Quinta,
17 de setembro de 2015
Elaine
Patricia Cruz – Repórter da Agência Brasil
A impunidade dos agentes públicos
responsáveis por violações aos direitos humanos durante protestos no país
prejudica e sufoca as manifestações, a avaliação é da organização não
governamental (ONG) internacional de direitos humanos Artigo 19. A ONG
participou hoje (17), na Matilha Cultural, em São Paulo, de um debate sobre a
violação de direitos nas manifestações.
Segundo a advogada da organização,
Camila Marques, a falta de responsabilização nas violações cometidas por
policiais provoca, em um primeiro momento, o esvaziamento das ruas. “É um
efeito intimidatório muito grande que essa sensação de impunidade - de que os
policiais podem fazer tudo e de que nada vai acontecer com eles - gera”, disse.
Segundo a advogada, o único caso
de responsabilização criminal em protestos ocorreu no Rio de Janeiro, com a
condenação do major Fábio Pinto Gonçalves e do tenente Bruno César Andrade
Ferreira por forjarem um flagrante de porte de morteiros contra um menor de
idade. “Tem inúmeros vídeos na internet que mostram ações policiais abusivas,
policiais forjando flagrantes, policiais prendendo arbitrariamente e raríssimos
casos de responsabilização”, afirmou.
Os agentes do Estado não são
punidos, de acordo com Camila, porque é preciso, primeiramente, que os órgão de
fiscalização denunciem esses casos à Justiça, o que ocorre em poucos situações.
“Também lidamos com um Poder Judiciário que muitas vezes atua no sentido de
proteger o policial e criminalizar os manifestantes”, disse.
Para a defensora pública Daniela
Skromov, a impunidade é resultado do próprio processo penal, que trata os casos
de forma individual ou por conduta individual do agente público. “O processo
penal trata dos casos individuais sempre. Ele não trata da coisa sistêmica”,
disse. Ela entende que a punição deveria abranger as instituições e o próprio
Estado. “Há uma baixa densidade democrática nas instituições e não só da
polícia”, acrescentou.
Relatório
Na semana passada, a Artigo 19
divulgou um relatório em que diz que ao menos 849 pessoas foram detidas em 740
protestos ocorridos nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo entre janeiro de
2014 e junho de 2015. O documento destacou também uso de armamento letal na
contenção de algumas manifestações. No período investigado, foram confirmados
quatro atos em que houve o uso de munição letal pela polícia: um deles na
capital paulista e três na capital fluminense.
O relatório diz ainda que
protestos recentes provocaram a morte de sete pessoas. Entre elas, o
cinegrafista Santiago Andrade, em fevereiro de 2014 no Rio de Janeiro, e a mais
recentemente, em maio deste ano, em um protesto na Rodovia Transamazônica, que
causou a morte dos trabalhadores rurais Leidilene Machado e Daniel Vila Nova,
que foram atropelados após um carro furar o bloqueio feito pelos manifestantes.
Legislação
De acordo com a ONG, além da
impunidade dos agentes, da criminalização dos manifestantes e dos movimentos
sociais e do incremento do aparato policial com a compra de caminhões que
disparam jatos d'água e carros blindados, por exemplo, as manifestações também
foram censuradas ou debeladas mais recentemente no país com a utilização da
legislação. Segundo a Artigo 19, é o caso, por exemplo, do que ocorreu na greve
dos professores de São Paulo este ano, que durou mais de três meses.
A Justiça paulista proibiu que os
professores se manifestassem nas rodovias de São Paulo e, além disso, acatou o
corte de pontos dos salários dos professores conforme determinou o governo do
estado. Decisão depois revertida no Supremo Tribunal Federal, que mandou ainda
restituir o valor retido aos professores.
“O Estado, em todas as suas
esferas, atuou para reprimir esse direito [de manifestação]. Não era mais só
policiais nas ruas, mas o Judiciário e também o sistema de Justiça como um todo
proferindo decisões sobre um viés ideológico, em vez de se pautar por
princípios que guiam o Estado Democrático de direito”, disse Camila.
Segundo a advogada da Artigo 19, o
Ministério Público em geral, por exemplo, na sua opinião, "abriu
inquéritos policiais irregulares que não buscavam investigar um crime, mas
mapear os movimentos sociais”, e que o Poder Legislativo
propôs “projetos de lei extremamente restritivos no sentido de criminalizar
o uso de máscaras e aumentar penas”.
“O Estado utilizou da legislação
para conter as manifestações”, afirmou Maria Izabel Azevedo Noronha, presidenta
do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo(Apeoesp).
Segundo ela, o ponto central dessa ação foi o corte dos salários dos
professores grevistas. “O corte do salário dos professores foi determinante
[para o fim da greve]”, disse.
A presidenta da Apeoesp lembrou
que o Supremo Tribunal Federal está discutindo atualmente uma lei que permite o
corte de ponto dos servidores públicos. Na avaliação da sindicalista, isso
dificultaria o direito dos trabalhadores de fazer greve. Segundo Maria Izabel,
os sindicatos também olham com preocupação para o projeto de Lei Antiterrorismo
[Lei 2016/15], aprovado na Câmara e que está em tramitação no Senado. “Teremos
que ter uma agenda política, além da agenda judicial, de mais ocupação das
ruas”, afirmou.
“A repressão não está só no
Executivo, está no Judiciário e no Legislativo também. Há vários projetos de
lei que tentam formas de restringir o direito à manifestação. Vemos com muita
preocupação isso”, disse Raquel Brito, diretora do Sindicato dos Advogados de
São Paulo.
“Devemos estar muito atentos a
todas essas propostas legislativas. Foram [propostas] mais de 30 leis e sempre
se pensando na criminalização dos direitos de manifestação”, acrescentou.
Segundo Raquel, muitas leis foram
aprovadas, como a de se proibir o uso de máscaras nos protestos, ressaltando
que houve propostas positivas como a que proibia o uso de balas de borracha em
protestos em São Paulo, mas que foi vetada pelo governador paulista. “Quase
nenhuma proposta positiva está avançando”, disse.