Segunda,
14 de setembro de 2015
Do IHU
Instituto Humanitas Unisinos
“Essa lógica de cortar o que dá, é uma
loucura e o Ministro Levy fala disso com a maior tranquilidade”, constata o
sociólogo.
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Imagem: www.usp.br
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“Se nosso país não voltar a crescer, não tem como equacionar a
questão social no Brasil, com ou sem política social, não dá”, diz Waldir
Quadros à IHU On-Line. Na entrevista a seguir, concedida por
telefone, ele é categórico ao afirmar que o crescimento da economia é
uma “máxima incontornável” para o desenvolvimento de políticas e programas
sociais no Brasil. Segundo ele, foi o crescimento econômico que assegurou a
manutenção de programas sociais, a exemplo do Programa Bolsa Família,
Fies e Minha Casa Minha Vida, durante o governo Lula. “Foi isso que
aconteceu no governo Lula: o país cresceu e deu para ajustar, melhorou a
situação social, mas se parar de crescer, voltará tudo para trás. Sem proteção,
não tem rede que funcione nessa escala”, insiste.
Waldir Quadros
explica ainda que os programas sociais desenvolvidos no Brasil desde o governo FHC
seguem uma “concepção que vem do Banco Mundial” e que podem funcionar se
houver crescimento econômico no país. “Na fase do crescimento econômico, esse modelo de política socialajudou e funcionou muito bem, possibilitando a distribuição de
renda e tudo mais”. Mas a novidade central em termos de “política pública”,
distribuição de renda e benefícios sociais não foi, pontua, gerada por esses
programas sociais, mas, sim pela valorização do salário mínimo acima da
inflação. “Foi o aumento do salário mínimo que garantiu o maior efeito
redistributivo, porque repercutiu na base do mercado de trabalho e nos
benefícios sociais, porque a previdência paga no mínimo um salário mínimo, a
aposentadoria rural, um salário mínimo etc. A melhor política social é o salário mínimo crescer
acima da inflação e isso, obviamente, está comprometido agora, porque o país
não cresce e o governo não vai tolerar, dentro da lógica dele, aumentos
substanciais de salário mínimo, o que justamente tem um impacto muito grande”.
E acrescenta: “O problema é esse: a orientação do ajuste fiscal conservador.
Ele passará o trator em cima de tudo o que estava funcionando mais ou menos ou
bem”.
O “trágico” em relação aos programas sociais que vinham
sendo desenvolvidos até então, salienta, é que eles são concebidos “para servir
como rede de proteção social e na hora da crise, da recessão e do
ajuste, onde mais se precisa dessa rede, ela é retirada ou encurtada”. E
alfineta: “Deveria ter sido feita uma gestão, nesse aspecto, mais competente”.
Se a orientação do ajuste fiscal continuar na
mesma linha, adverte, “iremos oficialmente para uma crise social de proporções
bastante alarmantes, como há muito tempo não se via no Brasil”. E entre os mais
atingidos estarão “os mais frágeis”, que serão diretamente impactados não só
pela estagnação do salário mínimo, mas pelo encurtamento dos programas sociais,
a exemplo do Fies, “porque eram eles que estavam entrando na
universidade privada. Mas eles serão atingidos também pelo desemprego,
que já está sendo assustador pela redução das oportunidades no mercado de
trabalho”, conclui.
Waldir José de Quadros é graduado em Economia
pela Universidade de São Paulo - USP e mestrado e doutorado em Ciência
Econômica pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, onde atualmente é
professor associado do Instituto de Economia.
Confira a entrevista.
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Foto: unicamp.br
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IHU On-Line - Já é possível avaliar quais programas sociais
e políticas públicas foram mais atingidos pelo ajuste fiscal até o momento?
