Por Aldemario Araujo Castro
Procurador
da Fazenda Nacional, Professor da Universidade Católica de Brasília – UCB, Mestre
em Direito pela Universidade Católica de Brasília – UCB e Conselheiro Federal
da Ordem dos Advogados do Brasil (pela OAB/DF)

A AGU não é um Ministério. Nos exatos termos da
Constituição, a Advocacia-Geral da União é uma instituição de Estado. Anote-se
que o legislador pode extinguir um Ministério, mas não pode eliminar a
Advocacia-Geral da União do desenho estatal.
Aparece a AGU, ou a Advocacia Pública, como uma das quatro
Funções Essenciais à Justiça, ao lado do Ministério Público, Defensoria Pública
e Advocacia (privada ou geral). Importante conclusão derivada da topologia
constitucional e da evolução acerca da compreensão do funcionamento do Estado
Democrático de Direito indica que a AGU não integra nenhum dos Poderes
clássicos ou tradicionais do Estado.
A AGU e suas carreiras jurídicas, devidamente
constitucionalizadas, são extremamente importantes para a sociedade e para o
Estado. Com efeito, na efetivação de suas competências de representação
judicial e extrajudicial, consultoria e assessoramento jurídico, a instituição
e seus membros buscam a juridicidade dos atos e contratos administrativos
(realizando o mais eficiente combate preventivo à corrupção e às demais formas
de malversação do patrimônio público), defendem as autoridades constituídas
(quando é o caso), contribuem de forma decisiva para a implementação das
políticas públicas, arrecadam e economizam algumas centenas de bilhões de reais
(foram 625 bilhões somente em 2014, segundo dados oficiais).
Não obstante a enorme importância da Advocacia Pública
Federal, como antes ressaltado, observa-se, particularmente nos últimos anos,
um preocupante quadro de aviltamento das condições de trabalho no âmbito da
AGU. As remunerações experimentam considerável distanciamento dos padrões
definidos para as demais carreiras integrantes das Funções Essenciais à
Justiça, os sistemas e equipamentos de informática não atendem as exigências do
serviço, boa parte das instalações físicas são precárias, faltam veículos para
o transporte de advogados e processos, inexiste uma carreira de apoio
específica e especializada, faltam as prerrogativas funcionais necessárias para
a mais eficiente atuação do advogado público, entre outras tantas deficiências
e mazelas.
Paralelamente ao perverso processo de aviltamento estrutural
da Advocacia Pública Federal, busca-se implementar, a todo custo, uma nefasta
concepção de Advocacia de Governo completamente refratária aos mais elementares
padrões de legitimidade democrática. A valorização e o fortalecimento de
centenas de cargos comissionados de direção e chefia, identificados como uma
“cadeia de comando” profundamente hierarquizada, sufocam a realização de uma
gestão participativa e atingem fortemente a independência técnica dos advogados
públicos federais. Nesse sentido, destaca-se a autoridade do alerta de Maria
Sylvia Zanella de Dietro: “A regra é que as autoridades administrativas, mesmo
quando revelem inconformismo com a submissão à lei e ao Direito – que muitas
vezes constituem entraves aos seus objetivos – consultem a advocacia pública,
ainda que a lei não exija sempre essa consulta. Mesmo quando quer praticar um
ato ilícito, a autoridade quer fazê-lo com base em parecer jurídico; para esse
fim, ela pede e pressiona o órgão jurídico para obter um parecer que lhe
convenha (daí a importância da inserção da advocacia pública fora da hierarquia
administrativa, para fins de exercício de suas funções institucionais; daí
também a importância da estabilidade dos membros da advocacia pública). A
autoridade quer, na realidade, dar aparência de legalidade a um ato ilegal e,
para esse fim, quer refugiar-se atrás de um parecer jurídico, até para
ressalvar a sua responsabilidade. O advogado público que cede a esse tipo de
pressão amesquinha a instituição e corre o risco de responder administrativamente
por seu ato. Estará agindo de má-fé e poderá ser responsabilizado” (Revista
Consultor Jurídico, 20 de agosto de 2015).
Praticamente desde o início do ano em curso, os advogados
públicos federais realizam uma inédita mobilização buscando a superação desse
quadro institucional profundamente deteriorado. Como parte desse processo,
foram “entregues” mais de mil cargos de chefia e direção nos vários órgãos da
AGU.
