Sábado, 20 de julho de 2013
Fernando Orotavo Neto
Tribuna da Imprensa
As vezes me pego pensando – mau hábito que tenho – se o sistema de freios e contrapesos (checks and balances),
pilar do princípio da separação dos poderes, previsto no art. 2º da
Constituição, adotado por inspiração dos gregos, que conceberam o seu
primeiro modelo, e, depois, pela genialidade de Montesquieu, que o
aprimorou, vem sendo utilizado de modo eficaz pelos poderes
constituídos, principalmente para refrear práticas evidentes de mau uso
do patrimônio público ou, como prefiro chamar, de desgovernança
patológica.
Este princípio – explico para quem é leigo, em apertada síntese –
visa a tripartir as funções dos poderes constituídos (executivo,
legislativo e judiciário,) propiciando a fiscalização permanente, por
todos, dos atos praticados por qualquer um deles individualmente, de
modo a evitar que um deles se sobreponha aos demais, tomando,
abruptamente, para si, o controle absoluto dos rumos do governo.
Perdoe-me Alexandre Dumas – que escreveu os Três Mosqueteiros, os quais,
na verdade, eram quatro (o que torna mais assemelhado, ainda, o exemplo
escolhido, já que a imprensa é considerada por muitos o quarto poder
constituído) – pela variação que trago da sua célebre frase; mas, para
entender melhor o princípio, é como se pudéssemos bradar, tal qual seus
personagens, conquanto diferentemente deles: Um por todos, e todos
fiscalizando um!
É esta teoria que, em última análise, permite que a Assembléia Legislativa possa aprovar o impeachment do
Governador (como aconteceu no Caso do Presidente Fernando Collor de
Mello, em virtude da atuação das duas Casas legislativas do Congresso
Nacional), ou que o judiciário possa exercer o controle da legalidade
dos atos do executivo e do legislativo (como aconteceu no famoso caso Marbury versus Madison,
julgado em 1803, pela Suprema Corte do Estados Unidos da América do
Norte, que fez escola no nosso STF), decidindo, inclusive, acerca de
ações de improbidade administrativas dirigidas contra seus agentes.
PRAÇA DE GUERRA
No caso específico do Estado do Rio de Janeiro, que se tornou uma
praça de guerra, devido às manifestações e protestos do povo,
contrariado que está com as mais variadas denúncias de corrupção que
circulam nas redes sociais, nos jornais, nos blogs, na televisão, e nos
demais veículos de comunicação, acerca do suposto enriquecimento ilícito
do Governador do Estado – seja pelas supostas parcerias benevolentes,
firmadas com determinados agentes privados, seja pelo suposto deszelo no
trato da coisa pública, seja, finalmente, pelos supostos favorecimentos
auferidos pela primeira dama; intriga, espanta e admira que os demais
poderes constituídos da República nada façam, ou tenham feito, até
agora, para refrear os desmandos administrativos e políticos que
assombram tantos quantos deles têm notícia.
Que o Judiciário ainda não se tenha pronunciado a respeito é
justificável, até porque, por princípio, o judiciário não pode se
pronunciar de ofício, senão quando provocado (judex ne procedat ex officio - art. 2º do CPC). Porém, o que não se concebe é que, diante de tão ostensivos indícios de favorecimento, enriquecimento ilícito e corrupção, o legislativo estadual se omita em votar o impeachment do
Governador do Estado do Rio de Janeiro (ocasião em que poderá
investigar e apurar a veracidade ou falsidade das denúncias midiáticas),
bem como a Procuradoria Geral do Estado poste-se inerte, demitindo-se
do seu dever de instaurar o inquérito civil que precede à propositura da
ação de improbidade administrativa, para fins outros e correlatos, tal
como o de obter o ressarcimento civil dos prejuízos causados ao erário,
na hipótese de serem comprovadas, na ambiência do inquérito, as
denúncias de malversação do patrimônio público levadas ao conhecimento
do povo, todos os dias, às escâncaras.
Que não haja prova da culpa até se pode admitir, mas que há indícios
suficientes a justificar a pronta atuação dos poderes legislativo e
judiciário, visando o controle dos atos do executivo estadual, isto há; o
que já seria suficiente para legitimar a promoção das medidas antes
elencadas e indicadas. Ou não se pode chamar de indício as nababescas
viagens a Paris com fornecedores e prestadores de serviço privados do
Estado, todos portando guardanapos na cabeça em frente ao Ritz?