Waldir Quadros –
O ajuste fiscal está no começo. O que o
Ministro da Economia Joaquim Levy e o governo têm anunciado, é uma
disposição para realizar os cortes. Na verdade, o que é mais preocupante é que
os cortes mais efetivos ainda não foram feitos. Por enquanto, eles têm
cortado o que chamam de má gestão, ou seja, o que está na boca do caixa: estão
atrasando pagamentos, restringindo pagamentos e cortando onde dá. O que eles
querem cortar a partir de agora é aquilo que está em lei, no orçamento. Eles
querem aprovar no Congresso cortes em programas sociais: querem cortar o
orçamento da educação, da saúde, da previdência. Portanto, o mais sério, se
eles conseguirem levar a cabo essas intenções, é o que virá.
No momento eles têm cortado, por exemplo, o Fundo de
Financiamento Estudantil - Fies, que está em uma situação bastante
preocupante, porque estão cortando não só novos financiamentos, mas também os
que já estão em execução. Os alunos têm tido grande dificuldade para acessar o
sistema, ou seja, há todo um expediente para atrasar pagamento. Então, o ajuste
que foi realizado até agora nas áreas sociais está diminuindo e desmoralizando
os programas. O Fies, por exemplo, hoje já está desmoralizado entre os alunos
novos, pois já falam que “não irá adiantar, ninguém está conseguindo
financiamento, está tudo uma bagunça”. Esse era um programa ultra bem cotado,
era importante e hoje está sofrendo com esses atropelos.
Lógica do ajuste fiscal
Qual é a lógica do corte? O problema geral é que a lógica do
ajuste fiscal conservador, que é o que está
sendo feito, é cortar onde tem gastos, e o critério é simplesmente cortar, não importa,
nessa perspectiva, a relevância do programa, ou o impacto social. Em relação ao
Programa Minha Casa Minha Vida, novos contratos serão desacelerados, do
mesmo modo que outros programas, como o Sem Fronteiras, e o Seguro
Desemprego. A área social, em um ajuste conservador, é sempre a grande
candidata a corte. O trágico é que esses são os programas concebidos para
servir como rede de proteção social, e na hora da crise, da recessão e do
ajuste, onde mais se precisa dessa rede, ela é retirada ou encurtada.
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“Por
que no governo do Lula e, parcialmente até agora, no governo Dilma, os
programas sociais funcionaram melhor do que antes? Por causa do crescimento
econômico”
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IHU On-Line - Na semana passada foi
divulgada uma notícia de que o Programa Bolsa Família está congelado há 16
meses.
Waldir Quadros -
O Programa Bolsa Família é outro grande candidato a cortes, porque é um
recurso “livre”, à medida que é só não renovar e não expandir o programa.
Agora, é difícil retirar quem já está no programa. Acho que o próximo passo do
governo será cortar tudo o que é expansão, tudo que é recurso livre, para
depois começar a mexer dentro dos que já estão incluídos; esse seria um passo
mais ousado, e espero que não ocorra. Além disso, obviamente dificilmente o
valor do Programa Bolsa Família será reajustado; ele ficará congelado. Então, nessa linha, eles
levarão até onde podem, depois passarão a cortar mais fundo.
Essa lógica de cortar o que dá, é uma loucura e o Ministro
Levy fala disso com a maior tranquilidade. Vi uma declaração dele na
televisão, falando sem nenhuma preocupação social, dizendo que “depois
voltaremos a crescer”. Como voltaremos a crescer? É só olhar para a Europa. Uma
hora é claro que o país voltará a crescer, não sei quando, mas o problema é
saber quem sobreviverá até lá. É como o darwinismo social: quem sobreviver,
sobreviveu.
IHU On-Line – O senhor chama atenção
para o fato de a rede de proteção social estar ameaçada neste período de crise.
O que isso demonstra em relação ao modo como essa rede de proteção social tem
sido pensada e desenvolvida no Brasil?
Waldir Quadros –
Na verdade, se olharmos para boa parte dos programas, veremos que eles têm uma
concepção que vem do Banco Mundial. Então, esse tipo de política de
atender aos mais vulneráveis, já começou no governo do Fernando Henrique.
