Terça, 12 de fevereiro de 2013
-No sentido de que nos é dito: "O Estado pode fazer com os
orçamentos o que lhe der na gana, mas primeiro está o pagamento
dos juros da dívida". É uma política destinada a
desmantelar a área do Estado de bem-estar social e manter, ao mesmo
tempo, os pagamentos de juros e da dívida. No Orçamento Geral do
Estado deste ano destina-se mais orçamento para pagar os juros sobre a
dívida do que para o pagamento de funcionários públicos.
Não se impõem políticas de austeridade para dizer:
"Vamos estabelecer um limite para a dívida, porque entendemos que
isso supõe uma transferência de dinheiro dos cidadãos para
o sector financeiro". A austeridade é sempre imposta sobre
determinados itens e não sobre outros.
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A derrocada da Espanha também se pode dar dentro da zona euro, afirma investigador espanhol
por Alberto Montero Soler
[*]
entrevistado por Natalia Aruguete
entrevistado por Natalia Aruguete
- Por que chama a Espanha de país "falido"?
Porque o volume dos seus passivos, das suas dívidas, é maior do que o dos seus activos. Se fosse uma empresa, a Espanha estaria falida. O volume da dívida que contraíram os particulares, as empresas, as famílias e o sistema financeiro, somada à que agora está contraindo o sector público, num contexto marcado por problemas de défice fiscal, torna absolutamente impossível pagar a dívida.
- Que decisões o governo deveria tomar?
-Reestruturar a dívida, não só alargando os prazos, mudando as taxas de juro e estabelecendo um período de carencia, mas também fazendo uma quitação . Grande parte dessa dívida deve ser assumida pelos credores, que emprestaram dinheiro e não avaliaram correctamente a parte do risco em que estavam a incorrer ao emprestar globalmente tal valor. Embora cada credor, individualmente, tenha tido uma postura cuidadosa, o resultado geral é uma dívida impossível de cumprir.
- Acha que há vontade política para implementar essa iniciativa?
-Não, nenhuma. Isto é a América Latina dos anos 80 e início dos 90. Trata-se de os credores espremerem os devedores até mais não poder. E depois será o que já se sabe.
- O que é que já se sabe?
- Que não vamos poder pagar a dívida. Então, para quê tanto ajuste, tanto sacrifício, se vai chegar um momento em que esta solução terá de se colocar? Por quê tanta dor nas pessoas, na sociedade, quando a solução final é uma só? Não se pode pagar a dívida.
Porque o volume dos seus passivos, das suas dívidas, é maior do que o dos seus activos. Se fosse uma empresa, a Espanha estaria falida. O volume da dívida que contraíram os particulares, as empresas, as famílias e o sistema financeiro, somada à que agora está contraindo o sector público, num contexto marcado por problemas de défice fiscal, torna absolutamente impossível pagar a dívida.
- Que decisões o governo deveria tomar?
-Reestruturar a dívida, não só alargando os prazos, mudando as taxas de juro e estabelecendo um período de carencia, mas também fazendo uma quitação . Grande parte dessa dívida deve ser assumida pelos credores, que emprestaram dinheiro e não avaliaram correctamente a parte do risco em que estavam a incorrer ao emprestar globalmente tal valor. Embora cada credor, individualmente, tenha tido uma postura cuidadosa, o resultado geral é uma dívida impossível de cumprir.
- Acha que há vontade política para implementar essa iniciativa?
-Não, nenhuma. Isto é a América Latina dos anos 80 e início dos 90. Trata-se de os credores espremerem os devedores até mais não poder. E depois será o que já se sabe.
- O que é que já se sabe?
- Que não vamos poder pagar a dívida. Então, para quê tanto ajuste, tanto sacrifício, se vai chegar um momento em que esta solução terá de se colocar? Por quê tanta dor nas pessoas, na sociedade, quando a solução final é uma só? Não se pode pagar a dívida.
-Alguns países têm solicitado uma reestruturação da sua dívida, embora com diferenças. A Argentina é um caso, a Grécia é outro. Que análise faz dessas decisões?
-Nenhuma crise financeira desta natureza se resolveu – quando há um tamanho endividamento – sem um processo de reestruturação da dívida. A primeira coisa que deve ficar clara é existirem precedentes a mostrar que a solução passa sempre por essa via. Os credores perdem uma parte, os devedores perdem outra, estabelecendo-se um compromisso de pagamento que seja viável para uma parte e não prejudique a outra. Quanto mais cedo se der a reestruturação entre credores e devedores, menos sofrem os povos. Quando já não se puder retirar mais água das pedras, a reestruturação começa a aparecer na agenda política.
