Quinta, 24 de maio de 2012
Da Pública
Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo
Escolta de liderança ameaçada por madeireiros no sul do Amazonas é
interrompida pela SeDH; sob risco de vida, Nilcilene teve que deixar sua
comunidade
Assim que Nilcilene Miguel de Lima saiu de sua comunidade no sul de Lábrea, no estado do Amazonas, foi avisada por outros moradores de que os madeireiros ilegais – cuja ação ela denuncia há anos – fizeram uma festa em comemoração. Segundo eles, houve churrasco para celebrar a saída da Força Nacional. “Agora estão dizendo para quem quiser ouvir: ‘Botamos a Força Nacional para correr, bando de frouxo” – comentou um morador.
Nilcilene foi obrigada a fugir de sua comunidade no último sábado,
dia 19, porque a Secretaria de Direitos Humanos (SeDH) interrompeu a
escolta prevista pelo programa Proteção aos Defensores de Direitos
Humanos, do qual a líder comunitária faz parte.
Presidente de uma associação de pequenos produtores que sofrem com
expulsões e intimidações de madeireiros ilegais e grileiros, Nilcilene
foi ameaçada de morte por ter denunciado essas quadrilhas e estava sob
proteção desde novembro de 2011.
A violência foi retratada pela Pública em série de reportagens veiculadas em março.
A escolta, cuja duração é temporária, permaneceu com Nilcilene durante seis meses.
Em maio, a Anistia Internacional lançou uma ação pedindo providências
imediatas ao Ministério da Justiça e ao governo do Amazonas. Desde que
essa campanha foi lançada, membros da Anistia enviam cartas pedindo
ações concretas, como a criação de uma unidade de polícia permanente no
sul de Lábrea e a investigação das denúncias feitas por Nilcilene.
A retirada da Força Nacional do sul de Lábrea ocorre em meio a essa
campanha, que vai até o dia 5 de Junho. Questionada pela reportagem, a
assessoria de imprensa da SeDH respondeu que “uma das medidas realizadas
pelo Programa é a retirada provisória do defensor do local de atuação,
sempre acordada previamente com as pessoas incluídas no Programa e
conforme especificidades de cada caso”.
Forçada a sair
Segundo Nilcilene, porém, a saída não foi acordada. “O tenente
[comandante da operação] disse que a ordem tinha vindo de Brasília e era
para sair o mais rápido possível. Não pude fazer minha mudança, não
deixaram nem ir no meu lote ver minha plantação”, diz a lavradora que
perdeu a plantação com milhares de pés de banana, palmito, pupunha,
milho e abacaxi.
A secretaria pagou a passagem aérea de Nilcilene, a avaliação é que a
líder seria assassinada se permanecesse no local sem escolta.
“A retirada é uma mensagem de impunidade e vitória da ilegalidade”,
afirma Neide Lourenço, coordenadora da Comissão Pastoral da Terra do
Amazonas. “As pessoas que denunciam o desmatamento são expulsas e os
criminosos têm toda liberdade para continuar extraindo os recursos da
floresta?”
Graças às denúncias de Nilcilene e Adelino Ramos, outro líder
comunitário do sul de Lábrea, assassinado em 2011, um inquérito foi
instaurado com 23 nomes de grileiros, madeireiros e pistoleiros da
região. Mas a investigaçãoestá parada na delegacia do município.
Desde 2007, sete pessoas foram mortas no sul da Lábrea, onde 800
famílias vivem atualmente. O último crime foi contra a trabalhadora
Dinhana Nink, 27, assassinada na frente de seu filho de 6 anos no dia 30
de março. Ela era próxima à líder Nilcilene.
Ao longo dos seis meses que ficou na região, a Força Nacional apenas
protegeu Nilcilene. Além de não se intimidar com a presença da polícia,
os pistoleiros eventualmente passaram a fazer ameaças à própria equipe.
No fim de abril, a Força Nacional recebeu denuncia de um plano de
emboscada para matar a líder e os policiais.
Protestos
No dia 5 de maio, uma marcha foi realizada no Rio de Janeiro para
cobrar a investigação de morte ligadas a conflitos com madeireiros. Os
manifestantes fixaram o nome de cem pessoas assassinadas em cruzes, que
foram simbolicamente enterradas na areia de Copacabana.
Organizada pelo Comitê Fluminense das Florestas, a marcha chamou
atenção para a relação entre a violência contra lideranças ambientas e o
novo Código Florestal que, se aprovado, pode anistiar os madeireiros
ilegais.
Amanhã, dia 24 de maio, haverá um ato no Assentamento
Agroextrativista Praia Alta Piranheira, em Nova Ipixuna (Pará) para
lembrar um ano do assassinato do casal extrativista José Cláudio e Maria
do Espírito Santo. Os dois foram assassinados perto dessa comunidade,
onde viviam, depois de sofrerem seguidas ameaças de morte por
denunciarem o corte ilegal de castanheiras.