Quarta, 16 de setembro de 2015
Do ESQUERDA.NET 
Os sírios são cerca de metade
 do contingente de refugiados chegados à Europa. Mas não são os únicos. E
 não é o único lugar de que se fala nestes dias para analisar esta 
avalanche humana.
Por David Lazkanoiturburu
15 de Setembro, 2015
Fronteira entre Hungria e Sérvia - Foto Freedom House/flickr
O
 que se segue é uma pequena e incompleta fotografia do drama da 
avalanche de refugiados. Um drama que está a concentrar a atenção do 
mundo, mas em que não faltam os tópicos. E é sabido que há uma fina 
linha desde o tópico à demagogia.
Porquê agora?
Nos campos de refugiados sírios na Turquia, no Líbano e na Jordânia, a ajuda humanitária foi reduzida e as condições de vida deterioraram-se
Nos campos de refugiados sírios na Turquia, no Líbano e na Jordânia, a
 ajuda humanitária foi reduzida e as condições de vida deterioraram-se. 
“O Programa Alimentar Mundial concedia-lhes 27 dólares mensais (por 
pessoa) até ao ano passado, em julho baixou-o para 19 e atualmente é de 
13,5 dólares”, denuncia Dana Suleiman, porta-voz do Alto Comissariado 
para os Refugiados da ONU (ACNUR). Não se pode esquecer que estes países
 limítrofes acolhem 10 vezes mais refugiados sírios do que todo o 
continente europeu.
Além disso, as escassas perspetivas de solução do conflito sírio e a 
convicção crescente de que nunca poderão voltar à sua pátria força-os a 
fugir para a Europa. Isto é extensível a boa parte dos conflitos que 
assolam vastas zonas do mundo.
Têm pressa
A decisão [entretanto alterada1]
 da Alemanha de deixar de devolver os requerentes de asilo sírios aos 
países de entrada na UE incita os que duvidavam até agora em fazer a 
viagem, num indubitável efeito chamada. A isso se soma o provável 
encerramento, e que se prevê proximamente, de algumas rotas de acesso, 
porque Bruxelas está a pressionar a Grécia e a Itália a que abram 
centros de retenção e de classificação dos refugiados, depois de acusar 
ambos os países de “fecharem os olhos” e deixarem passar para os países 
vizinhos os imigrantes que chegam à sua costa. Na mesma linha, e no que 
aponta para um efeito chamada, mas contrário ao que denuncia sempre a 
direita, o anúncio por parte da Hungria de que ultima a construção de um
 muro de 4 metros de altura leva muitos a apressarem-se, já que ainda 
podem atravessar pelas espirais de arame farpado de pouco mais de um 
metro, na fronteira com Sérvia.
Quantos são?
Mais de 350.000 pessoas atravessaram o Mediterrâneo desde janeiro e 
certificou-se a morte na travessia – a imensa maioria afogados –, de 
2.500, segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), o 
ACNUR e a Frontex, a agência da UE para o controle das fronteiras 
externas. Houve casos recentes de morte por asfixia, como as 71 pessoas 
falecidas que apareceram dentro de um camião numa autoestrada austríaca 
(foram encontrados 17 bilhetes de identidade sírios, iraquianos e 
afegãos).
Apesar de tudo, os refugiados que entram pelo sul da Europa são 
apenas uma parte dos que chegam à UE. A Alemanha espera aceitar 800.000 
pedidos de asilo em 2015, face aos 200.000 do ano passado.
De onde vêm?
Segundo dados da Organização Mundial de Migrações e do ACNUR, os 
sírios representavam em meados de agosto aproximadamente 43% da atual 
avalanche de refugiados que cruzam o Mediterrâneo. No dia de hoje (6 de 
setembro) poderão ser metade, mas não a imensa maioria, como repetem 
insistentemente algumas fontes. Normalmente entram por Grécia, Itália e 
Hungria a partir da Turquia. Seguem-se os afegãos (12%), eritreus (10%),
 nigerianos (5%) e somalis (3%).
Os refugiados africanos, incluindo os de outros países subsaarianos, partem maioritariamente da Líbia.
Os 27% restantes da atual avalanche de refugiados e imigrantes 
procedem de outros países (Iraque, Paquistão,...) incluindo dos próprios
 Balcãs (kosovares, albaneses, sérvios, macedónios). Ao ponto de metade 
dos 185.000 pedidos de asilo registados no primeiro trimestre do ano na 
União Europeia, terem sido pedidos por sírios, afegãos e… kosovares.
Poucos ou muitos sírios?
Segundo dados do ACNUR, mais de 150.000 dos 350.000 refugiados 
contabilizados até à data no Mediterrâneo são sírios. Muitos? 
Evidentemente, mas depende da comparação. A Turquia acolhe atualmente 
cerca de 2 milhões; o Líbano suporta mais de um milhão, em condições 
draconianas, e os refugiados na Jordânia são mais de 600.000. Calcula-se
 que não está a chegar à Europa nem a décima parte dos 4 milhões de 
refugiados sírios. A eles há que somar os 7 milhões de deslocados 
internos provocados pela guerra.
