Sábado, 30 de janeiro de 2016
Assim, se conseguir estancar a luta pelo aumento das passagens, o
prefeito Haddad atende um clamor da presidente Dilma e tenta se cacifar
junto a um eleitorado conservador para se tornar competitivo.
=================
http://www.correiocidadania.com.br Escrito por Marcelo Castañeda |
As lutas
trazem consigo as possibilidades de constituir democracia num mundo em
que a guerra e o controle dos pobres garantem o domínio pleno do mercado
em conluio com os aparatos estatais. Por isso, autores como Antonio
Negri enxergam as lutas como um poder constituinte que tensiona os
marcos estabelecidos pelo poder (que está) constituído.
Neste artigo vou traçar um breve panorama das lutas atuais na esfera
pública brasileira, tendo como eixo a atuação do Movimento Passe Livre
(MPL-SP) para delinear algumas perspectivas acerca do poder constituído
que busca estancar as lutas em um ano de eleições municipais em plena
crise econômica e com certa instabilidade política no âmbito nacional.
Sem desconsiderar a mobilização dos estudantes goianos contra a
proposta do governador Marconi Perillo (PSDB) que prevê a atuação das
Organizações Sociais (OSs) nas escolas estaduais e usa da repressão
policial para cessar as críticas; as mobilizações das mulheres contra
Eduardo Cunha; as diferentes iniciativas que buscam reparação contra o
crime socioambiental cometido pela Samarco – Vale/BHP a partir do
rompimento das barragens em Mariana (MG); ou mesmo a luta antimanicomial
que pede a revogação da nomeação de Valencius Wurth como coordenador de
Saúde Mental do Ministério da Saúde, atualmente podemos encarar São
Paulo, estado e cidade, como epicentro das lutas desde o segundo
semestre de 2015.
Com destaque para a mobilização empreendida pelos secundaristas a
partir de novembro de 2015, bem-sucedida ao impedir o projeto de
reorganização escolar proposto pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), e
os protestos contra o aumento das passagens de ônibus organizados pelo
MPL-SP neste mês de janeiro de 2016, duramente reprimidos pelas
autoridades, que por sua vez não inauguram qualquer diálogo em torno das
demandas apresentadas.
O MPL-SP compreende um movimento social autônomo (de qualquer vínculo
partidário) e temático (com uma pauta específica clara: a tarifa zero).
Esse movimento se estrutura desde o início dos anos 2000 e obteve
algumas vitórias importantes, sendo talvez a mais marcante em junho de
2013, quando conseguiu reverter o aumento das passagens de ônibus em
várias cidades depois de três semanas de mobilização permanente e
progressiva, que também teve São Paulo como epicentro.
Em 2015, o aumento foi imposto pelo poder constituído e em 2016
estamos acompanhando as mobilizações em curso neste mês de janeiro, que
têm novamente São Paulo como epicentro. Vale destacar que no Rio de
Janeiro as mobilizações estão fracas, bem como parece o caso de Belo
Horizonte e Vitória, onde existem processos de mobilização em curso
contra o aumento das passagens. Interessa aqui destacar o que está em
curso em São Paulo, que tem o prefeito Fernando Haddad (PT) como um
elemento fundamental em dois eixos.
O primeiro eixo reflete as demandas de uma escala maior: a presidente
Dilma Rousseff (PT) tem de lidar com um conjunto de crises, em especial
política e econômica, e com um sentimento de indignação da população em
relação ao seu governo. Tudo que a presidente não quer neste momento
são mobilizações se alastrando pelo país.
Essa é uma preocupação clara de Dilma. A contar pela proximidade do
carnaval, ela pode se mostrar aliviada no momento, em especial porque o
prefeito de São Paulo, do mesmo partido, não poupou esforços para
estancar o processo de mobilização democraticamente empreendido pelo
MPL-SP, ainda em curso.
Para isso, Haddad juntou forças com Alckmin, que apresentou sua
polícia com toda a capacidade repressora: vários feridos em alguns atos,
uma manifestação que foi reprimida e dispersada na própria
concentração, uma série de arbitrariedades e um tímido aceno para o
diálogo da parte do prefeito, que começa pela imposição de um limite
para a escuta e não parece ter ido em frente. Em suma, repressão
policial e ausência de diálogo para engolir a pauta legítima da redução
da passagem de ônibus.
Um segundo eixo remete à escala local: quero arriscar que existe um
cálculo político de Haddad para reprimir e não dialogar com o MPL-SP em
sua demanda específica. O prefeito em busca de sua reeleição considera
que será tido como “menos pior” pelos que se enxergam como esquerda ou
progressistas, em função de medidas como fechamento da Avenida Paulista
aos domingos, ciclovias ou mesmo pequenos avanços na área de saúde.
Tendo garantidos esses votos, a postura conservadora ao tratar as reivindicações do MPL-SP lhe coloca na disputa pelos demais votos do
eleitorado paulista. Isso pode explicar a ausência de diálogo e a
aliança com Alckmin para reprimir as manifestações.
Assim, se conseguir estancar a luta pelo aumento das passagens, o
prefeito Haddad atende um clamor da presidente Dilma e tenta se cacifar
junto a um eleitorado conservador para se tornar competitivo.
O desafio do MPL-SP é manter o nível de mobilização, que não se dá
somente nos atos, importantes, com uma configuração diversificada de
táticas como atos-relâmpagos, fechamento de terminais e convites para
que as autoridades participem de debates públicos, como nesta quinta.
É dessa capacidade constituinte de manter a mobilização, capaz de
tensionar as decisões “tecnocratas” que favorecem máfias de empresas ou
meros interesses de ganho eleitoral, que a democracia pode ser
constituída em algum momento. A partir dos que estão embaixo e através
das lutas. É o que está em jogo a partir de São Paulo neste início de
ano, muito além dos trinta centavos.
Leia também:
Marcelo Castañeda é sociólogo e pesquisador no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UERJ.
A publicação deste texto é livre, desde que citada a fonte e o endereço eletrônico da página do Correio da Cidadania