Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 16 de janeiro de 2016

Prestação de contas da campanha “Somos todos Amarildo”

Sábado, 16 de janeiro de 2016
Do DDH
Instituto de Defensores de Direitos Humanos
A campanha “Somos todos Amarildo”, que contou com a participação de movimentos ligados à defesa dos Direitos Humanos, intelectuais e artistas, como Caetano Veloso e Marisa Monte, tinha dois objetivos: arrecadar dinheiro para comprar uma casa para a família do pedreiro Amarildo de Souza, desaparecido após ser levado à UPP da Rocinha, em julho de 2013, e financiar pesquisa para ajudar na elaboração de políticas públicas sobre o desaparecimento forçado de pessoas.

O primeiro objetivo foi cumprido com a compra de uma nova casa na Rocinha, como desejava a família. O segundo, entretanto, foi inviabilizado pela não colaboração do governo do Estado, que não disponibilizou as informações solicitadas pelos pesquisadores para que os trabalhos pudessem ser iniciados. Integrantes da coordenação pro bono do projeto, formada pelos pesquisadores Julita Lemgruber (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da UCAM), Ignacio Cano (Laboratório de Análise da Violência da UERJ), Michel Misse (Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ) e Glaucio Soares (IESP/UERJ), encaminharam pedidos de informações ao Instituto de Segurança Pública (ISP), órgão ligado ao Poder Executivo, e à Secretária de Segurança Pública, mas não foram atendidos.
Após muitas tentativas frustradas de diálogo devido à lamentável postura do governo do Estado (e sem mais nenhuma alternativa para a continuidade do projeto), o Instituto de Defensores dos Direitos Humanos (DDH), entidade responsável pela gestão do dinheiro, e o grupo de pesquisadores e beneméritos (artistas e juristas envolvidos no projeto) decidiram repassar os recursos à família de Amarildo, ao Grupo Tortura Nunca Mais, à Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência, à Associação de Mídia Comunitária da Rocinha (TV Tagarela), ao Projeto Via Sacra e à Associação Cristã de Ação e Desenvolvimento do Rio de Janeiro. O DDH já transferiu todo o dinheiro.
A família de Amarildo recebeu R$ 136.213,48. As entidades receberam R$ 40 mil cada uma. Os critérios de escolha dos grupos e de divisão do dinheiro foram discutidos e acordados em conjunto. O objetivo foi beneficiar duas entidades que atuam diretamente com violações de Direitos Humanos e desaparecimento forçado de pessoas – Grupo Tortura Nunca Mais e Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência – e três grupos da própria Rocinha.
“Somos todos Amarildo”
Como exposto anteriormente, o objetivo da campanha “Somos todos Amarildo” era reunir recursos para ajudar a família do pedreiro e realizar pesquisa sobre o desaparecimento de pessoas provocado por agentes do Estado. Para arrecadar o dinheiro, foram realizados um jantar leilão com instrumentos doados por artistas e um show de Caetano Veloso e Marisa Monte no Circo Voador. Ao todo, foram recolhidos R$ 359.341,77. Desses foram subtraídos, antes da transferência para a conta bancária do DDH, R$ 50 mil para aquisição de uma casa para a família de Amarildo, sob a assessoria jurídica do Instituto. O valor restante de R$ 309.341,77 foi transferido para gestão do DDH. Com os rendimentos da aplicação bancária, o total chegou a R$ 336.657,18. Desta soma, a família de Amarildo recebeu R$ 136.213,48, sendo que R$ 10 mil foram usados para aquisição de equipamentos e reparos do imóvel, e R$ 443,70 foram gastos com taxas e tarifas bancárias. Somando o valor da aquisição do imóvel com a quantia doada, a família foi beneficiada com R$ 186.213,48, enquanto as cinco entidades apoiadas por seu trabalho receberam cada uma a quantia de R$ 40 mil.
A ideia era produzir o perfil das vítimas e entender como ocorrem os desaparecimentos e quais as principais dificuldades para que os casos sejam devidamente investigados e esclarecidos. O projeto também previa proporcionar atendimento multidisciplinar às famílias, acompanhamento jurídico dos inquéritos e fomentar uma rede de atuação e discussão sobre o tema que envolvesse pessoas e movimentos ligados à defesa dos Direitos Humanos. A estimativa era alcançar 3 mil famílias ao longo de dois anos. A pesquisa seria de extrema importância, porque não é possível elaborar políticas públicas eficazes sem a produção de informações de qualidade.
Neste sentido, é lamentável que o governo do Estado tenha deliberadamente optado por inviabilizar um projeto tão relevante ao não disponibilizar as informações essenciais para a realização dos levantamentos e a construção de um banco de dados. Apesar desta postura antirrepublicana, o DDH continuará atuando em conjunto com movimentos sociais, instituições e pessoas ligadas à defesa dos Direitos Humanos para que possamos avançar e colocar a dignidade humana no centro de qualquer política pública.
Rio de Janeiro, 15 de janeiro de 2015.