Quinta, 14 de janeiro de 2016
SIRO
DARLAN, Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e membro
da Associação Juízes para a Democracia e da LEAP Brasil.
O direito penal tem servido para justificar várias
práticas excludentes. Na América a criminalização de determinados tipos
de drogas foi o instrumento que o Estado utilizou para reprimir
ascendência social de negros e hispânicos. O proibicionismo, ao
contrário do que se preconiza trata-se de uma arma usada para disfarçar o
preconceito e levar pobres e negros ao cadafalso. Apesar dos
tratadistas colocarem o crime de uso e mercancia de drogas no capítulo
da proteção à saúde seu verdadeiro efeito prático é o encarceramento dos
“indesejáveis”.
Se a razão do proibicionismo fosse realmente a proteção à saúde o tratamento dessas praticas antissociais deveria ser submetida aos profissionais da saúde e não à polícia e ao judiciário. Apesar de já trazer desde as Ordenações Filipinas, de 1603, medidas que previam penas de confisco de bens e degredo para África para os que portassem, usassem ou vendessem substâncias tóxicas, foi no Império que surgiu o primeiro decreto dirigido “aos escravos e outras pessoas” que portassem drogas. A identificação dos sujeitos da ação tipificada demonstra com facilidade a intenção ideológica do legislador de direcionar a punição para certo tipo de agente social.
Embora de forma disfarçada, mas nem tanto, o legislador manteve-se fiel
a essa ideologia de exclusão social tanto aqui quanto na América do
Norte sua função social é a de prender pessoas consideradas indesejáveis
na sociedade. E esse resultado encontra-se patente no perfil encontrado
entre os aprisionados do sistema. A utilização da “guerra às drogas”
tornou-se um instrumento de controle social que apesar dos recursos
bélicos investidos só serviu para baratear o produto considerado
ofensivo à saúde, aumentar os números de usuários e vítimas indiretas
das drogas, além de retroalimentar o mundo da corrupção.
Não obstante o Estado tem enganosamente investido numa forma equivocada
de combate às drogas, reprimindo apenas uma parcela de usuários e
comerciantes, uma vez que permanece em pleno funcionamento o cartel que
financia toda essa estrutura capitalista enquanto permanecem as vítimas
sem as informações necessárias para decidirem com liberdade sobre sua
forma de vida. Não se trata de fazer qualquer tipo de apologia ao uso de
produtos que eventualmente, pelo seu uso indevido ou excessivo possam
vir a causar danos à saúde, assim como o sal, ao açúcar, as gorduras e
as várias drogas lícitas.
Porém
o desejável é que sejam tratadas todas as drogas e seus usuários com os
cuidados e o controle necessários para evitar que uma guerra fratricida
continue matando pessoas inocentes dos dois lados.
Fonte: Blog do Siro Darlan