Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

A memória andante


Janeiro
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A memória andante

No terceiro dia do ano 47 a.C., ardeu em chamas a biblioteca mais famosa da Antiguidade.
As legiões romanas invadiram o Egito, e durante uma das batalhas de Júlio César contra o irmão de Cleópatra o fogo devorou a maior parte dos milhares e milhares de rolos de papiro da Biblioteca de Alexandria.
Um par de milênios depois, as legiões norte-americanas invadiram o Iraque, e durante a cruzada de George W. Bush contra o inimigo que ele mesmo inventou, virou cinza a maior parte dos milhares e milhares de livros da Biblioteca de Bagdá.
Na história da humanidade inteira, houve um e só um refúgio de livros seguro e à prova de guerras e incêndios: a biblioteca andante, uma ideia do grão-vizir da Pérsia, Abdul Kassem Ismael, no final do século X.
Homem prevenido, esse viajante incansável levava sua biblioteca consigo. Quatrocentos camelos carregavam cento e dezessete mil livros, numa caravana de dois quilômetros de comprimento. Os camelos também serviam de catálogo das obras: cada grupo de camelos carregava os títulos que começavam com umas das trinta e duas letras do alfabeto persa.

Eduardo Galeano, no livro Os filhos dos dias (Um calendário histórico sobre a humanidade), 2ª Edição, L&PM Editores, 2012, página 17