Sexta, 5 de julho de 2013
Por Ivan de Carvalho

A corte européia de Direitos
Humanos, em 2008, confirmou a extradição solicitada pela Itália. Também foi concedida
a extradição pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro em 2009. Mas o STF deixou
ao então presidente Lula, do PT, dar a última palavra no assunto e ele, baseado
em um parecer da Advocacia Geral da União (que, sem trocadilho, parecia ter
sido feito segundo a encomenda), concedeu refúgio a Battisti, quase transformado
aqui de bandido em herói.
Diferente,
muito diferente mesmo, é o tratamento reservado pelo governo da presidente
Dilma Rousseff, também do PT, a Edward Snowden, o americano que abandonou seu
confortabilíssimo emprego numa empresa contratada pela Agência Nacional de
Segurança (NSA) dos Estados Unidos para espionar as comunicações por internet e
telefone de centenas de milhões, talvez bilhões de pessoas dentro e fora do
território norte-americano. Ele deixou o emprego e saiu do país para denunciar,
com provas fartas, muitas das quais já entregou ao jornal americano Washington Post, ao britânico The Guardian e ao site Wiki Leaks, que o está apoiando.
Vale aqui uma
observação, pois ele tem sido tratado inadequadamente pela mídia como “delator”
e como um dos “mais importantes delatores” da história da espionagem, quando,
em verdade, não é “delator”, mas um denunciante. E um denunciante que colocou
espontaneamente sua liberdade e sua vida em risco para tornar público – com a
credibilidade que a denúncia ganha por seu autor haver assumido publicamente
sua identidade e mostrado a cara para o mundo – um crime continuado que atinge
cidadãos de numerosos países e regiões.
A vigilância exercida trucida a
privacidade não somente das pessoas que residem ou transitam pelos Estados
Unidos. Atingem a União Européia (que está timidamente pedindo explicações e
devido às circunstâncias se contentará com poucas) e pessoas de muitas dezenas
de outros países. O Brasil, com toda a certeza, entre eles.
Pois o governo da presidente Dilma
Rousseff (e não será pela aflição com as manifestações populares) parece – no
que diz respeito ao caso de Snowden e de sua aterrorizante denúncia – funcionar
em outro mundo. Talvez no da Lua, mas, se lá, na face oculta. Nem explicações
“pro forma” pediu ao governo americano, muito menos explicações para valer.
E o pior. Edward Snowden pediu
asilo político a 21 países, segundo, segundo informa o site Wiki Leaks. Alguns
já negaram, outros não, por só poderem analisar quando recebessem o pedido ou
estando Snowden em seu território. O denunciante, que está na área de trânsito
do aeroporto de Moscou, entregou pedidos de asilo dirigidos a 21 países a um
funcionário do aeroporto, para que fossem distribuídos às embaixadas desses
países. Ontem, França e Itália negaram os pedidos.
O Brasil não se pronunciou. Está
mudo sobre o assunto há dias, desde que surgiu. Seja sobre a denúncia, seja
sobre o asilo para o denunciante. O Itamaraty parece muito mais interessado em
repor os vidros quebrados de seu prédio-sede, em Brasília. A fachada do prédio
estará novamente muito bonita, uma vez recomposta. Descomposta fica uma
política externa que faz a estudada trapalhada de dar refúgio a um bandido que
acaba de ser condenado mais uma vez, agora no Brasil, por ter entrado no país
mediante um passaporte fraudado, enquanto vira as costas a um herói que tenta
defender – à custa de seu conforto e pondo em risco sua liberdade e sua vida –,
a privacidade e, se projetarmos no futuro, inspirados em “1984”, de George
Orwell, a liberdade de todos e a vida de muitos, em escala internacional.
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Este artigo foi publicado
originariamente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista
baiano.