Sábado, 29 de outubro de 2016
Edwirges Nogueira – Repórter da Agência Brasil
Dormitórios
transformados em verdadeiras celas, ausência de atividades de
ressocialização, relatos de violência e tortura. A situação das unidades
do sistema socioeducativo do Ceará foi vista de perto na semana passada
pelo pesquisador sênior da Human Rights Watch César Muñoz.
Integrante
da equipe do Brasil da divisão das Américas da organização
internacional, Muñoz foi convidado pelo Centro de Defesa da Criança e do
Adolescente do Ceará (Cedeca Ceará) a visitar o estado e visitar as
unidades que abrigam adolescentes que cumprem medida socioeducativa de
restrição de liberdade.
“Quando você entra em algumas das
unidades socioeducativas do Ceará, você entra em um presídio pior, em
muitos aspectos, do que Pedrinhas, no Maranhão, e Curado, em Pernambuco.
As crianças e adolescentes que estão lá, muitas vezes ficam 24 horas em
um dormitório, que podemos chamar de cela. Muitos estão com doenças de
pele pela falta de limpeza e de ventilação e há muitos relatos de
violência”, afirmou Muñoz.
Durante três dias, o pesquisador
visitou os Centros Socioeducativos São Miguel, São Francisco, Passaré,
Canidezinho e Aldaci Barbosa (que recebe crianças e adolescentes do sexo
feminino). As constatações de Muñoz confirmam a continuidade de
situações de violações de direitos já denunciadas por entidades de
defesa da criança e do adolescente do Ceará a órgãos nacionais e
internacionais.
Em janeiro, a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) expediu
medidas cautelares ao Brasil cobrando medidas urgentes para resguardar os direitos das crianças e adolescentes privadas de liberdade no Ceará.
Saiba Mais
Muñoz
também ouviu relatos de violência praticada contra os internos por
policiais e socioeducadores. Segundo informações dos diretores das
unidades, esses profissionais foram expulsos. No entanto, ele diz serem
necessárias medidas mais rígidas de punição. “Enquanto essas pessoas não
forem investigadas e responsabilizadas, essa violência vai continuar. A
expulsão desses socioeducadores é um passo necessário, mas o estado
precisa responsabilizar criminalmente quem comete tortura”.
Em
agosto de 2015, o Fórum Permanente das Organizações Não Governamentais
de Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes (Fórum DCA) denunciou a
prática de violência e tortura
contra internos do Centro Socioeducativo Passaré após um motim.
[http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2015-08/ceara-entidades-
denunciam-tortura-contra-adolescentes-apos-motim]
As
informações sobre a visita do representante da Human Rights Watch vão
embasar um relatório e um vídeo. Segundo Muñoz, esse material tem o
objetivo de influenciar as políticas públicas voltadas para a proteção
dos direitos de adolescentes em conflito com a lei.
Melhorias
Assessores
do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará acompanharam o
pesquisador nas visitas às unidades socioeducativas. Segundo Julianne
Melo, assessora jurídica da entidade, houve melhorias nos centros, a
exemplo de mudanças estruturais, fornecimento de insumos básicos e
atividades para os internos. No entanto, conforme ela, essas mudanças
ainda são insuficientes.
“É uma melhora considerando que existia
um confinamento absoluto e um ciclo de violência muito grande. Diante
desse cenário, uma pequena melhora é significativa, mas a socioeducação
ainda não chegou. Saímos de um ciclo de barbárie para um ciclo de
carceragem.”
Em junho, a gestão dos centros socioeducativos passou a ser feita pela Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo,
criada por lei e com autonomia administrativa e financeira. Antes, as
unidades estavam sob responsabilidade da Secretaria do Trabalho e
Desenvolvimento Social (STDS).
Um mês antes da aprovação do
projeto de lei que criou a superintendência, o Conselho Nacional de
Direitos Humanos (CNDH) pediu o afastamento
do titular da pasta, Josbertini Clementino, pelo descumprimento de
medidas emergenciais para solucionar problemas do sistema
socioeducativo. Em 2015, o sistema socioeducativo passou por diversas
situações de conflito, entre motins e fugas, o que motivou a secretaria a
criar um plano de estabilização com medidas judiciais, educativa, de
infraestrutura e saúde, entre outras.