Agora, por que no governo do Lula e, parcialmente até agora, no governo
Dilma, os programas sociais funcionaram melhor do que antes? Por causa do
crescimento econômico. Portanto, esses programas têm uma efetividade maior
quando o país está crescendo, porque aí sobra fora do mercado de trabalho um
resíduo, que é grande no Brasil, e aí a rede de proteção social é importante, é
fundamental para pessoas não passarem fome etc. O Programa Bolsa Família,
sob esse ponto de vista, foi exitoso não para tirar as pessoas da miséria, mas
para ficar numa miséria assistida. Isso que é uma rede de proteção social: não
tira as pessoas da miséria, mas assiste.
Do mesmo modo, o Seguro Desemprego serve para proteger a
pessoa quando ela está desempregada. É claro que ele tinha problemas. Como
podia crescer o gasto na hora em que estava expandido o emprego, que foi o que
aconteceu? Essas questões tinham de ter sido vistas antes, agora que o
desemprego está aumentando, não dá. O governo vai querer cortar agora porque
antes estava crescendo de forma desajustada? O Fies também, cresceu de
uma forma descontrolada, mas deviam ter controlado isso antes. Como solução,
vão querer cortar o programa agora? Isso significa que esse ajuste serve apenas
para cortar gastos e não aperfeiçoar os programas. O Seguro Desemprego
deveria ter sido aperfeiçoado, o Fies e as pensões poderiam ter sido
aperfeiçoados.
Essa rede de proteção social é de inspiração do Banco
Mundial. Todos os países da periferia que se ajustaram a ele, fizeram esse
tipo de política social que temos no Brasil. Na fase do crescimento econômico,
esse modelo de política social ajudou e funcionou muito bem, possibilitando a
distribuição de renda e tudo mais. Agora, o principal programa social, que não
são esses do Banco Mundial - e que é onde inovamos -, foi o crescimento do
salário mínimo acima da inflação. Foi o aumento do salário mínimo que garantiu
o maior efeito redistributivo, porque repercutiu na base do mercado de trabalho
e nos benefícios sociais, porque a previdência paga no mínimo um salário mínimo,
a aposentadoria rural, um salário mínimo, etc. A melhor política social é o
salário mínimo crescer acima da inflação e isso, obviamente, está
comprometido agora, porque o país não cresce e o governo não vai tolerar,
dentro da lógica dele, aumentos substanciais de salário mínimo, o que
justamente tem um impacto muito grande. Então, o problema é esse: a orientação
do ajuste fiscal conservador. Ele passará o trator em cima de tudo o que estava
funcionando mais ou menos ou bem.
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“A
expansão do Fies também foi meio à 'galega', poderia ter sido feita com mais
critério”
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IHU On-Line - O senhor classifica o
ajuste fiscal como consequência de um problema de gestão?
Waldir Quadros –
Sim, porque as políticas deveriam ter sido avaliadas na época do
crescimento, visando o aperfeiçoamento, principalmente no caso do Seguro
Desemprego. Era óbvio que tinha problema, pois o gasto com o seguro
desemprego explodiu na fase do crescimento do emprego. Portanto, deveria ter
sido feita uma gestão, nesse aspecto, mais competente. A expansão do Fies também foi meio à “galega”,
poderia ter sido feita com mais critério. Agora, uma coisa é aperfeiçoar
um programa, outra coisa é cortar gastos, que é o que está sendo feito; isso
não aperfeiçoa nada, arrebenta com os programas.
O fundamental é a orientação da política econômica do ajuste
recessivo. Isto que está complicando tudo, porque já em 2013 havia iniciado
uma fase de retrocesso social. Em 2014 esse retrocesso se agravou e em 2015 nós
já estamos em uma fase de crise social, que se agravará, porque ela está
começando, e aí não há programa social que a segure. Nessa fase, o programa
social é impotente para evitar uma situação de crise; a rede de proteção social
funciona quando a economia está bem, agora essa rede não dará conta, o cobertor
será muito menor do que o corpo. E essa é a grande preocupação, porque se nada
for feito, se essa orientação continuar como está sendo anunciada, conforme
essa linha que o Ministro está pretendendo e anunciando, e que pelo jeito a
presidente Dilma também já embarcou, nós iremos oficialmente para uma
crise social de proporções bastante alarmantes, como há muito tempo não se via
no Brasil.
