Sábado, 17 de dezembro de 2011
Da revista Veja
Ministro diz que, como o julgamento dos mensaleiros só deve acontecer em 2013, muitos dos crimes podem prescrever. A afirmação preocupante criou um enorme mal-estar entre os colegas no Supremo Tribunal Federal
Paulo Celso Pereira e Laura Diniz
Bem Devagar: Indicado por Lula, amigo da
família do ex-presidente e próximo aos petistas, o ministro Ricardo
Lewandowski está no centro de várias celeumas envolvendo o julgamento do
mensalão. Na semana passada, o ministro Cezar Peluso mandou liberar
cópias do processo para não atrasar ainda mais o desfecho do caso
(Celso Junior/AE e Alan Marques/Folhapress )
Desde que foi oferecida a denúncia contra os réus, em 2006, Lewandowski protagonizou as principais celeumas em torno do caso. As duas primeiras ocorreram durante a aceitação da denúncia, em 2007. A princípio, o ministro foi flagrado no dia do julgamento trocando mensagens de computador com a ministra Cármen Lúcia sobre os votos dos colegas
Em fevereiro de 2006, o desembargador Ricardo Lewandowski foi indicado
pelo presidente Lula para ocupar uma cadeira na mais alta corte do país,
o Supremo Tribunal Federal. Era o primeiro ministro nomeado pelo
petista desde a descoberta, no ano anterior, do escândalo do mensalão, o
maior esquema de corrupção da história do país. Ao ser entrevistado por
emissários do Planalto e conversar com Lula antes da indicação,
Lewandowski já tinha plena consciência de que teria, nos anos seguintes,
a missão de julgar o processo que resultaria da revelação de que o
governo do PT pagara mesada a parlamentares em troca de apoio político. O
ministro não só conhecia essa realidade como era próximo a figuras de
proa do partido. Formado na Faculdade de Direito de São Bernardo do
Campo, berço sindical do petismo, e professor com mestrado e doutorado
na Universidade de São Paulo, ele conhecia a família Lula desde jovem.
Sua mãe, por exemplo, era vizinha da ex-primeira-dama Marisa Letícia.
Relações pessoais com poderosos não impedem ninguém de assumir cargos
públicos de relevo. Para assentos no STF, são exigidos notório saber
jurídico e reputação ilibada. Além desses dois requisitos
constitucionais, espera-se de um ministro da suprema corte independência
com relação ao presidente da República que o indicou. É nessa seara que
a movimentação de Lewandowski tem causado apreensão.
Desde que foi empossado, sua atuação só chamou atenção quando foi
portadora de maus presságios — para a opinião pública e as instituições —
sobre o caso do mensalão. Na semana passada, essa situação chegou ao
paroxismo. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, ele
informou que só pretende concluir seu voto no processo em 2013 — o que
prorrogaria ainda mais o desfecho do caso, cuja conclusão está prevista
para o primeiro semestre de 2012. Por trás de uma questão meramente
temporal há uma série de desdobramentos políticos, todos eles favoráveis
ao PT e à camarilha que figura como ré no processo. O próprio
Lewandowski admite que, com o adiamento, poderá haver prescrição de boa
parte dos crimes imputados aos mensaleiros. Entre os quais, o de
formação de quadrilha, acusação que pesa sobre os ombros do comissário
José Dirceu, ex-chefe da Casa Civil.
A Toque de caixa: O ministro Joaquim Barbosa deverá
concluir seu relatório no início do ano que vem para, ao contrário do
que querem os mensaleiros, começar o julgamento em abril
Outro possível desdobramento tende a influir no mapa dos votos. No
próximo ano, os ministros Cezar Peluso e Carlos Ayres Britto terão de se
aposentar. Os dois fazem parte de um grupo de cinco ministros apontados
como defensores da condenação dos réus. Se Lewandowski consumar o
adiamento para 2013, Britto e Peluso não participarão do julgamento.
Darão lugar a substitutos indicados pela presidente Dilma Rousseff. Se
depender do PT, tais substitutos serão camaradas exemplares e,
obviamente, pró-absolvição. Desde 2006, o partido conseguiu emplacar
ministros com esse perfil mais amigável. Dilma manteve a toada com a
recente nomeação de Rosa Maria Weber, uma juíza do Trabalho de carreira,
com pouca intimidade com questões criminais. Ou seja: se o julgamento
ocorrer após a aposentadoria de Britto e Peluso, o PT terá mais chance
de conseguir formar uma maioria segura na corte que impeça a condenação
de seus líderes. Assim, poderá evitar que o maior caso de corrupção da
história do Brasil prejudique os projetos eleitorais do partido. Essa
estratégia ardilosa, obviamente, não passa despercebida no plenário do
Supremo.
Atentos à movimentação, ministros do STF já reagiram. Lewandowski justificou a possibilidade de adiamento com um argumento sólido como as nuvens: só leria todos os volumes do processo depois de receber uma espécie de resumo do caso elaborado pelo relator do processo, Joaquim Barbosa. No papel de revisor, Lewandowski teria de começar tudo do zero, como afirmou. Uma heresia jurídica devidamente rechaçada. Logo após a entrevista ter sido publicada, o presidente do STF, Cezar Peluso, enviou um ofício a Joaquim Barbosa pedindo que ele disponibilizasse imediatamente a íntegra do processo para todos os ministros, a fim de que eles já pudessem estudar o caso a fundo e, se quisessem, preparar os votos. A medida não era necessária. Há anos todos os autos do processo do mensalão estão disponíveis na internet para os advogados dos réus, os integrantes do Ministério Público e, obviamente, os ministros da corte. O ofício de Peluso era, na verdade, apenas um gesto para deixar claro o incômodo com a ameaça de adiamento. “Não vou deixar a presidência do Supremo sem colocar esse processo em pauta. Quero fazer isso em agosto, no máximo”, diz ele.