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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 18 de julho de 2013

PT usa truque no Congresso

Quinta, 18 de julho de 2013
Por Ivan de Carvalho
Um truque de linguagem levou o Congresso – inclusive as bancadas evangélica, católica e da família – a aprovar um projeto de lei que estimula o aborto, facilitando-o no sistema único de saúde. O projeto, de autoria da deputada Yara Bernardes, do PT paulista, foi aprovado sem nenhuma oposição, pois, pela maneira arrevesada como foi redigido, passou despercebido entre vários outros postos em votação consecutivamente. O fato está provocando intensa mobilização política no Congresso e muita irritação.

         O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, deputado Marco Feliciano, que é pastor evangélico, reconheceu ter culpa na questão, e disse que a aprovação foi resultado de um “vício” que a Câmara abriga na análise de projetos. “Nessa Casa, usa-se muito a palavra-chave. E esse projeto não traz a palavra aborto. Aí que nos pegaram. Eles foram muito sagazes”.

         Não há dúvida de que o projeto foi aprovado somente graças a essa esperteza. De outra forma, não obteria maioria, muito menos concordância geral para sua aprovação. Até o deputado e capitão Jair Bolsonaro, do PP do Rio de Janeiro, conhecido por suas posições intransigentes, uma delas contra o aborto, pediu perdão ao padre Paulo Ricardo de Azevedo Júnior, que é mestre em Direito, durante uma audiência pública realizada sobre o assunto na Câmara. Disse que é deputado há muitos anos e não tinha o direito de deixar-se enganar.

         O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, deputado Marco Feliciano, encaminhou um ofício à presidente Dilma Rousseff, ontem mesmo, pedindo o veto aos incisos IV e VII do artigo 3º do projeto aprovado. Mas o padre Paulo Ricardo de Azevedo Júnior sustentara, antes, que este não seria o caminho, pois tais vetos desconstruiriam, na realidade, todo o projeto, já que os incisos citados eram – se podemos escrever assim – a alma do negócio. A lei, portanto, não se sustentaria, não teria efeito prático.

Azevedo Júnior recomendou que se lute pelo veto total. O “pedido de veto total” foi feito, com data de terça-feira, dia 16, e está assinado pelo padre Bernardo Braz, coordenador da Comissão em Defesa da Vida – Regional Sul 1 da CNBB, padre Paulo Ricardo de Azevedo Júnior, presidente do Instituto Padre Pio e Paulo Fernando da Costa, vice-presidente da Associação Nacional Pro-Vida e Pro-Família.

         Parece que as forças católicas e evangélicas que estão se movendo para reverter o engodo praticado pela deputada do PT gaúcho sobre o Congresso ao redigir um projeto voltado para a facilitação do aborto sem escrever o nome aborto nele – ela tomou emprestada ao jargão médico a palavra “profilaxia” para formar a expressão enganosa “profilaxia da gravidez”. Isto deu ao deputado pastor Marco Feliciano, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, a chance de protestar que gravidez não é doença, nem doença, algo a ser considerado nocivo, é a criança que dela pode nascer.

         Para resumir o objetivo do projeto em poucas palavras, ele pretendia que o sistema de saúde assegurasse “imediatamente” a “profilaxia da gravidez” de qualquer mulher que houvesse sido vítima de violência sexual (o projeto não usa a palavra estupro, suponho que para não chamar a atenção dos parlamentares que tinham de votá-lo para o tipo de coisa que nele estava sendo engendrada) e ainda as esclarecesse sobre questões de direito (criminal), que não são bem uma função de uma unidade de saúde. Mas poderiam, sim, estimular uma decisão de, por exemplo, tomar a pílula do dia seguinte. Mas o que garantiria – numa grande quantidade ou talvez quase totalidade dos casos – que o estupro não seria apenas uma criação da vítima para livrar-se de uma gravidez ou possibilidade de gravidez decorrente de relação sexual consensual?

        O presidente da Frente Parlamentar Evangélica, Paulo Freire, afirmou que a estratégia a ser usada no diálogo com a presidente Dilma Rousseff é a da pressão: “Só com essas frentes temos por volta de 200 deputados e vamos à presidente pedir esse veto a esse projeto absurdo”, disse ele ao UOL.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.