Quinta, 7 de janeiro de 2016
Do site outraspalavras.net
Desempregados
fazem fila para sopa, nos EUA, durante a depressão dos anos 1930. Para
Siglitz, políticas hoje hegemônicas podem repetir tragédia de então,
porque baseiam-se na mesma lógica elitista
Na virada do ano, Nobel de Economia adverte de novo sobre risco de colapso global semelhante ao dos anos 1930. Para escapar, diz, será preciso derrotar políticas como o “ajuste fiscal” brasileiro
Por Antonio Martins
No
início de 2010, menos de dois anos após o início da crise econômica
global que persiste até hoje, Joseph Stiglitz, Nobel da Economia,
publicou O Mundo em Queda Livre (“Freefall”). Ao
analisar as respostas políticas adotadas até então contra a crise, ele
observou que elas ameaçavam conduzir o planeta a uma depressão
semelhante à que foi aberta em 1929. O poder das elites financeiras
estava levando os governos a adotar medidas que concentravam ainda mais a
riqueza e desmantelavam, em favor da “liberdade dos mercados”, o poder
de planejamento e regulação dos Estados. No entanto, tais ações
conduziriam a uma redução geral da demanda por bens e serviços que
terminaria por levar as economias ao colapso. Stiglitz chamou este
fenômeno de “O Grande Mal-Estar” (“The Great Malaise”). Nesta virada de
ano, ele acaba de reforçar o vaticínio, num artigo
alarmante porém não desesperançado. “Os remédios estão à disposição”,
diz. O que falta, ainda, é reunir força política para vencer a hegemonia
da aristocracia financeira e implementá-los.
O Nobel de Economia alimenta seu fio de esperança de três fontes. A primeira é o espaço para ações que poderiam reorganizar as economias. Em todo o mundo, há imensas necessidades de infraestrutura
há muito represadas. Pense na despoluição dos rios brasileiros, num
programa de urbanização das periferias, na reconstrução de uma rede
nacional de ferrovias. Estes projetos, sozinhos, seriam capazes de
“absorver trilhões de dólares”, sustenta o artigo — e gerar centenas de milhões de ocupações de todos os tipos. Mas não são os únicos. Em toda parte, são urgentes mudanças
econômicas estruturai. EUA e Europa precisam completar a transição, de
sociedades industriais para sociedades de serviços. A China será
obrigada a voltar sua imensa produção para o consumo local, e não mais
para as exportações. América Latina e África devem reverter a tendência
perigosíssima à reprimarização de suas economias.
Esperança
militante: Stiglitz parece acreditar que a hegemonia das oligarquia
financeira pode ser rompida. Por isso, intervém no debate econômico — da
Grécia a Portugal, da Espanha ao Brasil
A
segunda observação transformadora de Stiglitz é: os mercados jamais
serão capazes de coordenar as iniciativas necessárias para tais
mudanças. Seu papel é permitir a acumulação de riquezas, não garantir a
satisfação das necessidades humanas. Para tanto, requerem-se
investimentos e planejamento públicos: “gastos em infraestrutura,
educação, tecnologia, meio ambiente e mudanças estruturais em todo canto
do mundo”. Algo que as sociedades decidem coletivamente, quando são
capazes de refletir sobre si próprias – não aquilo que cada agente
econômico produz, ao lutar por seus interesses egoístas.
Mas
então, porque sociedades e Estados permanecem paralisados? Segundo
Stiglitz, porque a política e ideologia de nossa época continuam
dominadas pelos interesses de uma pequena fração da elite. Propostas
óbvias – como “o aumento dos gastos governamentais, combinado com
redistribuição de riqueza e impostos mais altos” – são afastadas por uma
sensação fabricada de medo e impotência. Para compreender como este
controle hegemônico opera, procure encontrar nos jornais diários, ou na
programação da TV, algum debate efetivo sobre o “ajuste fiscal”
brasileiro — que une governo e oposição, mas engorda essencialmente a
oligarquia financeira…
O Nobel de Economia parece convencido de que as sociedades serão capazes de romper a venda que as deixa às escuras, à beira do abismo.
Não se trata de aposta otimista, mas de ação. Nos últimos meses,
Stiglitz interveio concretamente em episódios políticos nos quais o
pensamento dominante foi questionado. Às vésperas do plebiscito grego,
sobre o acordo com os credores, escreveu artigos em favor do não – que o governo de Atenas desistiu de defender, apesar de majoritário nas urnas. Também reuniu-se
em Nova York com o espanhol Pablo Iglesias, líder do partido-movimento
Podemos, quando repetiu suas críticas às políticas de “austeridade”. Em
novembro, no Brasil, condenou o “ajuste fiscal”, lembrando que ele ameaça, inclusive, anular os ganhos sociais alcançados no governo Lula. Semanas depois, incentivou
a frente de esquerda que assumiu o governo em Portugal (reunindo do
morno Partido Socialista ao instigante Bloco de Esquerda) a romper com
as políticas favoráveis ao 1% mais rico.
Ler seu artigo,
na abertura de um ano difícil, é um alento. Sugere que é possível
enfrentar muito – crises econômicas, ondas conservadoras, governos que
parecem pisotear as urnas que os elegeram – quando não se perde a noção
de que ainda estão rolando os dados. Ou, como dizia Paulo Freire, “o
mundo não é, está sendo”; 2016 será, em boa medida, o que fizermos dele.