Segunda, 20 de julho de 2015
Por Adriano Benayon * - 20.07.2015
O caso da Grécia ajuda a compreender o desafio que o Brasil terá
de enfrentar.
2. Como salienta a auditora Maria Lucia Fattorelli, que prestou
inestimável colaboração ao Parlamento grego no exame da dívida pública daquele
país, ele vem sendo sangrado, há anos, pelo sistema da dívida, governado por
grandes bancos de âmbito mundial.
3. Só de 2010 ao presente, a renda nacional da Grécia foi
reduzida em 30%, os salários caíram nessa proporção, os pensionistas perderam
mais de 50%. O desemprego passa dos 27% e atinge mais de 60% entre os
jovens.
4. Mesmo tendo o povo rejeitado, em plebiscito, o mais recente
programa dos “credores”, e tendo o Parlamento mostrado à nação as ilegalidades
e fraudes originadoras da maior parte da dívida, faltou coragem ao governo do
Syriza para desistir de mais um acordo com a União Europeia.
5. Entretanto, esse acordo dará prosseguimento à destruição
econômica e social do país. Trata-se de um terceiro programa de “resgate”, na
realidade, de arrocho com calendários de curto prazo.
6. Até quarta-feira (15), o Parlamento grego
tem que aprovar mais aumentos de impostos e reformar o sistema de pensões. Só
depois disso, os ditadores da União Europeia (Alemanha e França), autorizarão
negociar um memorando de entendimento com Atenas.
7. Até outubro, as autoridades gregas têm que
implementar mais reformas nas pensões e zerar o déficit, além de cumprir
programa de privatizações. Também, alterar as relações de trabalho, facilitando
as demissões. Em suma, elevar as doses dos “remédios” que têm
arruinado a saúde do paciente.
8. A mensagem está claríssima. A tirania
financeira mundial não tolera qualquer medida dos países envolvidos pelo
sistema da dívida, em defesa de suas economias e de seus povos, por mais
moderada que seja: eles são pressionados a enredar-se, cada vez mais, na
armadilha financeira.
9. Pergunto-me por que motivo, afora a
corrupção – que jogou papel importante na passividade de muitos de seus
antecessores - o atual governo grego se curvou às imposições do Banco
Central Europeu, FMI e tiranos da União Europeia, entidade gradualmente moldada
pela oligarquia financeira angloamericana, para subordinar os países da Europa
continental.
10. Suponho que as causas sejam os temores de:
a) sanções por parte da Alemanha, da França e associados, os maiores
importadores das produções primárias e origem do grosso do turismo, as duas
principais fontes de divisas da Grécia; b) corte do crédito por parte do
sistema financeiro internacional e congelamento de fundos depositados no
exterior, além de arresto de bens.
11. Não se podem comparar as dimensões, nem as
dotações de recursos naturais do Brasil e da Grécia. O Brasil poderia até
beneficiar-se das sanções a que estaria sujeito, em caso de cumprir a cláusula
da independência, evidentemente superior à própria Constituição (que também a
proclama, embora ignorada na prática).
12. Antes, deve ficar claro que, sem autonomia
nacional, não há a menor possibilidade de evitar a ruína, que avança a passos
largos em nosso País.
13. A soberania vem sendo, há decênios,
preterida pelas “boas relações” com as potências imperiais e pela subordinação
da política econômica ao sistema financeiro, comandado pelo eixo Londres-Nova
York e operado nessas praças e nas offshore, sob controle delas.
14. É de notar, ademais, o espantoso grau
dessa subordinação, que supera, em muito, a existente até em países de menor
dimensão e aparentemente mais frágeis que o Brasil.
15. Haja vista, entre os exemplos mais
notáveis, as estratosféricas taxas de juros aqui praticadas:
a) as que, compostas, estão levando a dívida
pública brasileira a mais crises conducentes a ainda mais vergonhosas
abdicações de soberania e a perda de substância econômica;
b) as impostas a empresas nacionais atuantes
na produção e a pessoas físicas dependentes de seu trabalho, taxas, como se sabe,
grandes múltiplos daquelas, mais que absurdas.