As reivindicações estão concentradas na aprovação das PECs
82 e 443, em tramitação na Câmara dos Deputados. A primeira, assegura as
autonomias administrativa, orçamentária e técnica da Advocacia Pública e
delimita a singular independência técnica dos advogados públicos informada pela
juridicidade, racionalidade, uniformidade, defesa do patrimônio público, da
justiça fiscal, da segurança jurídica e das políticas públicas. Já a PEC 443
viabiliza a justa e necessária paridade remuneratória entre as carreiras da
Advocacia Pública e as demais integrantes das Funções Essenciais à Justiça.
A “nova AGU” em construção, expressão dita e repetida pelos
membros do órgão diariamente, passa pela consciência de que uma AGU forte,
construtiva, respeitada e valorizada, depende de uma profunda mudança de
paradigmas. Impõe-se, nesse processo, a destruição de velhas práticas e formas
de pensar a atividade da advocacia pública. É inevitável lembrar Thomas Kuhn
(não é Paulo Kuhn, Procurador-Geral da União) e sua célebre obra “A Estrutura
das Revoluções Científicas”. Esse importante pensador rejeita a concepção de
evolução linear em favor da ideia de "revolução científica". Para
Kuhn, a “revolução científica” consiste num processo de superação de um
paradigma por outro, onde ocorre, a partir de uma crise, uma nova visão a
respeito de um determinado fenômeno.
Emblemático exemplo da lógica dominante na velha AGU pode
ser observado na Portaria PGFN n. 641, de 2011. Esse normativo disciplina a
produção de atos no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Na
referida portaria, um enunciado em especial chama atenção. Trata-se do art. 22
com a seguinte redação: “Os atos previstos nos incisos VII, VIII, IX, XI e XIV
do art. 2o desta Portaria só se aperfeiçoam quando aprovados pela autoridade
competente e devidamente numerados”. Os atos mencionados são: parecer, nota,
informação, manifestação processual (“qualquer peça destinada a compor os autos
de um processo judicial ou administrativo”) e nota justificativa (“justifica a
não apresentação de contestação e a não interposição de recursos em processos
judiciais ou administrativos”). Já as autoridades competentes são os chefes
(detentores de cargos comissionados de direção).
Observa-se, para espanto geral, que certas manifestações
jurídicas somente se aperfeiçoam, ou seja, existem juridicamente, se aprovadas
por autoridades integrantes da “cadeia de comando” da PGFN. Trata-se, sem a
menor sombra de dúvida, de ato inconstitucional, ilegal, imoral e irrazoável.
Com efeito, a condição de advogado, e de advogado público federal,
expressamente previstas na Constituição e no plano legal (Estatuto da Advocacia
e da OAB e Lei Orgânica da AGU) foi literalmente suprimida. A manifestação ou
atuação do advogado, do profissional da advocacia, foi cassada. Somente um
“aprovo”, “concordo” ou “homologo” daria vida e substância ao ato do advogado
(público federal). Trata-se, obviamente, de um rematado absurdo.
São essas claras e inequívocas expressões de desprezo pelo
advogado público federal, no seio dos órgãos da AGU, que alimentam uma
mobilização nunca antes vista no âmbito da advocacia pública. O maior
aprendizado desses dias de intensa agitação, na melhor acepção do termo, é a
percepção de que o padrão adequado de AGU (inovadora, construtiva, republicana
e destemida) é/será obra de seus membros.
A realidade da valorização e da dignidade profissional (dos
advogados públicos federais), o reconhecimento do status constitucional das
carreiras de advogados públicos federais (com prerrogativas, garantias e
remunerações condizentes), o desmonte das “cadeias de comando” (e dominação), a
supressão de privilégios odiosos decorrentes da inserção nas “cadeias de
comando” e a construção de ambientes decisórios participativos e horizontais
são diretrizes fundamentais da “Nova AGU” que surge com a promessa de sepultar
as práticas e concepções retrógradas da “Velha AGU”.
A vitória da “nova AGU” interessa a sociedade brasileira.
Afinal, é um importante anseio de amplos setores sociais a construção de uma
Administração Pública mais eficiente e refratária a todas as formas de
malversação do interesse público.