Quarta, 23 de setembro de 2015
Da Tribuna da Imprensa
Igor Mendes
Não é de
hoje que o típico domingo de praia dos cariocas é objeto de feroz disputa
política. As tentativas de restringir o acesso do “populacho”, dos
“farofeiros”, a esse bem público coincidem com a consolidação da beira-mar como
espaço nobre, privativo da high society –o que só ocorreu recentemente, lá pela
metade do século passado.
Quantos são
aqueles capazes de derramar lágrimas (de crocodilo?) perante a “crise
imigratória” que assola atualmente a Europa e ao mesmo tempo tratar com ódio e
indiferença os marginalizados de nosso próprio País? Recente decisão judicial
proibindo que a Polícia detenha jovens que não sejam pegos em flagrante delito
comprova que também aqui temos os nossos cidadãos de segunda classe, afinal, ninguém
pode ser preso sem ter cometido qualquer crime, nem pode ser considerado
suspeito devido à cor da pele, idade ou vestimenta. Em tese.
Qual o
limite desse Estado (e estado) de exceção, onde devem-se incluir também as
chacinas, autos de resistência e linchamentos?
O limite,
diz-nos a História, é a barbárie, o extermínio de populações inteiras, o
genocídio.
A
Prefeitura anunciou o fechamento das linhas que ligam diretamente a zona norte
aos bairros (às praias) da zona sul. Não tardará a proposição da construção de
muros cercando a orla e os prédios luxuosos no seu entorno. Na Barra da Tijuca
isso já foi feito, de modo apenas um pouco mais sutil. O apartheid está aí, só
não vê quem não quer.
*
A
proliferação da violência urbana, associada ao aumento da pobreza e uso de
drogas pela juventude, é um problema bastante real e seria um esforço
fantasioso pretender ignorá-lo. Forçoso é reconhecer que os que são
apresentados como “vilões”, a juventude empobrecida, são de fato as maiores
vítimas da profunda crise de decomposição social que nos atinge –são eles os
mais expostos à morte violenta, ao encarceramento, à falência dos serviços
públicos. É revoltante observar como, entre nós, os crimes contra a propriedade
causam espécie, ao passo que os crimes contra a vida, sobretudo quando
institucionalizados –como no caso dos autos de resistência - são naturalizados
e invisibilizados pelos mesmos que ora clamam pela redução da maioridade penal,
etc, etc. Essa é, realmente, a moralidade fascista de uma burguesia imoral.
Pior é
observar a contraposição “justiceiros vs bandidos”, estampada nas capas dos
jornais! Ora, do ponto de vista estritamente legal, os que se organizam para
sair por aí agredindo os outros são bandidos, cujos delitos são tão ou mais
graves que aqueles supostamente combatidos por essas gangues. Diante disso age
o governo, entretanto, e os policiais nas ruas, com uma mal disfarçada
condescendência, quando não descarada cumplicidade. Trata-se, afinal, de mera
“autodefesa”, nos dizem. Assim começaram as milícias, lembram? Lembra, sr.
Eduardo Paes?
A pergunta
é: como reagiriam esses governantes, e essa imprensa terrorista, que vive do
permanente clima de pânico que consegue destilar sobre as pessoas, como
reagiriam se nas favelas cariocas os jovens igualmente decidissem organizar-se
em grupos para autodefender-se dos atropelos e brutalidades praticados pela
polícia e grupos criminosos que lá atuam? Veríamos a mesma condescendência?
Veríamos a PM observando tudo passivamente? Veríamos os noticiários aplaudindo?
Pois é.
Quem com ferro fere, um dia, provavelmente, com ferro será ferido.