Sábado, 9
de janeiro de 2016
Jorge
Béja
“Jura Novit Curia” (O juiz conhece o Direito) e “Narrat
Mihi Facto Dabo Tibi Ius” (Basta me narrar o fato que dou o Direito) não são
princípios absolutos. Se num processo judicial a parte debate
sobre direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, precisa
fazer prova do seu teor ou vigência, conforme determina o artigo 337 do
Código de Processo Civil, então, o que dizer quando está em causa mero
Regimento Interno da Câmara dos Deputados, que é só do conhecimento dos
deputados e olhe lá! Como muito mais razão o Regimento inteiro precisa ser
exposto e comprovado. Daí porque não se chega ao ponto de exigir que os
ministros do Supremo o conhecessem, para que fosse dispensada a prova do seu
teor e vigência. Mormente num processo que começou e acabou em 6 ou 7 dias.
A sessão ia apenas discutir liminares e não o mérito da questão
Na quinta-feira, 10 de dezembro, 2015, por votação
secreta, a chapa 2 para formar a Comissão Especial do Impeachment foi eleita
pelo plenário da Câmara dos Deputados. No mesmo dia, à noite, o ministro Fachin
ordenou a suspensão do resultado da votação e marcou sessão do pleno do STF
para que todos os ministros conhecessem e decidissem,
no dia 16 seguinte, sobre os pedidos de liminares que o PCdoB
formalizou na Medida Cautelar embutida na ação de Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental (ADPF), que o partido deu entrada no STF naquela mesma
tarde.Tudo muito rápido, portanto.
APRECIAR AS LIMINARES…
A finalidade da sessão do dia 16 era, exclusivamente,
apreciar as liminares em Medida Cautelar. Ora, ora, não se podia esperar que os
10 outros ministros (à exceção do esforço hercúleo e dedicação integral
do relator Fachin), em 5 dias (incluindo sábado,12 e domingo, 13) fossem
estudar o Regimento Interno da Câmara, que contém muitos artigos e é enorme.
Aliás, os 10 outros ministros nem conheciam a petição inicial da ação do PCdoB.
Apenas o relator Fachin conhecia, pois a peça estava em seu poder e de mais
ninguém. Nenhum outro ministro conhecia o conteúdo das 74 páginas que
compunham a petição da ação do PCdoB. Como, então, exigir que no dia 16 (dia da
sessão de julgamento) e no dia seguinte (17) quando a sessão terminou, os 10
outros ministros estivessem inteirados do conteúdo e das questões relevantes
abordadas na petição da ação do PCdoB?
É uma exigência impossível de ser atendida, levando em
conta o acúmulo de processos outros que cada ministro tem sob sua
responsabilidade e relatoria. Ainda que não tivessem tantos processos a
despachar e julgar, mesmo assim, convenhamos, seis dias para estudos,
complexos e de alta indagação, é tempo exíguo demais.
SÓ QUATRO PONTOS
Todos os ministros foram para a sessão confiando no
relator — que não decepcionou nem fez feio — e também confiando no
ministro que votou depois, no dia seguinte, o ministro Barroso. Quando
começou a votar, Barroso fez questão de dizer que divergia do relator em apenas
quatro pontos e que seu voto seria rápido e objetivo. E, mostrou os quatro
dedos da mão direita para indicar, sem margem de erro, que eram mesmo quatro as
divergências. Dotado do dom da oratória, com gestual próprio e de bom gosto,
olhar penetrante, de porte esbelto e voz tonitruante de um metálico em si
bemol, e expondo um raciocínio de sonora convicção, o voto de Barroso foi o
vencedor. Mesmo que Barroso não tendo lido, por inteiro, o artigo do
Regimento Interno da Câmara que previa votação secreta também para “as demais
eleições”, que foi o que ficou faltando da leitura que Barroso fez do RI
da Câmara, ao retomar o aparte que havia concedido ao ministro Zavascki, mesmo
assim o voto de Barroso prevaleceu. E os demais ministros acreditaram na
performance retórica de Barroso e a maioria com ele votou.
O ADVOGADO AVISOU…
O comentarista Moacir Pimentel mandou à Tribuna da
Internet o seguinte texto, que esclarece ainda mais a questão:
Notem que em meio ao absurdo voto do Barroso, o
advogado da Câmara se aproximou da Tribuna. Barroso, sabendo o que aconteceria
em seguida, o saudou dizendo:
– Se for uma questão de fato…
Lewandowski apressou-se a amaciar a toga justa para o colega. Disse ele, dirigindo-se ao advogado da Casa do Povo:
– Exatamente. Se V. Exa tiver uma questão de fato, exclusivamente de fato, ou uma questão de ordem, está com a palavra . Nós não admitimos contestações a votos de relatores ou de qualquer ministro vogal.
O advogado se defendeu:
– Sr. Presidente, não é nossa intenção polemizar com esta Corte…
– Nem poderia evidentemente, interrompeu-o Lewandowski
Balbuciou então, o advogado
– É só para colocar que o artigo 188 do Regimento Interno da Câmara , no seu inciso III , menciona E NAS DEMAIS ELEIÇÕES. Apenas esse esclarecimento.
