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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Dilma e os médicos

Quarta, 17 de julho de 2013
Por Ivan de Carvalho
A presidente Dilma Rousseff, com seus vetos – alguns deles bastante sensatos – à lei do Ato Médico e com propostas como a de importação de dez mil médicos estrangeiros e a da obrigatoriedade dos estudantes que estejam para ser graduados em medicina trabalharem dois anos no SUS (Sistema Único de Saúde) parece haver irritado seriamente a categoria médica, o que representa um problema político de bom tamanho. A categoria, querendo e empenhando-se para isso, pode fazer um estrago considerável na popularidade da presidente.

         Outras categorias da área de saúde não têm, provavelmente, interesse na questão da importação de médicos ou na obrigatoriedade dos médicos de serem condenados a dois anos de trabalhos forçados, ainda que (mal) remunerados, na atenção básica do Sistema Único de Saúde após os seis anos do curso de medicina.

Mas elas gostaram de alguns dos vetos, pois pela lei parcialmente vetada os médicos estavam buscando trazer para sua exclusiva competência atos que atualmente podem ser exercidos por aquelas outras categorias da área de saúde – cada uma em sua especificidade profissional.

        Cumpre reconhecer que a presidente da República teve um prejuízo político e muito provavelmente eleitoral ao desafiar a categoria médica e suas posições – algumas destas notoriamente corporativas –, mas isso talvez seja neutralizado sem grande dificuldade pela satisfação que seus vetos causaram em várias outras categorias da área de saúde.

Acresce que, se levada adiante a ideia-ameaça de importação de médicos (só seriam importados se os médicos nativos não forem suficientes ou não quiserem ocupar os postos que serão oferecidos, especialmente em pequenos municípios do interior) e se prevalecer a Medida Provisória que obriga a dois anos de trabalhos forçados no SUS (na atenção básica da rede pública) para poderem obter o diploma, isto para os estudantes que ingressarem nas faculdades (públicas ou privadas) a partir de 2015, a irritação da categoria médica será bem maior.

Já é grande. Ontem, 3 mil médicos, segundo cálculo da Polícia Militar, fizeram um protesto de rua em São Paulo. Concentraram-se em frente ao Conselho Regional de Medicina, na Consolação, seguindo pelo viaduto do Chá, avenida Brigadeiro Luís Antônio, até a avenida Paulista, onde às 19 horas bloquearam o trânsito nos dois sentidos da avenida mais importante da cidade. No Rio de Janeiro, o protesto de rua dos médicos foi bem menor, em número de participantes – não foram muito além de cem médicos, no fim da tarde, na Cinelândia.

Apesar do prejuízo por causa da briga com os médicos, a presidente estará, pelo menos por sua ação específica relacionada com os vetos à lei do Ato Médico, ganhando simpatia entre várias outras categorias da área de saúde, das quais não foram retiradas funções que se quis reservar exclusivamente aos médicos e que também mantiveram autonomia funcional ameaçada.

A história eleitoral brasileira mostra que os médicos têm uma influência grande sobre o eleitorado. Prova isso o grande número desses profissionais que se elege para mandatos legislativos municipais, estaduais e federais, elem de prefeitos, isso para não entrarmos numa discussão sobre cargos eletivos de hierarquia mais alta, no Poder Executivo.

Mas as outras categorias da área de saúde também têm, se para isto se voltarem, a capacidade de influir no eleitorado. Desde a psicóloga aos integrantes de uma equipe de saúde da família. A questão é saber se haverá ou não uma ação política dessas categorias favorável à presidente, uma vez que ela, apesar da “bondade” dos vetos, está praticando ou deixando que se pratique sob seu governo algumas maldades, como o aumento dos preços dos produtos e serviços em geral (inflação), a corrupção, o desperdício (vale lembrar as cisternas de polietileno que entortam ou queimam no semiárido brasileiro, quando por preço menor que a metade cisternas pré-moldadas de concreto haviam sido implantadas antes e deram certo), a falta de hospitais, postos de saúde e de equipamentos, materiais e remédios (bem como a ausência de médicos que deviam estar presentes, como comprovado continuamente) e... ah, acabou meu espaço.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.