Ou não se pode chamar de indício as licitações ganhas sempre por uma
mesma construtora, cujo dono viagem a Paris com o Governador? Ou não se
pode chamar de indício a utilização de helicópteros de propriedade do
Estado para fins particulares? Ou não se pode chamar de indício duas
propriedades suntuosas em Angra dos Reis, paraíso dos milionários? Ou
não se pode chamar de indício a existência de cavalos milionários na
hípica? Ou não se pode chamar de indício o noticiado desvio de verbas da
saúde pública, dentre tantas outras que não caberiam aqui citar, pois,
pelo tamanho, que vai longe, sequer conseguiriam espaço nas finadas
listas amarelas? Mais que indícios, tais práticas constituem violenta
bofetada na cara do povo do Rio de Janeiro; do qual não se pode exigir
limpamente, isentamente, honestamente, que a tudo assista de forma
passiva e acovardada.
SINAIS DE RIQUEZA
O povo tem o direito de saber como um jornalista que morava em
Cavalcanti, subúrbio do Rio, e sempre auferiu vencimentos decorrentes do
exercício de cargos públicos, pode ostentar tantos sinais aparentes de
riqueza. Portanto, Sr. Governador, o quebra-pau que acontece,
insistentemente, na Zona Sul do Rio de Janeiro, não se deve a incitação
de outros partidos políticos tentando desestabilizar o seu Governo.
Porque, disto, já cuidou o senhor. Daí a razão do seu esperneio, a olhos
vistos, não passar de uma desculpa esfarrapada, que de balela não
passa.
A mobilização que Vossa Excelência assiste na rua, atônito, todos os
dias, na porta da sua casa, tem origem na indignação. No verdadeiro e
justo sentimento de indignação de um povo que cansou de ver o senhor
jantar no Antiquarius, em Paris, andar de helicóptero com seu
cachorrinho (ou cachorrinha, sei lá) deslocando-se à Angra dos Reis,
para descansar em sua mansão no fim de semana, enquanto milhares de
pessoas morrem nos hospitais, sem remédios e atendimento, enquanto os
bombeiros e professores percebem remuneração de fome, enquanto o cidadão
comum não pode andar nas ruas sem ser assaltado. Quem pode lhe explicar
o que está acontecendo Governador é, talvez, a frase do sublime poeta
Murilo Mendes: “O cúmulo da miséria moral é explorar a miséria alheia”.
Até porque Governador, pelo menos para o senhor, eu não preciso
responder à pergunta feita no início deste artigo, já que o senhor sabe,
melhor do que ninguém, que o sistema de freios e contrapesos não está
sendo utilizado de forma eficaz no Rio de Janeiro. Trocando em miúdos, o
senhor bem sabe que, diante de todos os indícios apontados
diuturnamente nos jornais, o senhor não está respondendo a processo de impeachment,
perante o legislativo estadual, ou respondendo a ações de improbidade
administrativa, perante o Judiciário, pelo simples fato de que a sua
bancada possui maioria na Assembléia Legislativa, e de que foi o senhor
mesmo quem nomeou o Procurador Geral do Estado, agente do Estado que
detém competência funcional para processá-lo – embora devesse, pois ele é
procurador do Estado, vale dizer, do povo do Rio de janeiro, e não do
Governo, ou seja, do senhor, que, ao menos aparentemente, tem dinheiro
suficiente para contratar os melhores advogados do País, enquanto 90% da
população que almeja justiça, ao contrário, tem que pegar senha e
esperar sua vez para ser atendido na defensoria pública. Por isso, e não
por melhor razão, o senhor está blindado, Governador.
Na minha opinião, chegou a hora de protestar pela abertura do processo de impeachment,
na porta da Assembléia, e pela abertura dos inquéritos tendentes à
ensejar a propositura de ações de improbidade administrativa, na porta
da Procuradoria Geral do Estado, sob pena de o movimento de indignação
vir a se enfraquecer pela ausência de realização de medidas práticas e
proficientes.
Cabral é um nome cármico da nossa história: um descobriu o Brasil; já o outro, enxovalha o Rio de Janeiro.
Aqui me despeço, Desgovernador, e espero que o povo do Rio de Janeiro
responda aos seus devaneios e invectivas nas urnas, em 2014.
Fernando Orotavo Neto é Advogado, Jurista e Professor Universitário.