Terça, 12 de novembro de 2013
Jornal do Brasil
Não é por falta de
escândalos que os órgãos responsáveis por investigações e punição no
Brasil deixam de atuar. Irregularidades, denúncias, saque aos cofres
públicos, negociatas entre governo e empreiteiras... Os exemplos são
muitos e não param surgir, alimentados pela impunidade que reina no
país.
Enquanto as falcatruas se sucedem, as autoridades parecem
mais preocupadas em atacar outras frentes, reprimir outro tipo de ação,
ação que se revolta exatamente contra os maus governantes que priorizam
seus interesses.
Enquanto o desmando impera nas grandes esferas do
poder e vandaliza o patrimônio público em proporções incalculáveis, a
Polícia Federal concentra suas forças na investigação contra os black
blocs, seus paus e pedras.
No Congresso, os supersalários, mesmo
ilegais, parecem intocáveis. Parlamentares chegam a receber mais R$ 60
mil brutos, somando remunerações e aposentadorias, enquanto o teto
constitucional é de R$ 28 mil. O que diz a Constituição e as leis pouco
importa para os que embolsam além do permitido.
Em
São Paulo, o escândalo dos fiscais que teriam fraudado Impostos sobre
Serviços e até o IPTU pode chegar a casa dos R$ 500 milhões. Escutas,
ameaças e muito dinheiro circulam na esfera do município, enquanto o ex e
o atual prefeitos trocam acusações.
"Havia degradação na prefeitura de São Paulo", afirma Fernando Haddad.
"Descalabro é primeiro ano do atual governo", rebate Gilberto Kassab.
No
Rio de Janeiro, superfaturamento e denúncias envolvendo empreiteiras e o
governo tomaram conta dos noticiários. A Delta e sua coleção de
escândalos causou indignação à sociedade, detonando protestos até em
frente à casa do governador Sérgio Cabral.
A Delta monopolizou as
grandes obras com dinheiro público no Rio, passando pelo PAC e pelo
Maracanã. A empreiteira de Fernando Cavendish protagonizou uma das
maiores ascensões empresariais já vistas no país, até sua relação com o
contraventor Carlinhos Cachoeira vir à tona.
O deputado federal
Paulo Maluf é mais um personagem do mundo político que, apesar das
denúncias e acusações, parece ressurgir das cinzas e se mantém no
cenário, talvez até participando das próximas eleições. O capítulo mais
recente foi sua condenação por superfaturamento em obra do complexo
viário Ayrton Senna, de 1990.
Soma-se a estes casos o de Ângelo
Calmon de Sá - ex-dono do Banco Econômico - que, com mais de 30
processos criminais, muitos ainda sem decisão de sentença, continua em
liberdade, mesmo após ter sido condenado pelo Superior Tribunal de
Justiça (STJ) a 13 anos de reclusão por gestão fraudulenta de
instituição financeira.
E há ainda o caso do Banco Cruzeiro do
Sul. O escândalo mais recente dá conta de que credores pedem R$ 113
milhões ao Morgan Stanley, com notificação judicial, referente à venda
de ações pelos ex-controladores Luís Octavio e Luiz Felippe Índio da
Costa, justamente duas semanas antes da intervenção do Banco Central. Os
dois são acusados de provocar a falência do banco e causar prejuízo de
R$ 3,8 bilhões ao Sistema Financeiro. Ficaram conhecidos também pela
contribuição a campanhas de políticos. O principal beneficiado teria
sido José Serra, que se candidatou à presidência tendo o sobrinho e
primo dos ex-controladores - o ex-deputado Índio da Costa - como vice.
Enquanto
isso, o BNDES abre generosamente seus cofres públicos para empréstimos
de grande vulto. Somente para o empresário Eike Batista - que amarga
prejuízo histórico e de proporções internacionais - as cifras chegam a
R$ 1 bilhão, fora os para empreiteiras que, além de ganhar licitações
para grande obras, ainda contam com a ajuda do dinheiro do governo.
Perto
destes e tantos outros exemplos de depredação do patrimônio público e
vandalismo contra os princípios da ética e da dignidade da sociedade, os
black blocs mais parecem meninos indefesos e inofensivos.
Marcus
Ianoni, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade
Federal Fuminense (UFF), ressalta que a sociedade brasileira ainda
precisa percorrer um longo caminho para que a igualdade de todos perante
a lei se efetive plenamente. A desigualdade no tratamento a cidadãos é
feita pelo Estado, reforça, com respaldo de setores da própria
sociedade.
"As ilegalidades dos 'vândalos' atentam contra o
Estado de Direito assim como as ilegalidades de empresários e políticos.
Não deveria haver dois pesos e duas medidas. Ilegalidade é
ilegalidade. O Estado e a opinião pública não devem fazer vista grossa
ou dar desconto às ilegalidades de uns e ser rigoroso em relação à
ilegalidade de outros. Fazer isso é oferecer tratamento privilegiado a
alguns grupos, o que é um comportamento que reproduz hierarquias sociais
de corte oligárquico. Precisamos acabar com os privilégios
oligárquicos. A República Democrática deve aplicar a lei igualmente para
todos. Um dos principais conteúdos da democracia é a igualdade",
explica.