- Num cenário marcado por esta falta de vontade política para pressionar uma reestruturação da dívida, como avalia a posição da esquerda espanhola acerca desta decisão?
-O governo está comprometido com um discurso absolutamente ortodoxo: devemos "honrar" as dívidas. Essa palavra tem uma carga simbólica importante. Acho que a esquerda não aceitou completamente que o projecto da Eurozona e do euro não é um projecto que a esquerda possa defender, neste momento, sob nenhuma perspectiva. Durante todo o processo de Maastricht e a criação da Eurozona, a ofensiva da esquerda era: "Esta vai ser a Europa do capital ". E hoje, esta é a Europa do capital. Agora, descobrimos que temos uma Europa totalmente controlada pelo capital, que se tornou uma área de rentabilização dos capitais periféricos e centrais, mais centrais do que periféricos. A esquerda vai transitando entre a incredulidade de não ter qualquer tipo de discurso face a isto – não consegue entendê-lo nem admiti-lo – e ter, em alguns casos, uma resposta social-democrata keynesiana.
- Qual é essa resposta, concretamente?
-A esquerda diz: "Podemos ficar dentro (da zona euro), mas articulando políticas fiscais diferentes, sobre os quais tenhamos soberania". Isto é absolutamente impossível a partir do momento que se tem regras cada vez mais fechadas e menos espaço para poder fazer política a nível de toda a Europa. Menos margem de discricionariedade para os governos nacionais.
- Acha que os governos deveriam ter mais discricionariedade?
- Claro, absolutamente. Se não, para que elejo um governo? Se tenho regras que me dizem como distribuir o orçamento, então eu não posso fazer política a partir do orçamento. Uma segunda questão é que acredito que têm muito medo disso.
- Por quê?
- Colocou-se abertamente, em alguns encontros, a ruptura com o euro. Temem que isso possa causar um colapso na economia, que de facto pode ocorrer, ou uma queda no padrão de vida dos cidadãos, que realmente irá ocorrer. Mas nada garante que dentro do euro isso não vá continuar a acontecer. O caso grego é claro. Nos últimos anos, a Grécia perdeu 25 por cento do seu produto interno bruto (PIB). É um ajuste brutal na economia em apenas três ou quatro anos. A Espanha está a perder cerca de 4 a 5 por cento do PIB.
-Dada a inviabilidade de continuar no euro, como sugere, que benefícios a saída do euro pode trazer para a Espanha, em termos por exemplo de soberania política e económica?
- Todos. Sair do euro não significa sair da UE, que é um dos primeiros erros que se colocam. Na verdade, de forma inteligente, nem a Suécia, nem a Dinamarca ou o Reino Unido entraram no euro. E se virmos a evolução de suas variáveis, todas as variáveis macroeconómicas relevantes para os principais mecanismos internacionais (inflação, desemprego, défice público, dívida pública), todas, em média, ao longo dos dez anos do euro, estão em melhor situação do que aqueles dentro da zona euro. Isso com dados da própria Comissão Europeia. Em segundo lugar, temos um discurso muito pouco motivador.
- Por quê?
Porque não podemos dizer às pessoas: "Olhe, para que tudo melhore da noite para o dia, os seus padrões de vida devem cair. "As pessoas encontram-se nesta situação, aquilo que Naomi Klein chama de "estado de choque". A cada sexta-feira em que temos uma comunicação dos ministros é para informar um corte nos direitos sociais, liberdades e níveis de vida. Mas, como se vai assumindo a conta-gotas, não nos apercebemos que é uma redução muito importante de nossas condições de vida.
- Que efeitos positivos teria sair do euro?
-Em princípio, recuperar a soberania e a moeda. Isso é fundamental, porque permite não estar tão dependente dos Estados na hora do financiamento e não serem eles quem define a política, a não ser que haja um estímulo do Banco Central que diga: "Muito bem, se não me compra a dívida do Tesouro, vai comprar-ma o Banco Central e então veremos o que fazer." Há possibilidades de recuperar a economia. A economia espanhola tem sido desmantelada nos últimos 10 anos em sectores fundamentais: em primeiro lugar, na construção vimos o resultado de uma bolha imobiliária que provocou uma queda enorme no PIB e um aumento muito significativo do desemprego. Por outro lado, o sector dos serviços. Dentro da zona do euro previa-se desde início que o que iria acontecer era uma especialização internacional do trabalho.