Refugiados no mundo
Em princípios de 2015, contabilizaram-se 52,9 milhões de refugiados, 
deslocados internos e apátridas no mundo. É um número recorde e que tem 
crescido exponencialmente desde 2005, quando foram contabilizados 19,4 
milhões (ainda que então não se tenham contabilizado os repatriados 
depois de um curto período).
Não há dúvida de que sobretudo a guerra na Síria (com um total de 
11,7 milhões de deslocados, mais de metade dos seus 23 milhões de 
habitantes) foi determinante nesta ascensão. Mas não a única. Sem sair 
do Médio Oriente, aí estão as recentemente agravadas crises no Iraque e 
no Iémen, ou os oito recentes novos conflitos em África (Costa do 
Marfim, República Centro-Africana, Líbia, Mali, norte da Nigéria – 2,5 
milhões de deslocados –, República Democrática do Congo, Sudão do Sur e,
 neste ano, Burundi), um na Europa (Ucrânia) e três na Ásia 
(Quirguistão, vários enclaves da Birmânia e Paquistão).
De que fogem?
Os sírios fogem da guerra e dos excessos da repressão do Governo de 
Damasco, do Estado Islâmico (EI) e de grupos rebeldes como a Frente 
al-Nusra (Al-Qaeda). Fugas ao acaso há de todos os tipos, incluindo 
alguns que fogem dos bombardeamentos dos EUA contra posições do EI e da 
al-Nusra.
O mesmo se pode dizer dos refugiados que chegam de países como 
Nigéria, Somália, Paquistão e Afeganistão. No caso afegão reportam-se 
casos de refugiados que fogem temerosos do inegável avanço dos talibãs 
(paralelo à retirada militar norte-americana).
No caso da Eritreia, não fogem de uma guerra provocada pelo Ocidente,
 mas da repressão do regime (conhecido como a Coreia do Norte africana).
Quem são?
Contrariamente a outro dos tópicos em uso, muitos aspirantes a 
refugiados da atual avalanche não se contam entre os mais pobres (estes 
não têm dinheiro nem para fugir e ficam nos países de origem ou no 
máximo refugiam-se nos países vizinhos). Pelo contrário, muitos têm um 
alto nível cultural. Certo é que os mais ricos não fazem a viagem em 
barcos ou barcaças (utilizam, certamente, o avião)
O que se passa na Líbia?
Os líbios não estão a fugir em massa do país. O que alguns estão a 
fazer é lucrar com o negócio de embarcar os refugiados. O linchado líder
 líbio, Muammar Khadafi, atuava como guarda-fronteira da UE e retinha os
 imigrantes no deserto. A deriva da Líbia para um Estado falhado ou para
 um reino de milícias abriu a sua costa à emigração africana.
Enquanto os líbios continuam a cobrar o seu salário ao Estado (tal 
como instaurou Khadafi com os rendimentos do petróleo), tudo aponta a 
que continuarão a lutar entre eles numa espécie de guerra de baixa 
intensidade. Outra coisa é se o dinheiro acabar ou a situação continuar a
 deteriorar-se.
Para onde vão?
Os três destinos mais ansiados pelos refugiados são, por esta ordem, 
Alemanha, Suécia e Grã-Bretanha. Mas no primeiro trimestre deste ano, 
quase metade dos pedidos de asilo tiveram como destinatária a Alemanha 
(40%), seguida da Hungria (18%), Itália (8%), Estado francês (8%), 
Suécia (6%), Áustria (5%) e Grã-Bretanha (4%).
Quantas pessoas obtêm o estatuto de refugiado?
Só 162.000 pessoas conseguiram em 2014 o reconhecimento do seu 
estatuto de refugiadas, de um total de 359.000 pedidos. Também no ano 
passado, registaram-se um total de 625.000 pedidos de asilo (dos quais 
20% solicitados por sírios). A imensa maioria está ainda a ser 
examinada.
Que se passa com as recusas?
Em teoria, as pessoas devem ser repatriadas para o seu lugar de 
origem ou para o país em que entraram na UE. Algo impossível na atual 
situação tanto na Líbia como no Médio Oriente.
Que faz a UE?
Adiar. Com exceção da chanceler alemã, Angela Merkel, o resto dos 
países continua a tentar ganhar tempo, o que os refugiados não têm. 
Depois de quase dois meses de crise, convocaram para 14 de setembro uma 
cimeira de ministros do Interior e da Justiça! [a reunião nada decidiu2]
Os países do leste europeu (ex-socialistas) e a Espanha são os mais 
significativos na recusa, até de quotas mínimas de refugiados.
Artigo de David Lazkanoiturburu, publicado em 6 de setembro em naiz.eus. Tradução (extrato) de Carlos Santos para esquerda.net
1 Já depois da publicação deste artigo, a Alemanha fechou as fronteiras (veja notícia no esquerda.net)
2 Leia notícia no esquerda.net: Ministros da UE continuam sem resposta para crise dos refugiados
 
 
 
