Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 19 de setembro de 2015

Censurado, até quando?

Sábado, 19 de setembro de 2015
Da Tribuna da Imprensa
Por Igor Mendes





A 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro proibiu-me de participar de debate que ocorrerá no próximo mês de outubro na Universidade Federal de Pernambuco, com o tema “Situação política atual e os movimentos sociais”. Seria no mínimo inusitado pensar que alguém disposto a fugir requeresse autorização judicial para viajar. Não quero, entretanto, entrar no aspecto jurídico da decisão, que aliás está fundada em motivos que nada têm a ver com o Código de Processo Penal. Leiam vocês mesmos:
“Indefiro o requerimento formulado na petição (...) em virtude do réu IGOR MENDES DA SILVA não ter demonstrado que a palestra que ministrará na UFPE sobre a ‘situação política atual e as perspectivas dos movimentos sociais’ seja efetivamente ‘imprescindível à sua evolução acadêmica e profissional’, (...) urgindo salientar que o referido acusado é ‘estudante do curso de graduação em Geografia’ e que o tema sequer é afeito à área de Geografia". (Grifos meus).
O indeferimento funda-se, como se vê, numa análise “acadêmica” sobre o que é ou não relevante para a minha formação profissional, e com isso me agride duplamente, como militante e como geógrafo.
Eu sou réu no já (tristemente) famoso processo dos 23, que acusa de associação criminosa armada um heterogêneo grupo de ativistas políticos que teve a “audácia” de divulgar e participar de manifestações públicas durante a Copa da FIFA. Após ter revogada minha primeira ordem de prisão preventiva, fui proibido, pelo TJRJ, de frequentar manifestações, e o fato de ter supostamente violado tal medida cautelar ensejou novo decreto prisional contra mim, me levando a sofrer sete meses de encarceramento numa penitenciária de segurança máxima em Bangu. Decisão recentemente derrubada pelo STJ, juntamente com a famigerada restrição, por ser esta notoriamente inconstitucional. Levo toda a minha vida na militância política, movido pela necessidade de fazer algo contra as injustiças que castigam nosso País e nosso Povo, e lá pelos oito ou nove anos de idade já participava do grêmio da minha escola municipal (com muito orgulho!).
Contudo, ainda que eu não tivesse tal trajetória e os percalços pelos quais passei, sou um ser humano, intrinsecamente político portanto, o que já é credencial suficiente para que participe de uma discussão sobre movimentos populares, expondo e também ouvindo novas experiências. O que é sim fundamental para a minha formação em todos os sentidos, inclusive acadêmica. Ademais, o direito de livre-expressão é, ao menos em tese, assegurado a todos os brasileiros pela Constituição em vigor.
Geografia não tem nada a ver com movimentos sociais?!
A Geografia participa do tronco comum das ciências sociais, porque claro, o espaço geográfico nada mais é que o grande palco onde as sociedades humanas travam suas disputas, suas lutas, transformam à natureza e a si próprias num permanente processo de contradições, construções, rupturas e revoluções. Livros como “A geografia da fome”, de Josué de Castro, são mesmo indispensáveis para entendermos o Brasil e sua gente, para não falar na imorredoura obra do professor Milton Santos, perseguido pelo regime militar fascista, para o qual “a Geografia brasileira seria outra se todos os brasileiros fossem verdadeiros cidadãos”. O mestre Ruy Moreira, com quem tive o privilégio de ter aulas no início da minha graduação na UFF, cunhou a já clássica, e combativa frase, “A geografia serve para desvendar as máscaras sociais”.
Dizer que a Geografia nada tem a ver com os movimentos sociais é decretar a sua morte. Ou o retorno aos tempos obscuros em que ela tinha por função mascarar os conflitos sociais, através da descrição aparentemente desinteressada da paisagem –uma paisagem homogênea, sem conflitos, ela própria desinteressada. Essa foi a “Geografia” predominante sob o regime militar, naturalmente. Não por acaso, com o ascenso do movimento democrático-popular em finais dos anos de 1970, foi desalojada, abrindo espaço para a fecunda Geografia crítica brasileira, que é reconhecidamente das melhores escolas do mundo.
A arbitrariedade está sempre fundada na ignorância, é inimiga declarada do conhecimento e da ciência, porque afinal o arbítrio não precisa da discussão e do convencimento –as suas armas são outras. Felizmente não pode uma disciplina sofrer mandados de prisão preventiva...