Sexta, 25 de janeiro de 2013
Da PúblicaAgência de Reportagem e Jornalismo Investigativo
“A Copa do Mundo funciona como uma espécie de catalisador. Temos uma
grande oportunidade de executar planos de investimentos e de melhorar a
qualidade dos serviços nas grandes cidades, sobretudo o transporte
público.”
A declaração, feita em setembro de 2011 pelo então ministro do
Esporte, Orlando Silva, resume a principal justificativa do governo para
que a população saudasse a realização da Copa no país: o legado para as
12 cidades-sede, que seriam beneficiadas com as obras de mobilidade
urbana, necessárias não apenas para a competição, mas para os que
residem ali. Um ano e quatro meses depois, porém, vários empreendimentos
projetados para melhorar o transporte público e o trânsito foram
cancelados – ou substituídos por obras de menor impacto.
A Matriz de Responsabilidades – documento do Ministério do Esporte
que elenca toda as obras de infraestrutura para a Copa – previa 50
intervenções de mobilidade urbana e orçamento de R$ 11,59 bilhões quando
divulgada em janeiro de 2010. Dessas 50, até agora foram canceladas 13
obras em dez cidades-sede: em Manaus, o Monotrilho Leste/Centro e o BRT
(sigla para Bus Rapid Transit, o corredor de ônibus) do Eixo
Oeste/Centro; em São Paulo, excluiu-se o Monotrilho da Linha 17-Ouro; em
Brasília, o VLT (Veículo Leve sobre Trilhos, metrô de superfície; em
Curitiba, a requalificação das vias do Corredor Metropolitano, em Natal,
a reestruturação da Avenida Engenheiro Roberto Freire; em Salvador, o
BRT no Corredor Estruturante Aeroporto/Acesso Norte; em Fortaleza, o
Corredor Expresso Norte-Sul e o BRT Projeto Raul Barbosa; em Belo
Horizonte, o BRT Pedro II/Carlos Luz; em Porto Alegre, o BRT Assis
Brasil, e os BRTs Aeroporto/CPA e Coxipó/Centro, em Cuiabá.
Outras 16 obras de mobilidade foram incluídas posteriormente e são 53
as obras que constam hoje na Matriz mas a maioria de menor porte do que
as canceladas ou interrompidas, e quase sempre realizadas no entorno
dos estádios – e portanto relacionadas com acesso aos jogos, não com a
mobilidade das cidades-sede. Por isso, o orçamento tem hoje quase 3
bilhões a menos do que o previsto: é de R$ 8,6 bilhões. Só na última
revisão do documento, no mês passado, seis obras de mobilidade foram
substituídas por outras oito obras de entorno. De prioridade máxima, o
legado para as cidades-sede vai se reduzindo.
Em Salvador, por exemplo, em vez de um corredor do ônibus ligando o
Aeroporto Internacional ao norte da cidade, serão feitas duas pequenas
intervenções no entorno da Arena Fonte Nova, o estádio da Copa na Bahia,
com custo de R$ 35,7 milhões, o que representa R$ 532 milhões de
redução do investimento previsto. Nem o governo municipal – que queria o
corredor de ônibus previsto – nem o governo do estado da Bahia, que
pretendia incluir na Matriz o metrô de Salvador, em vez do corredor,
tiveram os projetos contemplados. Por enquanto a população ficou sem
corredor de ônibus e sem metrô – depois de uma negociação com o governo
federal, o governo estadual conseguiu incluir o metrô, com orçamento de
3,5 bilhões de reais, no PAC de Mobilidade Urbana. Que nada tem a ver
com a Copa.
São Paulo teve um caso semelhante: em vez do Monotrilho da Linha
17-Ouro, que ligaria o bairro do Morumbi ao Aeroporto de Congonhas, com
orçamento previsto de R$ 1,881 bilhão, ganhou intervenções viárias no
entorno do estádio do Corinthians, orçadas em 317,7 milhões.
POR QUE AS OBRAS PARAM?
Além dos projetos que não saíram do papel, há casos mais graves de
obras interrompidas por suspeitas de irregularidades. Em Brasília, por
exemplo, as obras do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), que ligariam o
aeroporto ao Terminal Rodoviário da Asa Sul integrando-se ao metrô,
começaram em setembro de 2009, foram incluídas em janeiro 2010 na Matriz
de Responsabilidades da Copa do Mundo com orçamento de R$ 364 milhões, e
paralisadas em setembro do mesmo ano pela Justiça por suspeitas de
irregularidades. O responsável pela execução da obra era o governo
distrital, que também contribuiria com R$ 3 milhões de custos.
A liminar que paralisou as obras foi concedida pelo juiz José
Eustáquio de Castro Teixeira, da 7ª Vara de Fazenda Pública do DF, ao
aceitar a denúncia do Ministério Público do Distrito Federal e
Territórios (MPDFT), que apontou fraude na concorrência do Metro-DF com o
intuito de favorecer duas empresas: a Dalcon Engenharia e Altran/TCBR.
Segundo o Ministério Público, ambas seriam sócias ocultas e a vencedora
da licitação, a Dalcon Engenharia, teria repassado R$ 1 milhão para a
empresa “concorrente”. O ex-presidente do Metrô-DF, José Gaspar de
Souza, foi acusado de manter vínculos estreitos com as duas empresas e
exonerado em abril de 2010 pelo então governador do DF, Rogério Rosso
(PMDB).
Em abril de 2011, o mesmo juiz exigiu que fosse aberta uma nova
licitação para o VLT. Um ano depois, o secretário de Obras do DF, David
de Matos, declarou que o primeiro trecho da obra do VLT não ficaria
pronto até 2014 por causa dos atrasos provocados pelo cancelamento da
licitação e a obra foi oficialmente retirada da Matriz a pedido do
governador Agnelo Queiroz em setembro do ano passado.
Procurada pela Pública, a Secretaria de Comunicação do Governo do
Distrito Federal (SECOM-DF) divulgou nota dizendo que “a retirada do VLT
da Matriz de Responsabilidade da Copa será compensada pela readequação
da DF 047, que liga a estação de passageiros do Aeroporto Internacional
Juscelino Kubitschek até a parte central da capital, com a implantação
de uma via exclusiva dedicada a ônibus de passageiros, turistas e
delegações.” E afirmou: a distância do estádio Mané Garrincha até o
centro de Brasília é de 3 km, “o que facilita e incentiva o acesso a
pé”.