Sexta, 9 de novembro de 2013

Foto de Flavinho Santos
Por mim convidada a escrever para o
blog Brasília, por Chico Sant’Anna, algumas linhas sobre a polêmica do
Projeto de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília, o PPCUB
enviado pelo governo Agnelo à Câmara Distrital, a arquiteta e filha de
Lucio Costa, o urbanista que projetou Brasília, me enviou as seguintes
reflexôes, abaixo.
Chico Sant’Anna
Para entender o Tombamento de Brasília e a Portaria 314 do Iphan
Quando o governador José Aparecido propôs o tombamento de Brasília –
apenas 25 anos depois de inaugurada – criou-se uma situação inedita:
como tombar o que ainda estava em obras? O Iphan, até então, tombava
construções, mesmo em se tratando de proteger conjuntos urbanos, como
Ouro Preto ou o Pelourinho.
Quem descobriu a solucão foi o arquiteto Ítalo Campofiorito Ele
“captou” a essência da proposta de Lucio Costa – Brasília “nasceu já’
pronta, como Minerva”, e foi implantada exatamente assim, como foi concebida – como roupa de adulto dentro da qual se colocou a capital recém-nascida.
E foi essa sintonia absoluta entre concepção e implantação que tornou possível a transferência definitiva da capital.
Leia também:
Italo então propôs que se tombasse, exatamente, a concepcão de
Lucio Costa, que definiu a configuração do espaço urbano através da
estrutura viaria, da volumetria construída e do paisagismo,
estabelecendo critérios basicos de uso e ocupação do solo pertinentes a
cada uma das chamadas Escalas Urbanas.
É disso que trata a portaria 314 – que não tomba nenhuma construção: o
que é preservado é o projeto urbano. Vale dizer, que a portaria 314
fornece os critérios necessários e suficientes para que se avalie se
intervenções propostas (inclusive se aprovadas pelas NGBs da
administração local), são ou não compatíveis com o conceito original da
cidade, que o tombamento impõe que se preserve. Ou seja: se Brasília
fosse uma composiçãomudical, o objeto do tombamento seria a “partitura”.
Os “arranjos” são possíveis, na medida em que não comprometam a
partitura original.
Brasília e suas Escalas Urbanas
Cada uma das Escalas Urbanas, como definidas por Lucio Costa, tem um caráter próprio, que prevalece.
Ou seja:
Na Escala Monumental o ritmo da ocupação
é altivo e sua intenção é conferir à cidade a dignidade inerente a uma
capital, através da criação de uma paisagem construída bela, poderosa e
identificada desde o primeiríssimo momento: o impacto da presença da
Esplanada, com a Praça dos Três Poderes, permanece o mesmo, desde
21/04/1960!
Ali, a abordagem paisagística do Plano Piloto rege a presença do verde, de acordo com o que propõe a Escala Monumental -
ou seja: canteiro central simplesmente gramado do Congresso até à Torre
de TV (Roberto Burle Marx entendeu isso e abriu mão do seu projeto, mas
o GDF todo-poderoso, com apoio do Iphan pretende alterar isso. Não
Pode!!), Praça dos Três Poderes tratada como praça seca, apenas com o
fórum de palmeiras imperiais (pelo amor de Deus, que não inventem de
plantar arvores floridas lá!!!)
Na Escala Residencial, o partido
paisagístico atua de forma clara na configuração física e de uso que a
constitui: a cercadura arborizada que determina o espaço próprio de cada
Superquadra, com sua entrada única para veículos, e seu interior mais
próximo de um quintal comum do que de um jardim, ao mesmo tempo
configuram um “remanso urbano” para o cotidiano, e, definindo no espaço
os grandes quadrados, permitem o indispensável diálogo visual entre Escala Residencial e a Monumental.
Na Escala Residencial, a Bucólica faz suas
inserções mais à vontade e dá esse ar descontraído, que todo morador de
Superquadra conhece muito bem, e que eu chamei há pouco de “quintal”,
mais do que jardim.
Aproveito para lembrar que o que foi chamado de Superquadra no
Noroeste, NÃO É SUPERQUADRA. Superquadra de verdade não é lugar de
passagem, por isso tem entrada única para veículos, o que cria um
inesperado e simpático parentesco com a vila.
Na Escala Gregária – a última a ter tido
condições de se configurar – ancorada no extraordinário ímã agregador
que é a Rodoviária, mais a concepção dos dois Setores de Diversões, com
suas pracinhas anexas, como complemento da própria Plataforma Rodoviária
– aconteceu, a meu ver, um equívoco no desenvolvimento dos setores
centrais, exemplarmente óbvio no infeliz Setor Comercial Norte .
A Escala Gregária não quer saber de inserções bucólicas, tão benvindas na Escala Residencial. O
que ela pede são calçadas largas, confortáveis para se andar, pequenas
praças, ramblas, percursos claros …, finalmente, estamos no … centro da
cidade!
E a Escala Bucólica, finalmente, determina o
modo de ocupação admissível no conjunto da área entre o “avião” e o
lago, ou seja, o “o que” e “o como”. É ela que rege a relação entre
áreas edificandi e não edificandi … Na realidade, acho que todo
brasiliense sabe do que eu estou falando! Ela quer franco predomínio das
áreas livres, não edificadas, e quando edificadas, impõe que a ocupação
seja rarefeita, os gabaritos baixos, etc etc etc. (ou seja, tudo o que a
especulação imobiliária odeia)
Voltando às “inserções”:
- A Escala Monumental tem a sua, não quer saber de inserções, nem residenciais nem gregárias.
- A Escala Residencial admite, e gosta, de inserções de caráter bucólico, rejeita qualquer inserção monumental, e admite, com prazer, as inserções gregárias que são os comércios locais… desde que obedeçam, devidamente, ao projeto original.
- A Escala Gregária e a Escala Bucólica não gostam de inserções, são opostas e complementares na partituras musical do Plano Piloto!
Para concluir, Lucio dixit:
“A coisa mais importante de Brasília é o simples fato dela existir.”
Preservar a concepção original do Plano Piloto não é favor nenhum, é
um mínimo de respeito ao testemunho vivo da incrível realização da nação
brasileira que Brasília significa.
PS – Uma sugestão: antes de “interpetarem” o Plano Piloto, procurem compreendê-lo - por extenso.
Maria Elisa Costa
Arquiteta e filha de Lucio Costa