E saiu desconsolado.
É só abrir o link da TV Justiça – sem cortes nas suas 4 horas de duração- para conferir o diálogo, aos 37 minutos e 50 segundos.
– Se for uma questão de fato…
Lewandowski apressou-se a amaciar a toga justa para o colega. Disse ele, dirigindo-se ao advogado da Casa do Povo:
– Exatamente. Se V. Exa tiver uma questão de fato, exclusivamente de fato, ou uma questão de ordem, está com a palavra . Nós não admitimos contestações a votos de relatores ou de qualquer ministro vogal.
O advogado se defendeu:
– Sr. Presidente, não é nossa intenção polemizar com esta Corte…
– Nem poderia evidentemente, interrompeu-o Lewandowski
Balbuciou então, o advogado
– É só para colocar que o artigo 188 do Regimento Interno da Câmara , no seu inciso III , menciona E NAS DEMAIS ELEIÇÕES. Apenas esse esclarecimento.
E saiu desconsolado.
É só abrir o link da TV Justiça – sem cortes nas suas 4 horas de duração- para conferir o diálogo, aos 37 minutos e 50 segundos.
FALTOU O GRITO DO ADVOGADO
O que ficou faltando foi o advogado da Câmara, com licença
ou sem licença do presidente da sessão, ir à tribuna e dizer, em alto e
bom som: “E nas demais eleições também, ministro”. Mas dizer isso em voz alta,
com ênfase, repetidamente, para que todos ouvissem. Enfim, um protesto,
veemente. Protesto saudável, bem-vindo e bendito, que até Deus gostaria
de ter ouvido e aprovaria, não é mesmo, saudoso doutor Sobral Pinto? Um
protesto mesmo da cadeira na plateia, sem precisar ir à tribuna ou depois
de tê-la deixado. Falar, falar e falar. O que aconteceria ao advogado?
Uma advertência? Uma reprimenda? A exclusão do recinto? Que fosse, uma ou todas
essas decisões do presidente Lewandowski. O essencial já estaria dito. Dito e
registrado em vídeo e áudio e entrado para a história.
Não se está aqui lamentando não ter ocorrido um quiproquó,
ou um bafafá, ou um forrobodó entre o advogado, Barroso e Lewandovski.
Mas se tivesse ocorrido, que mal faria? Das muitas prerrogativas de um advogado
não é “reclamar, verbalmente ou por escrito, perante qualquer juízo, tribunal
ou autoridade, contra inobservância de preceito de lei, regulamento ou
regimento”? (Estatuto da Advocacia Lei nº 8906, de 4.7.94, artigo 7º, nº XI).
Observe-se que para fazer reclamação, justa reclamação, a
lei não impõe qualquer condicionante ou obstáculo. O protesto é livre. Livre,
democrático, republicano, e os juízes precisam ouvir, antes de decidir. Até
mesmo depois, porque nada é imutável e eterno. A começar pela vida
corpórea de cada um de nós.
UM MORTO-VIVO
Muitos anos atrás defendi uma vítima que teve o tampo da
cabeça arrancado por um ônibus que invadiu a passarela de pedestre do Viaduto
de Benfica, no Rio. Ele sofreu também afundamento do crânio. E sobreviveu, com
graves sequelas. O rapaz venceu a ação na primeira instância contra a
empresa de ônibus que recorreu para o TJ do Rio para pagar menos ou nada pagar.
É sempre assim. Empresa de ônibus, quando diz que está dando assistência às
vítimas de acidentes, é mentira. No dia da sessão de julgamento, comprei um
paletó para meu cliente e o levei comigo para assistir à sessão que iria julgar
o recurso da empresa de ônibus. Em certo momento, o desembargador-relator disse
no seu voto que negava a pensão mensal de um salário mínimo “porque a vítima
tinha morrido e não se pode pagar pensão a um morto”.
Foi quando, imediatamente, dei um pulo da cadeira da
platéia e falei bem alto. Gritei mesmo: “Não morreu não, doutor relator. Ele
está vivo. E está aqui comigo (e apontei para meu cliente)”. Pronto, foi o
suficiente para que o Tribunal desse a ele, além da verba por dano moral, a
pensão vitalícia, que recebe até hoje, 20 anos depois. Foi aquele grito que dei
— mesmo me sujeitando à uma tremenda reprimenda ou expulsão do recinto — que
fez com que a Justiça fosse concretizada na sua plenitude, se é que dinheiro
paga danos dessa ordem. Terminada a sessão, o tal desembargador me encontrou no
corredor, pediu desculpas e disse:
“Dr. Béja, quase matei seu cliente. Ainda bem que o senhor
estava atento, presente e com sua intervenção consertei meu voto e meus colegas
desembargadores também”.
Parece que foi isso que faltou fazer naquela sessão do
STF. Mesmo que custasse a expulsão do advogado do recinto.