Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 6 de julho de 2013

A exumação

Sexta, 5 de julho de 2013
Por Ivan de Carvalho
Já estava morta e ontem foi sepultada a idéia, lançada com muita zoada pela presidente Dilma Rousseff, de realização de um plebiscito a ser convocado pelo Congresso, realizado no máximo até início de outubro próximo e do qual resultaria, formatada pelo próprio Congresso, uma reforma política com vigência já nas eleições gerais do ano que vem.

         O plebiscito já era um remendo, porque a sugestão inicial lançada pela presidente da República foi a de convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte exclusiva e com poderes restritos para fazer a chamada reforma política, que vem sendo, intermitentemente, objeto de debate no país há pelo menos dez anos.

         Mas a proposta presidencial da Constituinte exclusiva e restrita não durou 24 horas. A presidente a lançou em um dia o no seguinte a trocou pela sugestão do plebiscito. Isto porque, soube ela e seu staff, que tal Constituinte seria impossível, por ser absolutamente inconstitucional. O Congresso – maioria governista à frente – e os meios jurídicos incineraram a sugestão, da qual a presidente da República desistiu incontinenti.

         Ocorre que a tentativa de substituir a proposta da Constituinte inconstitucional pelo plebiscito encontrou obstáculos intransponíveis e previsíveis. Primeiro, o tempo. Já estamos em julho e o Tribunal Superior Eleitoral – consultado formalmente (mesmo sem ser parte legítima para isto) pela presidente Dilma Rousseff (que teve sua consulta considerada por uma gentileza, não por obrigação funcional do TSE) – respondeu que precisaria de 70 dias para preparar o plebiscito.

Ora, o Congresso precisaria de um tempo indefinido para aprovar e convocar o plebiscito e, em seguida, escolher e formatar as perguntas que seriam submetidas ao eleitorado nesse plebiscito. Aí, o TSE gastaria mais 70 dias para realizar a consulta popular, que incluiria várias questões sobre as quais – mesmo sendo algumas delas relevantes – a população não parece ter o menor interesse. Não demonstrou interesse a respeito delas nas manifestações populares realizadas durante o mês passado e até ontem.

Os manifestantes se mostraram interessados nas questões da saúde, da segurança pública, da corrupção e da impunidade, da educação, do transporte coletivo urbano (nenhum manifestante carregou cartaz pedindo o trem-bala para 2020), no bom funcionamento dos serviços públicos, para sintetizar. E tudo isso ante o pano de fundo de uma economia complicada em múltiplos aspectos, com a inflação se mostrando cada vez mais com menos pudor e um PIB de 2013 que, nas estimativas, corre célere para aproximar-se do pibinho de 0,9 por cento de 2012.

Então, para que o plebiscito posto agora no debate nacional? É a Distração para que a mídia e a população ponham sua atenção nele e empurrem para segundo plano aquelas reivindicações e protestos que levantaram as ruas e derrubaram os percentuais de aprovação dos governos e de intenções de votos nos governantes candidatos à reeleição, destacadamente o governo federal e a presidente Dilma Rousseff.

Mas qual a razão que leva a presidente Dilma a fazer o vice-presidente Michel Temer, principal líder do PMDB – maior partido aliado do governo – a tentar, sem muito êxito, desmanchar ontem à tarde o que dissera de manhã? Temer, resumindo, dissera que, por causa do tempo escasso, não há condições para qualquer reforma aprovada por plebiscito valer em 2014. À tarde, disse que apenas expressara a convicção de líderes de partidos aliados do governo, acrescentando que este continua empenhado em fazer um plebiscito cujos efeitos vigorem nas eleições de 2014. Algo como a exumação de um cadáver.

Aí, claro, é mera jogada de marketing político. O governo quer parecer que está insistindo no plebiscito e, como não dá mesmo, por causa do tempo, para realizá-lo e o Congresso quase todo não quer, o governo tentaria lançar sobre a oposição a acusação de que criou obstáculos e impediu uma consulta popular, não quis que o eleitorado seja ouvido. E tentará ficar discutindo isso ao invés de ir cuidar da saúde, da segurança pública, do combate à corrupção, do transporte urbano, do fim dos gastos desnecessários com estádios de luxo, dos graves problemas na economia, coisas que não estariam, claro, no plebiscito.

Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.