Terça, 8 de setembro de 2015
TIAGO DE
TOLEDO RODRIGUES —
Promotor de Justiça membro do MPD*
Inquestionavelmente,
os graus de insegurança, violência e impunidade, no Brasil, são elevados.
Também nos parece indiscutível que os episódios de desrespeito aos direitos
humanos fundamentais envolvendo entidades de atendimento de adolescentes,
inadmissíveis em uma sociedade que se ambiciona civilizada, são frequentes.
É igualmente certo
que os mecanismos de prevenção e punição da violência, de preservação da paz, e
de garantia do respeito aos direitos dos menores de dezoito anos, tal como
empregados até o momento, foram incapazes de propiciar condições de harmonia e
segurança que afiancem uma saudável vida coletiva, e um processo socioeducativo
qualificado e competente.
Contanto os
diagnósticos sejam indubitáveis, a redução da maioridade penal ou qualquer
alteração normativa pontual ou assistemática, não solucionará ou amenizará os
graves problemas existentes, e tampouco produzirá os efeitos necessários.
Apenas uma mudança nas diversas leis que abordam, imediata ou mediatamente, o
sistema socioeducativo, com a readequação do regulamento jurídico respectivo,
fornecerá as condições necessárias para alcançar os resultados
im-prescindíveis, com o fortalecimento do princípio da proteção integral.
O advento da Lei nº
8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente, ao estabelecer a doutrina da
proteção integral, operou verdadeira revolução na ordem jurídica nacional,
reconhecendo que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos fundamentais
a serem assegurados com absoluta prioridade.
Parcela deste avanço
consistiu na instituição de um sistema de responsabilização diferenciado para
os adolescentes que incorrem na prática de atos infracionais, sujeitando-os às
medidas socioeducativas e protetivas.
E passados 25 anos da
sua publicação, contanto o Estatuto seja constantemente desrespeitado, é
possível auferir, com a necessária segurança, os efeitos daquilo implementado
pelos órgãos e Instituições envolvidos.
Neste período,
inquestionavelmente houve um recrudescimento da violência, sobretudo nos
grandes centros urbanos onde se constata um crescimento exponencial das
apreensões por atos infracionais, cada vez mais graves. Dados da Subsecretaria
de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente e do IPEA (Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada) registram um aumento de 544,16% , entre os anos de
1996 e 2013, na população de adolescentes em regime de privação de liberdade –
medidas que pressupõe a prática das mais graves infrações.
Foi este o panorama
que fomentou a apresentação de diversos anteprojetos de lei que pretendem
alterar a legislação atual. Em sua grande maioria, as iniciativas, de cunho
majoritariamente repressivo, esperam atingir àqueles que incorrem em atos
graves, e argumentam, para tanto, a necessidade de assegurar uma resposta
socioeducativa adequada à seriedade daquilo praticado, mas não contemplam
outros aspectos do sistema de proteção e defesa dos direitos das crianças e adolescentes,
cuja adaptação é imprescindível para a eficiência do conjunto normativo e
alcance dos resultados necessários.
Sabidamente, muitos
dos atos infracionais são fruto da cooptação feita por imputáveis, que aliciam
menores, induzindo-os, instigando-os e auxiliando-os a infracionar. Não é raro
que estes recrutamentos iniciem adolescentes no ambiente infracional que,
posteriormente, terão extrema dificuldade de exonerar.
Ao mesmo tempo, é
possível constatar que os regramentos estabelecidos no ECA e no SINASE são
freqüentemente desrespeitados ou mal interpretados, o que certamente influencia
o aumento do número de atos praticados.
Infortunadamente, o
cumprimento integral dos dispositivos legais é extraordinário, sobre-tudo nas
entidades de atendimento, caracterizadas por freqüente superlotação, no-tícias
de agressões e tumultos, dentre outras deficiências graves. Não por outro
motivo, os índices nacionais de reincidência são elevados e atingiram 43,3% em
2012.
Também é forçoso
reconhecer que atualmente, em muitos casos, as medidas socioeducativas têm um
curto prazo de duração – fruto da equivocada interpretação da lei, sua má
aplicação ou influência da superlotação – e, nestas circunstâncias, não cumpre
a finalidade a que se destina – reinserir o adolescente no convívio familiar e
comunitário de maneira saudável. Tais distorções não foram totalmente
solucionadas com a edição da Lei nº 12.594/2012, que instituiu o SINASE e
disciplina a execução das respectivas medidas.
A legislação vigente,
a despeito da vanguardia e evolução, pode ser reexaminada, sobretudo naquilo
atinente à proteção da cooptação feita por maiores imputáveis; ao cumprimento
do sistema vigente pelas entidades de atendimento; e à responsabilização de
autores de atos graves. Com isso, pode-se impedir o aliciamento de
adolescentes, assegurar o respeito às regras correntes (com responsabilização
dos dirigentes de entidades), e ampliar as condições de reeducação, por período
suficiente para o planejamento e execução de um trabalho socioeducativo
qualificado e eficaz.
As mudanças
necessárias, e que efetivamente robustecerão a proteção integral, exigem
alterações em diversas normas jurídicas que atingem, direta ou indiretamente, o
sistema socioeducativo e a prática de atos infracionais. Qual-quer providência
pontual, isolada ou assistemática não será capaz de emendar os problemas
existentes.
A simples ampliação
do prazo máximo de internação, contemplada em muitas das propostas, não
solucionará as dificuldades identificadas, tampouco estenderá o tempo que os
adolescentes permanecem em reeducação. Conforme estudo do Ministério Público do
Estado de São Paulo, 87,8% dos adolescentes da Capital permanecem internados
menos de um ano . Sem a adequação de outros dispositivos, não será possível assegurar
a proporcionalidade entre a gravidade do fato e a medida socioeducativa
imposta, que continuará perdurando pouco tempo.
Da mesma maneira, a
mudança isolada do regramento de responsabilização de jovens e adolescentes,
sem o recrudescimento da reprimenda da-queles que os aliciam ou das entidades
de atendimento que descumprem as regras vigentes, não produzirá efeitos
substanciais imprescindíveis.
As circunstâncias
exigem austeros investimentos de três grandes ordens: a. A proteção contra a
cooptação feita por imputáveis e prevenção do aliciamento: a partir do
recrudescimento da reprimenda aplicada àqueles que o fizerem; b. Fomentar o
respeito ao sistema vigente, repetidamente descumprido pelas entidades de
atendimento, com responsabilização dos dirigentes: a partir da ampliação das
obrigações respectivas e do rol de infrações administrativas; c. Implementar a
responsabilização dos autores de atos infracionais graves: para aprimorar as
condições de reeducação dos adolescentes e jovens, com tempo de ressocialização
sufi-ciente para o planejamento e execução de um trabalho socioeducativo
qualificado e eficaz.
Infortunadamente,
nenhum dos projetos de lei atualmente em curso no Congresso Nacional contempla
todas estas alterações.
TIAGO
DE TOLEDO RODRIGUES
Promotor de Justiça Membro do MPD
Fonte: http://mpd.org.br/
Ministério Público
Democrático