Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 3 de julho de 2013

A simpatia de Francisco

Quarta, 3 de julho de 2013
Por Ivan de Carvalho

Na visão do papa Francisco, as manifestações populares que vêm se realizando no Brasil nas últimas semanas não contrariam o Evangelho. Isto é o que informa o principal jornal da Espanha, El País, acrescentando que em seu discurso na Jornada Mundial da Juventude, que ocorrerá no Rio de Janeiro de 23 a 28, Francisco vai incluir uma mensagem sobre o assunto.

O jornal El País esclarece que reivindicações que buscam aumentar o grau de justiça em uma sociedade não entram em conflito com o Evangelho. Desde que sejam expressas (isso o jornal não diz, mas está na essência do Evangelho) de modo pacífico – o que vem ocorrendo no Brasil. Pequenos grupos de vândalos que eventualmente agem à margem das manifestações ou ladrões que aproveitam os protestos para saquearem casas comerciais não invalidam o caráter pacífico do movimento nem justificam notórios excessos das forças policiais, que deviam pegar os ladrões antes.

É evidente que a inclusão de uma aprovação do papa Francisco às manifestações, mesmo cuidadosa, será um reforço importante ao impressionante movimento popular e de opinião pública deflagrado em curso, que tem deixado em um clima de barata voa os governantes e políticos em geral, com especialíssimo destaque para o governo federal e a presidência da República, além do PT, partido que controla o governo acompanhado de aliados agora desorientados e ariscos.

Só não mais ariscos que o ex-presidente Lula. Após fazer saber por baixo dos panos sua avaliação de que a presidente-poste que elegeu fez “uma barbeiragem” ao propor a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte exclusiva e restrita à aprovação de uma reforma política – proposta originalmente feita por Lula –, o ex-presidente escafedeu-se para a África, enfurnando-se em Adis Abeba, na Etiópia, com seus dez pontos perdidos na pesquisa Datafolha.

Enquanto a tempestade derrubava o poste aqui, ele abrigou-se lá, mas não fugiu a magnânima esperteza. Questionado se poderá ser candidato a presidente em 2014, Lula rebateu: “A Dilma é a mais importante candidata que nós temos, a melhor. Não tem ninguém igual a ela para ser candidata à Presidência. Portanto, ela será minha candidata”.

Consta que os etíopes acreditaram.

O Tribunal Superior Eleitoral, em sua penúltima reunião, tendo recebido uma “consulta formal” da presidente da República, Dilma Rousseff, decidiu, atendendo ao pedido dela, calcular quanto tempo precisaria para organizar e realizar um plebiscito sobre a “reforma política”.

A coisa começou errada, estrilou o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, que integrava o TSE naquela reunião. Substituía o ministro Marco Aurélio Mello, também do STF e membro titular do TSE. Gilmar Mendes assinalou que a presidente Dilma não tinha legitimidade nenhuma para fazer consulta sobre o assunto, pois não tem papel legal na convocação de plebiscito, de iniciativa exclusiva do Congresso. Dilma fez sugestões ao Congresso, mas, para o Judiciário, consultas sobre sugestão não valem. O tribunal só deveria conhecer o assunto se provocado pelo Congresso.

Mesmo assim, o corpo técnico do TSE já estava estudando o assunto, desde um telefonema que a presidente Dilma deu à presidente do tribunal, ministra Cármen Lúcia. Daí ter sido extremamente escasso o tempo gasto entre a “formalização” da consulta de Dilma e a resposta do TSE de que precisa de 70 dias – a partir do momento em que o Congresso definir as perguntas – para organizar o plebiscito. Isso empurraria o plebiscito para setembro e, depois do conhecimento de seus resultados, o Congresso teria menos de um mês para discutir e formatar as decisões plebiscitárias. Pouco tempo para aprovar e publicar tudo até um ano antes das eleições de 5 de outubro de 2014. Sem a antecedência de um ano, cláusula pétrea da Constituição (conforme decisão já tomada em outro caso pelo STF) impedirá que as mudanças da “reforma política” vigorem já em 2014 – contra o que também há, principalmente na Câmara (e inclusive no PMDB), forte resistência.

Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.