Quinta, 29 de setembro de 2016
Akemi Nitahara – da Agência Brasil
A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) lançou ontem
(28) uma carta aberta em defesa do Sistema Único de Saúde (SUS). No
documento, é reafirmada a necessidade do caráter público e universal do
SUS, como uma política social prevista na Constituição. O texto cita
como ameaças ao SUS a PEC 241/2016, que propõe o congelamento dos gastos
públicos por 20 anos e a sugestão do ministro da Saúde, Ricardo Barros,
de criação de planos de saúde populares para “aliviar” o SUS.
O
tema foi debatido durante todo o dia na Uerj, no evento Ato em Defesa do
SUS, com a presença de representantes de diversos setores da
universidade, como o Hospital Universitário Pedro Ernesto e o Instituto
de Medicina Social, além de pesquisadores convidados, profissionais da
área de saúde e outras instituições ligadas ao setor.
Integrante
do comitê de organização do evento e do Instituto de Nutrição da Uerj,
Luciana Castro diz que o encontro dá continuidade às discussões
iniciadas em junho. “Nós estamos vivendo um período de muitas mudanças, e
mudanças muito ruins, de muitas ameaças ao SUS nos últimos tempos. Na
própria UERJ a gente já teve problemas graves com o Hospital
Universitário Pedro Ernesto [no início de maio o hospital ameaçou fechar
as portas por falta de condições de funcionamento e atraso nos repasses
de verbas do estado] e isso se espalha pelo sistema de saúde pública do
Brasil. Então, por conta disso a gente achou por bem fomentar alguns
debates que pudessem trazer para a gente algumas perspectivas e alguma
pauta de luta”.
Entre as propostas apresentadas para melhorar o
SUS, Luciana cita novas formas de gestão e divulgação do sistema. “A
gente precisa inventar novas formas de gestão, tanto do sistema como um
todo quanto dos recursos humanos. A gente precisa falar sobre ele para a
população, fazer uma mídia que seja uma mídia responsável e apresentar
para a população o que é que nós temos, o que o SUS tem de bom, de quem
ele cuida e como ele cuida, né? Acho que essa é uma questão importante.
Acho que é preciso dinheiro, precisa ser muito bem financiado, esse
dinheiro precisa chegar aos municípios, não dá para conviver somente com
esse recurso que tem sido repassado”.
Sobre os planos de saúde
populares, ela diz que é uma “afronta”. "Os planos de saúde já estão
precarizados, então é você dar uma esperança para quem está comprando
esse plano de saúde que ele vai ser atendido. Ele não vai ser atendido e
quando ele precisar de alguma questão de fundo mais grave, ele vai
recorrer ao SUS também”.
Objetivos do Desenvolvimento do Milênio
A
pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) e
diretora do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) Isabela Soares
Santos, explicou que universalizar o acesso à saúde é um dos Objetivos
do Desenvolvimento do Milênio, estabelecidos pela Organização das Nações
Unidas. Ela citou que, nos Estados Unidos, cerca de 10% da população
não tem nenhuma cobertura de saúde, pois não se enquadram em nenhum dos
programas públicos nem tem condições de pagar por um seguro privado.
Para Isabela, o acesso universal que existe no Brasil deve ser defendido
como um dogma.
“Porque o Brasil precisa de um programa público
forte e de qualidade? É um dogma. O principal motivo é humanitário, de
solidariedade. Além disso, setor privado em nenhum lugar do mundo é um
sistema, são empresas independentes e concorrentes”, diz.
Isabela
acrescenta que em um sistema público, as unidades de saúde são
integradas e leva-se em conta as especificidades locais. “Não precisa
ter um monte de hospital bom em todos os lugares, pode ter em centros de
referência. Os problemas de saúde também não se resolvem na assistência
especializada, o grosso está na assistência básica, presente no
sistema. No privado, cada um tem que saber qual é o seu problema de
saúde, mas cada pessoa não tem condições de cuidar de si, é preciso ter
políticas macro para isso”.
Aluno do quinto período do curso de
medicina da Uerj, André Abreu, compareceu ao debate e defende o sistema
público. “Hoje a gente vive um momento muito representativo na política
brasileira e um risco de retrocesso muito grande para o Sistema Único de
Saúde. A PEC 241 tramitando no Congresso representa o verdadeiro
retrocessos a tudo que foi conquistado com o movimentos de reforma
sanitária no Brasil, da universalidade, da integralidade do sistema de
saúde que ainda não se completou. A gente sabe que tem muitos avanços
para serem feitos, mas retroceder jamais e é essa a ameaça que está
posta”.
Abreu diz que pretende trabalhar exclusivamente dentro do
SUS depois de formado e aposta no diálogo com a sociedade para evitar
retrocessos na saúde pública do país. “O verdadeiro fortalecimento vem
com o trabalho de base, de conversar com a sociedade e mostrar o que a
gente tem, o que a gente pode melhorar. A conscientização da população
e, sobretudo, a aglutinação em prol de uma determinada pauta, mostrando
os avanços que a gente tinha num comparativo com o que foi o antecessor
ao SUS, é a forma que a gente consegue lutar contra esses retrocessos.
Só trazendo essa perspectiva para a população como um todo é que a gente
consegue avançar”.