- Uma decantação entre os países poderosos, com estruturas económicas sólidas, e países fracos, cuja debilidade foi aumentando dentro da União Europeia.
-Por muito que integrássemos e compartilhássemos uma moeda comum, as nossas empresas nunca seriam tão competitivas como as alemãs. Á Espanha, restava especializar-se no que era competitiva: no turismo, na cerveja fresca, nas praias e poucas coisas mais. Na verdade, muito da bolha imobiliária explica-se pelas expectativas dos construtores e do governo espanhol em relação ao turismo e principalmente ao turismo residencial.
- Quer dizer ...
- Quer dizer que os do Norte não são estrangeiros, apenas vêm viver os seus últimos anos no Sul, gastar as suas reformas e viver num lugar com mais sol. Isso está ligado aos imigrantes e mão de obra e à loucura especulativa de comprar hoje para vender amanhã, muito mais caro ... O que é preciso para recuperar a economia é voltar a diversificar a estrutura de produção. Obviamente, todos os produtos estrangeiros se vão tornar muito mais caros, mas também se terão que produzir cá dentro coisas que já não se poderão comprar lá fora, senão irá gerar-se uma procura interna de produtos de dentro, que os vai tornar mais competitivos no preço, mas não em termos de qualidade. Nem todos teremos carros Mercedes-Benz, mas vamos ter que nos acostumar a ter um carro mais modesto e nacional. Isso permite que se faça uma economia ... A partir da perspectiva da esquerda isso é positivo para a recuperação de soberania económica e da economia auto-centrada. Sair dessa lógica louca da globalização, onde todos os bens vêm de muito longe enquanto, ao mesmo tempo, são desmanteladas as empresas locais que produzem o mesmo, mas um pouco mais caro.
-Se a moeda comum não beneficia os países periféricos, em que beneficia os países centrais?
-A Alemanha beneficiou porque teve uma taxa de juros depreciada em relação à que tinha com o marco. A taxa de câmbio é marcada pela dinâmica económica na Eurozona e não só pela procura externa por produtos alemães, por isso a taxa de câmbio do euro nos últimos 10 anos tem sido menor do que a que deveria ter tido o marco se a Alemanha tivesse adoptado uma moeda própria. Isso tem como resultado que a procura externa é muito grande o que revaloriza a sua moeda. De modo que, a principio, a Alemanha beneficiou de uma taxa de câmbio depreciada em relação à taxa de câmbio de equilíbrio da sua economia. Depois, permitiu-lhe a abertura de um enorme mercado, graças ao qual desapareceu um dos principais riscos: o risco cambial.
- Por quê?
- Porque os países não podem desvalorizar a sua moeda para fazer frente à competitividade alemã. Então, ao apoiar o processo de construção europeia, a Alemanha garantia um mercado em que os seus concorrentes iam estar em condições desiguais pela menor competitividade das suas indústrias. Mas, principalmente, porque não contariam com o estímulo necessário para reequilibrar as condições comerciais, já que tinham perdido o mecanismo da taxa de câmbio. Isso favoreceu a Alemanha, que substituiu a procura interna - que tem sido tradicionalmente fraca - pela procura externa, com as exportações muito mais potentes contra as quais não havia possibilidade de competição, nem pela via da competitividade, nem pela das taxas de câmbio. E, ao mesmo tempo, gerava um superávite comercial que "lavava", financiando a compra de seus produtos aos países periféricos. Quer dizer que isso não só era uma vantagem para o sector industrial alemão, como também para o sector financeiro alemão, uma vez que não ia poder canalizar a quantidade de recursos que estavam tendo pela via do excedente comercial, e o "lavavam" no exterior.
-Hoje, com países "falidos" como a Espanha e a Grécia, é ainda útil para a Alemanha a permanência desses países na zona euro?
-Enquanto eles honrarem as suas dívidas, obviamente que sim. Entre outras coisas, porque a situação do seu sistema financeiro, seja das caixas seja dos bancos, é muito delicada. Por exemplo, se um grande banco espanhol decidir que os títulos hipotecários que vendeu aos bancos alemães sob soberania espanhola valem zero, todo o sistema financeiro alemão estará falido. À Alemanha interessa que se faça a "lavagem" dentro do sistema bancário espanhol para evitar que ele atinja o seu sistema, que já tem o vírus, mas não ainda o suficiente para a doença se desenvolver.
