Do Blog do
Sombra e Defensoria Pública do DF
Artigo
escrito pelo defensor público Ricardo Pierre
O defensor público do DF, Ricardo
Pierre, fala sobre as audiências feitas logo após o flagrante, em
que o juiz avalia a necessidade de manter o preso atrás das grades durante
o processo judicial
“A atuação de todo o sistema de justiça criminal
brasileiro parte do princípio da presunção de inocência, inscrito no artigo 5o,
LVII, da Constituição Federal de 1988, o qual dispõe que ‘ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’.
Extrai-se dessa fundamental premissa a excepcionalidade da prisão provisória, a
qual somente pode ser decretada por ordem escrita e fundamentada da autoridade
judicial competente, presentes os pressupostos e requisitos processuais, e não
cabível sua substituição por medidas cautelares diversas do aprisionamento.
Em que pesem as disposições referidas, verifica-se na
prática do sistema de justiça criminal brasileiro a cultura do encarceramento
provisório, segundo a qual a prisão é sempre a principal alternativa. Segundo
dados do Departamento Penitenciário Nacional (Levantamento Nacional de
Informações Penitenciárias: INFOPEN, junho de 2014), 41% da população
carcerária brasileira, estimada em 607 mil pessoas, é de presos provisórios.
Chama atenção ainda o fato de que, segundo dados do IPEA, 37% dos réus detidos
provisoriamente não foram condenados à prisão ao final do processo (Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada. A aplicação de penas e medidas alternativas.
Brasília, IPEA, 2014).
Entretanto, a par do crescimento exponencial da população
carcerária brasileira ano a ano, sobretudo dos presos provisórios, nenhuma
melhoria tem se verificado nos indicadores de segurança pública, na diminuição
da violência, ou mesmo na sensação de segurança da população.
Feitas essas considerações, muito se tem discutido acerca
da realização das audiências de custódia, que vêm sendo implantadas em todo
País a partir de determinação do Conselho Nacional de Justiça, com notório
objetivo de fazer cumprir determinação prevista no artigo 7o, “5”, do Pacto de
San José da Costa, segundo o qual “toda pessoa presa deve ser conduzida sem
demora à
presença de um juiz”. A polêmica gira em torno, principalmente, do noticiado aumento do número de solturas de indivíduos presos em flagrante em referidas solenidades processuais.
presença de um juiz”. A polêmica gira em torno, principalmente, do noticiado aumento do número de solturas de indivíduos presos em flagrante em referidas solenidades processuais.
Ocorre que, para além de dar cumprimento a obrigação
prevista em convenção de direitos humanos vigente no país desde 1992, a
realização de audiências custódia vêm trazendo, a bem da verdade, mais
racionalidade e ponderação na aplicação do instituto da prisão provisória,
levando-se em conta o dever de respeito ao princípio da dignidade da pessoa
humana e a excepcionalidade da prisão cautelar. A apresentação imediata do
indivíduo preso em flagrante ao juiz, devidamente assistido por defensor
público ou advogado, dá ao magistrado condições de fazer melhor avaliação sobre
a regularidade da prisão em flagrante, acerca da necessidade da sua manutenção,
decretando-se a prisão preventiva, ou mesmo sobre a conveniência da sua
substituição por medida cautelar diversa, levando-se em conta o crime em
apuração e as condições pessoais do indivíduo apresentado.
As primeiras impressões sobre esse novo instituto
demonstram os inúmeros benefícios trazidos ao funcionamento do sistema de
justiça criminal, à sociedade, e principalmente aos indivíduos mais pobres, em
relação aos quais mais pesadamente se dirige a seletividade da justiça criminal
e a utilização indiscriminada e desnecessária das prisões cautelares.
Isso porque a apresentação do preso em até 24 horas
perante a autoridade judicial, devidamente assistido por defensor público, dá a
ele maior possibilidade de soltura imediata, evitando-se eventual
encarceramento desnecessário e desproporcional. Além disso, dá também às
autoridades presentes naquele momento processual a oportunidade de atestar a
regularidade dos procedimentos policiais, inclusive para afastar eventuais
alegações de abuso.
Reflexo outro não menos importante é o da diminuição da
população carcerária, em especial dos presos provisórios, o que além de
representar melhoria das condições prisionais e economia para os cofres
públicos, evita que indivíduos que não representem perigo algum à sociedade
venham a dividir celas superlotadas com outros presos notadamente perigosos,
tornando-os ainda mais vulneráveis à indústria do crime.
Assim, a despeito de eventual polêmica relacionada à
implementação das audiências de custódia, em virtude no mais das vezes de uma
ou outra decisão equivocada pela soltura ou manutenção de prisão, o que pode
muito bem ser objeto dos recursos cabíveis, certo é que isto não afasta o
inegável avanço trazido pela realização de tal solenidade processual ao sistema
de justiça criminal, repercutindo, como visto, em benefício da própria
sociedade.”
Ricardo Lustosa Pierre
Defensor público do Distrito Federal