Quarta, 3 de julho de 2013
Por Ivan de Carvalho

O jornal El País esclarece que reivindicações que buscam aumentar o grau de
justiça em uma sociedade não entram em conflito com o Evangelho. Desde que
sejam expressas (isso o jornal não diz, mas está na essência do Evangelho) de
modo pacífico – o que vem ocorrendo no Brasil. Pequenos grupos de vândalos que
eventualmente agem à margem das manifestações ou ladrões que aproveitam os
protestos para saquearem casas comerciais não invalidam o caráter pacífico do
movimento nem justificam notórios excessos das forças policiais, que deviam
pegar os ladrões antes.
É evidente que a inclusão de uma
aprovação do papa Francisco às manifestações, mesmo cuidadosa, será um reforço
importante ao impressionante movimento popular e de opinião pública deflagrado em
curso, que tem deixado em um clima de barata voa os governantes e políticos em
geral, com especialíssimo destaque para o governo federal e a presidência da
República, além do PT, partido que controla o governo acompanhado de aliados
agora desorientados e ariscos.
Só não mais ariscos que o
ex-presidente Lula. Após fazer saber por baixo dos panos sua avaliação de que a
presidente-poste que elegeu fez “uma barbeiragem” ao propor a convocação de uma
Assembléia Nacional Constituinte exclusiva e restrita à aprovação de uma
reforma política – proposta originalmente feita por Lula –, o ex-presidente
escafedeu-se para a África, enfurnando-se em Adis Abeba, na Etiópia, com seus
dez pontos perdidos na pesquisa Datafolha.
Enquanto a tempestade derrubava o
poste aqui, ele abrigou-se lá, mas não fugiu a magnânima esperteza. Questionado
se poderá ser candidato a presidente em 2014, Lula rebateu: “A Dilma é a mais
importante candidata que nós temos, a melhor. Não tem ninguém igual a ela para
ser candidata à Presidência. Portanto, ela será minha candidata”.
Consta que os etíopes acreditaram.
O Tribunal Superior Eleitoral, em
sua penúltima reunião, tendo recebido uma “consulta formal” da presidente da
República, Dilma Rousseff, decidiu, atendendo ao pedido dela, calcular quanto
tempo precisaria para organizar e realizar um plebiscito sobre a “reforma
política”.
A coisa começou errada, estrilou o
ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, que integrava o TSE naquela
reunião. Substituía o ministro Marco Aurélio Mello, também do STF e membro
titular do TSE. Gilmar Mendes assinalou que a presidente Dilma não tinha
legitimidade nenhuma para fazer consulta sobre o assunto, pois não tem papel
legal na convocação de plebiscito, de iniciativa exclusiva do Congresso. Dilma
fez sugestões ao Congresso, mas, para o Judiciário, consultas sobre sugestão não
valem. O tribunal só deveria conhecer o assunto se provocado pelo Congresso.
Mesmo assim, o corpo técnico do
TSE já estava estudando o assunto, desde um telefonema que a presidente Dilma
deu à presidente do tribunal, ministra Cármen Lúcia. Daí ter sido extremamente
escasso o tempo gasto entre a “formalização” da consulta de Dilma e a resposta
do TSE de que precisa de 70 dias – a partir do momento em que o Congresso
definir as perguntas – para organizar o plebiscito. Isso empurraria o
plebiscito para setembro e, depois do conhecimento de seus resultados, o
Congresso teria menos de um mês para discutir e formatar as decisões
plebiscitárias. Pouco tempo para aprovar e publicar tudo até um ano antes das
eleições de 5 de outubro de 2014. Sem a antecedência de um ano, cláusula pétrea
da Constituição (conforme decisão já tomada em outro caso pelo STF) impedirá
que as mudanças da “reforma política” vigorem já em 2014 – contra o que também
há, principalmente na Câmara (e inclusive no PMDB), forte resistência.
Este artigo foi publicado
originariamente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista
baiano.