atônita o resultado daquela notícia divulgada em 31/1/2013.
Soluções mais baratas e inteligentes estão à disposição para qualquer um que se debruce sobre o problema por cinco minutos. Soluções como a volta do transporte coletivo para os servidores dos ministérios (quem sabe com ônibus elétricos para o governo dar o exemplo?) ou até mesmo a criação de linhas de micro-ônibus entre a Esplanada e os imensos e subutilizados bolsões de estacionamentos do Estádio Nacional Mané Garrincha e Ginásio Nilson Nelson seriam soluções mais óbvias e com impacto urbano e ambiental quase zero.
Mais uma vez se torna necessário que a população de Brasília se posicione e mostre que a cidade tem quem a defenda de interesses outros que não seja o público.
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