IHU On-Line - Nesse sentido, serão
atingidos não somente os que recebem benefícios de programas sociais, mas
aqueles que foram beneficiados com o aumento do salário mínimo?
Waldir Quadros –
Os que mais serão atingidos, em um primeiro momento, são os que ascenderam há
pouco tempo, eles são os mais frágeis e não são impactados somente pelo salário
mínimo, são impactados pela restrição do Fies, porque eram eles que
estavam entrando na universidade privada. Mas eles serão atingidos também pelo desemprego, que já está sendo assustador pela
redução das oportunidades no mercado de trabalho.
A baixa classe média, aquela que ascendeu nos últimos anos,
já está sendo atingida desde 2013 e a PNAD de outubro deste ano
obviamente já vai mostrar isso. Portanto, esses que ascenderam são os
principais candidatos a voltarem para trás. A reação da sociedade, imagina-se,
será uma coisa precisa, porque a sociedade não aceitará isso a frio, de cabeça
baixa, esperando o buraco.
Se nosso país não voltar a crescer, não tem como
equacionar a questão social no Brasil, com ou sem política social, não dá. Nós
precisamos de crescimento para ajustar a questão social. Foi isso que aconteceu
no governo Lula: o país cresceu e deu para ajustar, melhorou a situação
social, mas se parar de crescer voltará tudo para trás. Sem proteção, não tem
rede que funcione nessa escala.
IHU On-Line - As políticas sociais
dependem necessariamente de um bom desempenho econômico?
Waldir Quadros –
Sem dúvida. No Brasil essa é uma máxima incontornável, ou nós crescemos
ou não sobrevivemos. Não há como.
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“Nós precisamos de crescimento para
ajustar a questão social”
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IHU On-Line – O ajuste poderia ter sido
diferente?
Waldir Quadros –
Claro, Dilma ganhou a eleição para isso. Por que ela pediu votos e
ganhou? Porque era para fazer outra coisa e o problema é
justamente esse, por isso que nós estamos em uma situação de crise política
muito séria. Ela foi eleita para fazer o contrário do que está fazendo. A
maioria da sociedade, os pensadores e todo nosso pessoal da área econômica
sabiam que era possível outro caminho, então por isso ela foi eleita.
Essa é a raiz do problema político, que tem essas consequências econômicas. É
claro que daria para ser feito de outra forma, com muito menor impacto social.
IHU On-Line - Entre as análises feitas
hoje acerca das políticas públicas desenvolvidas nos governos petistas,
avalia-se que elas foram construídas a partir da manutenção do sistema
financeiro no sentido de que teriam favorecido mais o sistema financeiro do que
as pessoas que eram assistidas pelos programas sociais. Como o senhor
interpreta esse tipo de análise?
Waldir Quadros –
Acredito que não. Aí foi uma sensibilidade que o Lula teve. Ele fez
todas as grandes concessões ao setor financeiro, basta dizer que o Ministro era
o Henrique Meirelles. Mas como a economia estava crescendo, houve espaço
para implementar as políticas sociais, expandir o Programa Bolsa Família,
o que foi funcional. Lula fez isso pela sua sensibilidade social, porque
ele é realmente preocupado com as questões sociais. Ele não mexeu com as
questões estruturais, mas o que pôde fazer para expandir essa área social, ele
fez. Então, creio que poderia ter sido diferente também, se ele tivesse somente
o interesse de atender o setor financeiro. Se fosse assim, ele não precisava
ter feito o que foi feito, principalmente em relação ao salário mínimo.
IHU On-Line - Por que com a Dilma essas
questões foram abordadas de forma diferente, já que se imaginava uma
continuidade de governos petistas?
Waldir Quadros –
Porque na fase do Lula a economia crescia, por razões externas, não
tinha nada a ver com a política econômica, na verdade crescia apesar da
política. Mas a Dilma acabou com o crescimento, e nada funciona mais, é
isso. Por que a política social no governo Dilma não funciona mais?
Porque o país parou de crescer.
Por
Patrícia Fachin
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