Quarta, 2 de julho de 2013
Rio de Janeiro - Um ato ecumênico na entrada do Complexo da Maré, na
zona norte da capital fluminense, promovido por várias organizações que
atuam na comunidade, lembrou as mortes de dez pessoas na ação do
Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar do Rio de
Janeiro, na noite da segunda-feira (24), na favela Nova Holanda.
A manifestação pacífica interrompeu, durante uma hora e 20 minutos, o
trânsito na pista lateral de subida da Avenida Brasil, principal via de
ligação entre o centro e as zonas norte e oeste da cidade. Os
manifestantes atravessaram um carro de som na via e do alto pediam paz
para a comunidade. "A nossa manifestação ecumênica é de paz", disse o
pastor Marcos. Em, seguida todos rezaram o Pai-Nosso.
A fotógrafa Tatiana Altberg, que desenvolve há dez anos, com
adolescentes da comunidade, o projeto Mão na Lata, que mistura
fotografia com literatura, reuniu os integrantes do projeto com os do
projeto Marecatu, de percussão, e fez uma apresentação durante o ato.
Ela disse que o impacto provocado pela operação do Bope foi muito grande
entre os moradores. “As pessoas estão muito tristes. Já está na hora da
polícia entender que não é essa a maneira de se relacionar com a
população”, declarou.
Parte dos manifestantes vestia camisetas pretas com a frase: “Estado
que Mata, Nunca Mais. Na passarela próxima à entrada da Nova Holanda,
faixas pediam paz na favela e apontavam uma atitude dos moradores: “Maré
Resiste”.
O ator Enrique Diaz, que participou do protesto, explicou que estava
ali por causa da violência cometida contra a comunidade. “Como agora
está vindo um movimento de mudar o ponto de vista, mudar a relação
viciada que a polícia tem com a população de baixa renda, é importante
que a gente venha aqui também para mostrar para estas pessoas que
estamos irmanados e que somos todos iguais. Que ninguém tem o direito de
baixar o pau, de sair arrebentando as pessoas sem motivo. As pessoas
estão se manifestando pelo direito delas e ainda bem que estão”, disse.
Dayse, que perdeu um parente em um confronto entre policiais e
traficantes da favela, disse que o ato era uma forma de dar voz aos
mortos. “A voz dos mortos tem vez. É por isso que estamos aqui. Para dar
voz aos nossos mortos que desceram à sepultura por essa polícia”,
discursou.
O comandante do 22º Batalhão da Polícia Militar, que atende a todo o
Complexo da Maré, Rodrigo Sanglard, disse que foi montado um esquema com
70 policiais do batalhão espalhados ao longo da Avenida Brasil para dar
segurança aos manifestantes e mais 30 do Batalhão de Vias Especiais
para ajudar no controle do trânsito, além do Batalhão de Choque, que
poderia ser acionado se houvesse um conflito de grande proporção. Para o
comandante, o trabalho da polícia é de ação e reação e depende de como
se dá o combate quando as forças policiais entram na comunidade.
“Lamentavelmente ocorreu a situação na semana passada, mas ela está
sendo investigada e, com certeza, ela foi feita, por mais triste que
seja, dentro de toda técnica operacional que tinha que ser aplicada”,
disse o comandante Sanglard.
A Força Nacional de Segurança mandou para o local 36 policiais para
dar apoio à Polícia Militar. “Nós estamos no Rio para colaborar com a
segurança desde a Copa das Confederações”, disse o comandante da tropa, o
capitão Evandro Bezerra da Silva.
No fim da manifestação, o diretor do Observatório de Favelas,
organização não governamental que atua na Maré, Jaílson de Souza e
Silva, ficou satisfeito com o resultado do ato ecumênico. “A gente está
feliz por que foi um ato como a gente quer, sem violência, um ato
pacífico. [A manifestação] contou com a contribuição da polícia, que
cumpriu o papel dela, que é proteger o direito de nos manifestar. A
gente está feliz por que falou em alto e bom som que a gente está
cansado dessa política genocida do estado do governador Sérgio Cabral e
do secretário de Segurança José Mariano Beltrame contra as favelas. Eles
têm um discurso esquizofrênico. De um lado tem a UPP [Unidade de
Polícia Pacificadora], que eles dizem que humaniza a favela e de outro
eles têm uma política de guerra nas favelas. Isso tem que acabar”,
declarou.