Terça, 8 de
setembro de 2015
Do Correio da Cidadania
Escrito por Heitor
Scalambrini Costa*
A capacidade instalada no Brasil, levando em conta todos
os tipos de usinas que produzem energia elétrica, é da ordem de 132 gigawatts
(GW). Deste total, menos de 0,0008% é produzida com sistemas solares
fotovoltaicos (transformam diretamente a luz do Sol em energia elétrica). Só
este dado nos faz refletir sobre as causas que levam nosso país a tão baixa
utilização desta fonte energética tão abundante, e com características únicas.
O Brasil é um dos poucos países no mundo que recebe uma
insolação (número de horas de brilho do Sol) superior a 3000 horas por ano. E
na região Nordeste conta com uma incidência média diária anual entre 4,5 a 6
kWh. Por si só estes números colocam o país em destaque no que se refere ao
potencial solar.
Diante desta abundância, então porque persistimos em negar
tão grande potencial? Por dezenas de anos, os gestores do sistema elétrico (praticamente
os mesmos) insistiram na tecla de que a fonte solar é cara, portanto, inviável
economicamente quando comparadas com as tradicionais. Até a “Velhinha de
Taubaté” (personagem do magistral Luis Fernando Veríssimo), conhecida
nacionalmente por ser a última pessoa no Brasil que ainda acreditava no
governo, sabe que o preço e a viabilidade de uma dada fonte energética dependem
muito da implementação de políticas públicas, de incentivos, de crédito com
baixos juros, de redução de impostos. Enfim, de vontade política para fazer
acontecer.
O que precisa ser dito claramente para entender o porquê
da baixa utilização da energia solar fotovoltaica no país é que ela não tem
apoio e estímulo, nem deste governo e nem dos passados. A política energética
na área da geração simplesmente relega esta fonte energética de produção de
energia elétrica. Daí, em pleno século 21, a contribuição da eletricidade solar
na matriz elétrica brasileira ser pífia, praticamente inexistente.
Mesmo com a realização de dois leilões exclusivos para
esta fonte energética, claramente ficou demonstrado que não basta simplesmente
realiza-los. É necessário que o preço final seja competitivo para garantir a
viabilidade das instalações. O primeiro leilão realizado em nível nacional, em
outubro de 2014, resultou na contratação de 890 MW, e o valor final atingiu R$
215,12/MWh. O segundo, realizado em agosto de 2015, terminou com a contratação
de 833,80 MW, a um valor médio de R$ 301,79/MWh. Ainda em 2015, em novembro
próximo será realizado um terceiro leilão específico para a fonte solar.
Por outro lado, a geração descentralizada, aquela gerada
pelos sistemas instalados nos telhados das residências, praticamente não recebe
nenhum apoio e consideração governamental. Apesar do enorme interesse que
desperta, segundo pesquisas de opinião realizadas junto à população.
Mesmo a entrada em vigor em janeiro de 2013 da Norma
Resolutiva 482/2012 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) – que
estabeleceu regras para a micro (até 100 kW) e a mini-geração (entre 100 kW e
1.000 kW), e permitiu que consumidores possam gerar sua própria energia e
trocar o excedente por créditos, dando desconto em futuras contas de luz – não
alavancou o uso desta fonte energética. Os dados estão aí.
Segundo a própria Aneel, a evolução cumulativa do número
destes sistemas implantados foi: de janeiro a março de 2013: 8 sistemas
instalados; de abril a junho: 17 sistemas; de julho a setembro: 43; de outubro
a dezembro: 75; de janeiro a março de 2014: 122; de abril a junho: 189; de
julho a setembro: 292; de outubro a dezembro: 417; de janeiro a março de 2015:
541; e de abril a junho: 725 sistemas estavam instalados (deste total, 681 são
sistemas fotovoltaicos, 4 de biogás, um de biomassa, 11 de solar/eólica, um
hidráulico, 27 eólicos).
Números insignificantes quando comparados, por exemplo,
com a Alemanha, que dispõe de mais de um milhão de sistemas instalados nos
telhados das residências.
Ficam mais que evidentes os obstáculos para o crescimento
e uma maior participação da eletricidade solar na matriz elétrica. O que
depende para se transpor os obstáculos são políticas públicas voltadas ao
incentivo da energia solar. Por exemplo: criação pelos bancos oficiais de
linhas de crédito para financiamento com juros baixos, a redução de impostos
tanto para os equipamentos como para a energia gerada, a possibilidade de ser
utilizado o FGTS para a compra dos equipamentos e mais informação através de
propaganda institucional sobre os benefícios e as vantagens da tecnologia solar.
Mas o que também dificulta enormemente, no que concerne à
geração descentralizada, são as distribuidoras, que administram todo o
processo, desde a análise do projeto inicial de engenharia até a conexão com a
rede elétrica. Cabe às distribuidoras efetuarem a ligação na rede elétrica,
depois de um burocrático e longo processo administrativo realizado pelo
consumidor junto à companhia.
E convenhamos, aquelas empresas que negociam com energia
(compram das geradoras e revendem aos consumidores) não estão nada interessadas
em promover um negócio que, mais cedo ou mais tarde, afetará seus lucros. Isto
porque o grande sonho do consumidor brasileiro é ficar livre, não depender das
distribuidoras com relação à energia que consome. O consumidor deseja é gerar
sua própria energia.
Ai está o “nó” do problema que o governo não quer
enfrentar. O lobby das empresas concessionárias, 100% privadas, dificulta o
processo através de uma burocracia infernal, que nem todos que querem instalar
um sistema solar estão dispostos a enfrentar. Enquanto em dois dias instalam-se
os equipamentos numa residência, tem de se aguardar quatro meses para estar
conectado na rede elétrica.
O diagnóstico dos problemas encontrados é quase unânime.
Só não “enxerga” quem não quer. E não “enxergando”, os obstáculos não serão
suplantados. Assim, o país continuará patinando, mergulhado em um discurso
governamental completamente deslocado da realidade.
Acordem, “ilustres planejadores” da política energética,
pois a sociedade não aceita mais pagar pelos erros cometidos por “vossas
excelências”. Exige-se mais democracia, mais participação, mais transparência
em um setor estratégico, que insiste em não discutir com a sociedade as
decisões que toma.
Leia também:
População pagará pela desastrosa gestãoPT-PMDB no setor elétrico – entrevista com o engenheiro Celio Bermann.
*Heitor Scalambrini Costa é
professor da Universidade Federal de Pernambuco.