- Quais são as consequências de o ajuste que está sendo realizado em países periféricos da União Europeia, representar uma tão alta percentagem do PIB?
- Os programas de ajuste duros, leves e moderados, que se estão implementando nos países periféricos, mais a Bélgica, Holanda e França afectam mais de 60 por cento da economia europeia. Isto significa que temos dois terços da economia europeia com políticas pró recessivas, que não estimulam o crescimento. É apenas um terço da economia europeia tentando puxar todo o comboio europeu. Em economias como a espanhola, o défice da conta corrente não se está resolvendo por estarmos exportando mais - apesar de ser um pouco mais - mas porque a actividade económica interna está praticamente em estado de encefalograma ... com as importações a cair brutalmente. O que se estava importando da Alemanha, da Holanda ou de outros lugares já não se importa mais porque não há nenhuma actividade produtiva. Isso faz com que os dois terços da zona euro aprofundem a crise, arrastando necessariamente todas as economias, porque estão todas conectadas num mesmo projecto, mas sem os instrumentos que permitiriam compensar os desequilíbrios de cada uma.
- Acha que a insistência em políticas "pró recessivas" parte de uma convicção dos governantes ou, na verdade, existem outros interesses a nível da UE que impedem de, mais ou menos explicitamente, modificar o sentido dessas políticas?
-Não acredito que a austeridade tenha razões políticas. Parecer-me-ia grave pensar que as políticas do Norte são para punir o nosso "amor excessivo pela festa" (o feriado), face à sua ética protestante e calvinista do trabalho, de algum modo em declínio. Acho que a austeridade se impõe como um mecanismo para cumprir dois objectivos encobertos. O primeiro é que ao aplicar programas de austeridade irá progressivamente impor a privatização do sector público; há capitais privados que encontram na privatização destes serviços públicos um nicho rentável num ambiente onde as taxas do capital na Europa são caindo significativamente. No desmantelamento do Estado de bem-estar social – reformas, educação e pensões – encontram uma fonte de rentabilidade. E isso leva a que os planos de austeridade se chamem de "privatização". Porque o que se privatiza são as áreas rentáveis, ninguém iria comprar uma empresa pública falida. Essa fica e logo se vê o que se faz com os trabalhadores.
- Por que é que em Espanha decidiram finalmente não privatizar o serviço de água?
-Não é que (essa decisão) tenha sido uma vitória da mobilização popular, apenas não encontraram ninguém que a achasse rentável. Só se privatiza a educação, saúde, prevenção e aeroportos. O segundo objectivo encoberto é o de que as políticas de austeridade estão destinadas a ... por exemplo, a reforma do artigo 135 da Constituição é um exemplo claro.
- Em que sentido?
-No sentido de que nos é dito: "O Estado pode fazer com os orçamentos o que lhe der na gana, mas primeiro está o pagamento dos juros da dívida". É uma política destinada a desmantelar a área do Estado de bem-estar social e manter, ao mesmo tempo, os pagamentos de juros e da dívida. No Orçamento Geral do Estado deste ano destina-se mais orçamento para pagar os juros sobre a dívida do que para o pagamento de funcionários públicos. Não se impõem políticas de austeridade para dizer: "Vamos estabelecer um limite para a dívida, porque entendemos que isso supõe uma transferência de dinheiro dos cidadãos para o sector financeiro". A austeridade é sempre imposta sobre determinados itens e não sobre outros.
- Como por exemplo?
-Por exemplo, há uma ofensiva contra as pensões, argumentando que "a sociedade espanhola está envelhecendo e, portanto, temos que reformar o sistema de pensões que é insustentável." E nós pensamos: como o financiamento das pensões depende das contribuições para a segurança social dos trabalhadores por um lado, e dos gastos dos pensionistas, por outro, se há desemprego elevado e os descontos baixam, mantendo a tendência de reformas, é evidente que temos que corrigir isso, porque há um desequilíbrio fiscal. Parece razoável. Mas quando se olha para outras rubricas orçamentais, tais como os militares, não há cálculo de custo e beneficio, porque se defende que se deve ter um exército e temos que o pagar entre todos, custe o que custar. É uma lógica perversa que se aplica em função do resultado que queremos obter, porque a lógica de austeridade também poderia aplicar-se á dívida pública.
[*] Docente e investigador em Economia Aplicada da Universidade de Málaga.
O original encontra-se em http://www.pagina12.com.ar/diario/dialogos/21-212737-2013-01-28.html . Tradução de Guilherme Coelho .
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .