Domingo, 23 de outubro de 2016
Do resistir.info
por Prabhat Patnaik
[*]
TRÊS GRANDES ONDAS DE MIGRAÇÃO
A ideia de que o capital metropolitano havia até agora determinado quem
permaneceria onde no mundo e sob que condições materiais de vida
pode parecer forçada à primeira vista. Mas é verdadeira.
Nos tempos modernos podem-se distinguir três grandes ondas de
migração, cada uma ditada pelas exigências do capital. A
primeira delas foi a transportação de milhões de pessoas
como escravas da África para as Américas, para trabalharem nas
minas e plantações a fim de produzirem commodities que eram
exportadas para atender as necessidades do capitalismo metropolitano. Uma vez
que os factos acerca do comércio escravocrata são razoavelmente
bem conhecidas, não discutirei esta onda de migração em
particular.
Uma vez ultrapassado o auge do comércio escravista, houve um novo tipo
de migração. Ao longo do século XIX e princípio do
século XX, o capital metropolitano impôs um processo de
"desindustrialização" sobre o terceiro mundo,
não apenas sobre colónias tropicais como a Índia como
também sobre semi-colónias e dependências como a China. Ao
mesmo tempo ele "drenou" para longe uma parte do excedente
económico destas sociedades através de uma variedade de meios,
que vão desde a simples apropriação sem qualquer
quid pro quo
de commodities utlizando rendimentos fiscais das colónias administradas
directamente até à extracção de lucros de
monopólio no comércio. As populações das economias
do terceiro mundo, as quais se haviam empobrecido através destes
mecanismos, foram entretanto forçadas a permanecer onde estavam, presas
dentro dos seus próprios universos.
Mas, em breve, dois fluxos de migração desenvolveram-se no
século XIX
sob o comando do capital metropolitano.
Um era das regiões tropicais do mundo para as outras regiões
tropicais, ao passo que a outra foi das regiões temperadas do mundo para
as outras regiões temperadas, em particular da Europa para as
regiões temporadas de colonização branca tais como os
Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Aos
migrantes das regiões tropicais não foi permitido entrar
livremente nas regiões temperadas (na verdade ainda não lhes
é permitido). Eles foram transportados como
coolies
ou trabalhadores contratados
(indentured labourers)
dos seus habitats em países tropicais e sub-tropicais como a
Índia e a China para os lugares onde o capital metropolitano os
desejava, para trabalharem nas minas e plantações
em outras terras tropicais.
Seus destinos incluíam as Antilhas, Fiji, Ceilão, América
Latina e Califórnia (onde trabalhadores chineses foram empregados na
extracção de ouro).
A migração de região temperada para região
temperada foi uma parte do processo de difusão do capitalismo industrial
das metrópoles europeias para estas novas terras. Era uma
migração de alto rendimento, no sentido de que os migrantes
vinham de regiões de rendimento relativamente alto e moviam-se
também para regiões onde desfrutavam altos rendimentos. A
migração trópicos-para-trópicos em contraste nada
tem a ver com qualquer difusão do capitalismo industrial; e foi uma
migração de baixo rendimento.
A razão para esta diferença, o facto de que a
migração de região temperada era de alto rendimento
enquanto a migração tropical era de baixo rendimento, tem sido
muitas vezes atribuída à produtividade do trabalho mais alta dos
migrantes europeus em comparação com os migrantes indianos e
chineses. Mas isto é erróneo. Os rendimentos dos trabalhadores
sob o capitalismo são dificilmente determinados pelo nível da
produtividade do trabalho
per se.