16. Duas premissas têm de sustentar uma
análise realista:
1) o truculento
sistema da dívida não faz concessões aos que nele se enredam: as ameaças,
pressões e sanções são manipuladas de forma a obrigá-los a subscrever os
“acordos” praticamente por inteiro;
2) portanto,
tentativas de atenuar as penosas condições a que os “devedores” são submetidos,
são reprimidas do mesmo modo que seriam medidas capazes de, a médio e longo
prazos, liberá-los do crônico enfraquecimento a que vem sendo forçados.
17. Apesar de a presidente ter reduzido os já
deprimidos investimentos federais e elevado os já inadmissivelmente altos
ganhos dos concentradores financeiros, estes e seus mentores da oligarquia
angloamericana não estão satisfeitos e usam seus diversos instrumentos de
pressão política para desestabilizar e derrubar o governo.
18. Está claro que as potências
imperiais e seus vassalos brasileiros não toleram mudanças na política
econômica nos últimos 61 anos, por mais modestas que sejam. Ao contrário, só
admitem radicalizá-la, o que implica levar o País à miséria, intensificando-se
a desnacionalização e a desindustrialização da economia.
19. Portanto, se quiser ter alguma chance de,
um dia, encontrar o desenvolvimento, o Brasil terá de adotar, desde já,
políticas, por completo, diferentes das que têm prevalecido.
20. Por exemplo, reduzir a taxa de juros dos
títulos públicos em 2 pontos percentuais, já escandalizaria a grande mídia e os
acadêmicos que papagueiam doutrinas econômicas inaplicáveis aos contextos
reais.
21. O que se deve fazer, em lugar disso, é
diminuir essas taxas em 15 pontos percentuais (cerca de 17% aa. para 2% aa.).
Sobre a dívida interna bruta de R$ 3,3 trilhões, isso significa economizar R$
500 bilhões anuais, quantia equivalente a 10% do PIB.
22. Vale lembrar que os defensores do arrocho
gerido pelo ministro da Fazenda e Banco Central alegam que ele fará economizar
entre R$ 70 bilhões e R$ 80 bilhões.
23. Além disso, esses cortes têm efeito
multiplicador negativo, por implicar redução de investimentos e de despesas,
enquanto o dinheiro poupado com o estéril gasto financeiro da dívida pública
poderia ser investido produtivamente, com apreciável geração de receitas
adicionais.
24. A sensível redução dos juros é também
indispensável por ser o único meio de evitar a capitalização deles, o fator
determinante do crescimento exponencial da dívida pública.
25. Mas, para fazer o serviço completo nessa
área, há que suprimir artigos lesivos ao País da falsa Constituição “cidadã”,
de 1988, a começar pelo de nº 164, que usurpa do Tesouro Nacional o direito de
emitir moeda e o confere exclusivamente ao Banco Central. Pior, ao proibir que
este financie o poder público, o submete à agiotagem dos bancos privados.
26. É também espantoso que a Lei 4.595, de
31.12.1964, tenha sido recepcionada pela Constituição, como Lei complementar, e
continue sendo o arcabouço do sistema financeiro do País, tendo sido elaborada
sob medida para os interesses dos bancos concentradores. Há que fazer outra sob
princípios bem diferentes.
27. Essas são algumas das medidas de que o
País precisa, a fim de realizar políticas macroeconômicas decentes, devendo-se
também enunciar a reformulação completa das estruturas microeconômicas, sem as
quais aquelas de pouco valem.
28. Ou seja: novas políticas industrial,
tecnológica, de serviços e dos mercados, afora infraestruturas econômicas e
sociais compatíveis com tais estruturas, livres das garras dos carteis e
abertas à concorrência dos produtores.
29. Claro que a defesa nacional deve ser uma
das prioridades, em interação com a indústria voltada para o bem-estar e
para o progresso técnico. Tudo isso exige administrações civil e militar
inspiradas em valores elevados e conscientes de que a solidariedade nacional
tem de prevalecer sobre ambições pecuniárias e de poder.
30. Em tal sistema, o mérito, não só
intelectual, é aferido desde as primeiras letras, e o importante setor estatal
tem de ser administrado de modo que os equipamentos e empresas estatais estejam
a serviço da sociedade em seu conjunto e, portanto, não sejam objeto de
comércio.
* - Adriano Benayon é doutor em
economia pela Universidade de Hamburgo e autor do livro Globalização versus
Desenvolvimento.