Sexta, 15 de janeiro de 2016
Siro Darlan, Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e membro da Associação Juízes para a Democracia.
Todo ser humano nasce de um encontro amoroso entre duas pessoas que
imediatamente se tornam responsáveis pelo ser que geram. A
responsabilidade dos pais é irrenunciável. E a Constituição em seu
artigo 227, levando em conta a vulnerabilidade da criança e do
adolescente, seres em desenvolvimento, atribui deveres à família, como o
de educar, a convivência, o respeito e a dignidade, além de primar pelo
desenvolvimento saudável, e ainda, o de assistir, criar e educar os
filhos. Em todos esses verbos estão implícitos o dever de afeto
transpassando como prioridade na relação entre pais e filhos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente é ainda mais explícito quando
evidencia os deveres intrínsecos ao poder familiar não apenas do ponto
de vista material, mas especialmente afetivas, morais e psíquicas,
explicitando os direitos inerentes à pessoa humana, a fim de
proporcionar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e
social, em condições de liberdade e de dignidade. O dever de criação
abrange as necessidades biopsíquicas do filho em suas demandas básicas
tais como o cuidado nas doenças, a orientação moral, o apoio
psicológico, as manifestações de afeto, o vestir, o acolher, alimentar,
ou seja, acompanhamento físico e espiritual ao longo da vida.
O Tribunal de Justiça de Goiás acaba de condenar um homem a
pagar a sua filha que teve fora do casamento à importância de R$500 mil
à qual sempre negou seus direitos, muito embora a tenha registrado
quando nasceu. Em sua petição, a filha afirmou que não que os danos
morais não eram devidos por danos afetivos, já que segundo afirma já
“cicatrizaram e o Judiciário não pode obrigar o pai a dar”, mas pelas
sequelas desses fatos que desencadearam um quadro psicótico e
depressivo, comprovadamente por documentos.
Essa possibilidade do Direito de Família adentrar no campo da
responsabilidade civil é uma tendência moderna dos Tribunais e
decorrência natural do reconhecimento da criança e do adolescente como
sujeitos de direitos, o que veio a corroborar a possibilidade de falar
de danos na relação paterno-filial, derivados do abandono afetivo. O
direito à convivência familiar é do filho e não do pai, logo como
decorrência do poder familiar surge à obrigação de convivência, guarda e
afeto e sua omissão produz sequelas emocionais e reflexos no seu
desenvolvimento que devem ser reparadas. Como afirmou o magistrado em
sua sentença “o dano moral com a dor, em seu sentido mais amplo,
englobando não apenas a dor física, mas também os sentimentos negativos,
como a tristeza, a angústia, a amargura, a vergonha e a humilhação.”.
Os pais que se omitem quanto ao direito dos filhos, sobretudo à
convivência familiar, estão descumprindo obrigação legal, acarretando
sequelas ao desenvolvimento moral, psíquico e socioafetivo dos filhos. E
uma vez demonstrado essa ofensa aos direitos fundamentais de uma
criança, os pais estão sujeitos às penalidades de natureza preventiva,
punitiva ou reparadora, com base no princípio da dignidade da pessoa
humana.