Terça, 12 de janeiro de 2016
Apresentador Marcelo Rezende fez comentários que
pressupunham a culpa de dois suspeitos e sugeria que policiais atirassem
neles; emissora transmitiu a perseguição ao vivo
O Ministério Público Federal em São Paulo ajuizou ação civil
pública contra a Rede Record e a União, devido à incitação à violência
durante exibição ao vivo de uma perseguição policial. Na ação, o MPF
pede que a emissora transmita uma retratação e que a União fiscalize o
conteúdo veiculado pelo programa Cidade Alerta.
O fato que motivou a ação ocorreu em 23 de junho de 2015 e foi
informado ao MPF por meio de uma representação da organização Intervozes
Coletivo Brasil de Comunicação. Na ocasião, o programa Cidade Alerta
exibiu uma perseguição policial a dois homens que seriam suspeitos de
roubo. Durante a ação, transmitida ao vivo, o apresentador do programa,
Marcelo Rezende, fez declarações contra os suspeitos, atribuindo a eles a
autoria do crime de roubo e pediu, por várias vezes, que o policial
atirasse nos homens.
Para o autor da ação, o procurador da República Pedro Antonio de
Oliveira Machado, da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão em
São Paulo, as imagens mostradas eram inapropriadas para o horário e não
respeitavam a finalidade educativa e cultural a que estão subordinadas
as emissoras de televisão. O Coletivo Intervozes lembrou que a exibição
das imagens e o discurso do apresentador ferem o capítulo V da
Constituição ao violar direitos humanos e fazer apologia à violência,
além de desrespeitar o princípio da presunção de inocência. Na avaliação
do procurador o teor do discurso do apresentador tem forte relevância
social já que ele é um formador de opinião e, por esso motivo, deveria
prezar por não incitar a violência e zelar pela dignidade humana.
Questionada sobre o ocorrido, a Rede Record alegou que pelo fato de
ter sido uma transmissão em tempo real não havia possibilidade de
escolher as imagens que seriam veiculadas e também não era possível
prever o desfecho da ação policial. A emissora ainda se justificou
argumentando que a nitidez das imagens estava prejudicada, sendo
impossível identificar as pessoas envolvidas na ação. Para o MPF, no
entanto, ao autorizar e transmitir a perseguição, a Rede Record assumiu a
responsabilidade pelo resultado. Além disso, diferente do que alegou, a
emissora teve a opção de escolha, uma vez que voltou a exibir as
imagens gravadas da perseguição.
PEDIDOS. O MPF requer que a Rede Record veicule uma
retratação, por dois dias úteis, no mesmo horário do programa Cidade
Alerta, em que deixe claro que a emissora não compactua com o
posicionamento de hostilidade e incitação à violência, adotado pelo
apresentador Marcelo Rezende durante a transmissão da perseguição
policial aos suspeitos. Em caso de descumprimento, a emissora deverá
pagar multa de R$ 97 mil por dia. A retratação deve durar o mesmo tempo
da reportagem exibida em 23 de junho.
A televisão (radiodifusão de sons e imagens) é um veículo de
comunicação social que, de acordo com a Constituição Federal (art. 21,
XII, “a”), é um serviço público da União, no caso, explorado por empresa
privada (Rede Record), mediante concessão do Poder Público. Mesmo
considerada a liberdade de imprensa e de expressão, a sua programação
deve sempre observar os valores e princípios constitucionais, dentre
eles a inviolabilidade do direito à vida, a dignidade da pessoa humana, a
cidadania, a promoção do bem de todos, a prevalência dos direitos
humanos e, enfim, o repúdio à violência, por ilegalidade ou abuso de
poder.
Para o procurador, os princípios da liberdade de imprensa e de
expressão, antes de pertencerem a qualquer veículo de imprensa ou mídia,
são conquistas da sociedade, exercitáveis com vista ao bem comum, isto
é, a serviço da coletividade, ante o que consta no preâmbulo da
Constituição sobre os objetivos do Brasil como Estado Democrático de
Direito, que é assegurar o “bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a
justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e
sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem
interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”
Na ação, o MPF pede também que a União fiscalize o programa, sob a
perspectiva do que é estabelecido no artigo 221 da Constituição Federal,
que prevê a observância dos seguintes princípios para a produção e
programação das emissoras de rádio e tv: preferência a finalidades
educativas, artísticas, culturais e informativas; promoção da cultura
nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua
divulgação; regionalização da produção cultural, artística e
jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei e respeito aos
valores éticos e sociais da pessoa e da família.
A ação pode ser consultada no site http://www.jfsp.jus.br/foruns-federais/ sob o número o 0026302-55.2015.4.03.6100.