Quinta, 27 de outubro de 2016
Do MP de Contas do DF
No XIII Congresso Nacional do
Ministério Público de Contas, procuradora Élida Graziane Pinto falou
sobre balizas constitucionais e custeio dos direitos fundamentais.
O Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de
Contas
(CNPGC) aprovou duas recomendações para fortalecer a fiscalização de
gastos públicos em Saúde e Educação. O objetivo é ir além do controle
usualmente feito – da aplicação de percentuais mínimos nas duas áreas – e
realizar uma análise vertical que possa antecipar falhas no
planejamento, além de prevenir a corrupção e o desvio de dinheiro
púbico. As recomendações foram aprovadas na última reunião ordinária do CNPGC, que ocorreu segunda-feira (24), em Florianópolis (SC).
Autora das duas recomendações, a procuradora do Ministério Público de
Contas de São Paulo, Élida Graziane Pinto, defende que o controle atual
é apenas formal, com a checagem de despesas admitidas e despesas
vedadas. Segundo ela, é preciso resgatar o tripé
planejamento-fiscalização-controle, onde o controle precisa ser
qualitativo e retroalimentar o planejamento, corrigindo eventuais erros.
A pedido do CNPGC, a procuradora propôs as duas recomendações. Na entrevista abaixo, ela explica a importância desses dois instrumentos.
O que motivou a redação dessas recomendações?
O controle que se faz da aplicação desses percentuais mínimos em
Saúde e Educação, é muito formal, é matemática contábil. O controle
feito é um check list, de despesas admitidas e despesas
vedadas, como uma checagem protocolar, se as despesas feitas estão
dentro das listas das despesas proibidas ou se estão dentro das despesas
lícitas. Isso é insuficiente. É um exame linear. Para que seja feio um
exame vertical, mais aprofundado, a gente precisa testar se esse gasto
não é infértil para realizar as finalidades constitucionais da Educação e
da Saúde.
E como é que se verticaliza essa análise?
Basicamente, a partir de duas perspectivas. A primeira, é a de
fazer um exame muito mais próximo do processo que leva à aplicação desse
dinheiro, para saber se o dinheiro está sendo bem gerido, se os
repasses são destinados aos fundos específicos, se há uma tempestividade
dos repasses para permitir o planejamento e a programação desses
gastos. De outro lado, é o resultado que se revela. O gasto precisa ser
substantivo e materialmente vinculado à finalidade. Esse tipo de
investigação vertical nos permite saber se o gestor sabe o número de
crianças que ele tem que atender e a que custo. Por exemplo, comprar
material didático quando o MEC já oferece material gratuito para
prefeituras e para os Estados pelo Programa Nacional do Livro Didático,
pode tirar recursos preciosos para, por exemplo, ampliar o horário
integral ou para assegurar que os professores tenham um terço de carga
horária para preparar as atividades extra classe. É disso que estamos
falando.
A senhora acredita que análises exclusivamente quantitativas abrem brechas para corrupção, para desvios de recursos?
Sem dúvida. Quanto mais a gente examina apenas dados
protocolares, sem analisar a realidade, sem acompanhar a série histórica
de indicadores, permite-se o falseamento dos mais variados. As burlas
interpretativas decorrem dessa pretensa capacidade de check list.
Quão importante é o CNPGC ter acatado essas recomendações?
Esse é um passo importantíssimo na conscientização dos colegas de
que não basta fazer avaliação meramente formal das contas. Temos que
investir na avaliação qualitativa das políticas públicas de Saúde e
Educação. Ao considerar que os gastos mínimos têm finalidades a cumprir,
nós nos tornamos mais capazes de atender às demandas da sociedade. Eu
não trabalho apenas para um sistema de controle externo que carimba
processo. Eu trabalho para o cidadão.
Na prática, como essas recomendações podem servir como preventivas?
No que vem, os prefeitos que ingressam em 2017 têm que elaborar o
planejamento em Educação para quatro anos. Esse planejamento é
formulado para vigorar a partir de 2018. Se nós quisermos prevenir a
corrupção e garantir a qualidade do gasto público, a gente precisa
pensar desde já como essas recomendações podem encampar o aprimoramento
desses planejamento municipal, ou seja, para atuarmos como controle
pedagógico, em vez de sermos apenas um controle repressivo e posterior.
Como a sociedade civil pode contribuir para este processo?
Eu adoraria que alunos e pacientes da rede pública nos dessem feedback
a respeito da qualidade dos serviços que eles recebem. É preciso pensar
uma forma de atrelar os contratos administrativos a alguma cláusula de
desempenho das empresas contratadas, a partir da avaliação dos usuários.
Se for sobre merenda, para sabermos se a merenda está chegando, se tem
qualidade, se é suficiente, por exemplo. Quanto mais houver
transparência e mais envolvimento do destinatário da política pública,
que é o cidadão, mais a nossa atuação se torna resolutiva. Não adianta
esperar o problema acontecer, é preciso antecipar, é preciso qualificar o
gasto. Controle bom não é apenas repressivo. É preciso intervir na
realidade, antecipando a necessidade de correção do planejamento.