Ao contrário, o que importa é a dimensão relativa do
exército de reserva de trabalho: mesmo com aumentos rápidos na
produtividade do trabalho, os salários reais dos trabalhadores podem
estagnar a um nível de subsistência se o exército de
reserva for suficientemente grande. Além disso, a produtividade do
trabalho relevante que se deve examinar no contexto deste argumento não
é aquela dos trabalhadores empregados na indústria capitalista
mas sim a daqueles que estão fora dela, uma vez que eles é que
provavelmente vão migrar. E não há razão para
acreditar que a produtividade dos últimos fosse mais alta do que a dos
seus equivalente nos trópicos
se ignorarmos o impacto da "drenagem" e
"desindustrialização" infligida às terras
tropicais.
A razão real para a diferença de rendimento dos dois fluxos
migratórios está alhures, no facto de que nas regiões
temperadas para as quais estavam a migrar os migrantes europeus podiam
simplesmente deslocar os habitantes locais (como os ameríndios) e
apossar-se da sua terra para cultivo. Isto não só deu altos
rendimentos a tais migrantes como também manteve altos os
salários nos países de origem dos quais estavam a afastar-se,
pelo aumento do que economistas chamam a "restrição
salarial". Ninguém naturalmente trabalharia por uma ninharia na
Europa se ele ou ela pudessem migrar para as regiões temperadas de
colonização externa e ganhar um rendimento muito mais alto na
terra tomada aos ameríndios. Foi esta perspectiva que manteve alto o
salário real também na Europa.
A migração de trópicos para trópicos, em contraste,
era migração de baixo salário uma vez que os migrantes
vinham de populações que haviam sido empobrecidas pela
"drenagem" e "desindustrialização" e
não tinham perspectivas de se estabelecerem como agricultores sobre
terra arrebatada aos seus habitantes originais nos seus novos habitats.
W Arthur Lewis, o bem conhecido economista de origem antilhana, estima que cada
um destes fluxos migratórios no século XIX foi da ordem das 50
milhões de pessoas. Mas não importa se se aceita ou não
esta estimativa, os números envolvidos foram indubitavelmente grandes.
Utsa Patnaik estima que quase a metade do número que representa o
aumento da população a cada ano na Inglaterra entre 1815 e 1910
migrou para o "novo mundo" no qual o capitalismo industrial estava a
difundir-se a partir da Europa.
O terceiro grande fluxo migratório foi no período pós
segunda guerra mundial. Este período, que vai do princípio dos
ano 50 até o princípio dos 70, tem sido chamado por alguns como a
"Idade de ouro do capitalismo", uma vez que assistiu a altas de
crescimento do Produto Interno Bruto nas economias metropolitanas,
especialmente as europeias, por conta do boom de reconstrução do
pós guerra e da instituição da intervenção
do Estado na "administração da procura". Muito embora
as taxas de crescimento da produtividade do trabalho também fossem
altas, elas não eram tão altas quanto as de crescimento do PIB, o
que significava um aumento na procura de trabalho. Contudo, na maior parte dos
países europeus as populações dificilmente estavam a
aumentar. O aumento da procura de trabalho foi portanto atendido pela
importação de trabalhadores das regiões tropicais.
Ainda não havia migração livre do trabalho dos
trópicos para as metrópoles mas era permitida
migração em números especificados para atender a procura
de trabalho crescente.
Os migrantes, consistindo de turcos na Alemanha, argelino e outros das antigas
colónias francesas em França e asiáticos do sul e
antilhanos no Reino Unidos, ficaram com empregos de baixo pagamento, libertando
os trabalhadores locais que anteriormente detinham tais empregos e que agora
podiam subir na hierarquia dos empregos. O capitalismo do pós guerra, em
suma, testemunhou um grande crescimento de uma subclasse de trabalhadores
migrantes nas metrópoles.
Mas quando o boom do pós guerra, ou a assim chamada "Idade de
ouro", entrou em colapso, os trabalhadores migrantes e seus descendentes
descobriram uma representação desproporcional nas fileiras dos
desempregados e dos sub-empregados. Com o início da crise capitalista no
século actual, a posição deles tornou-se ainda mais
precária. As consequências sociais deste fenómeno têm
sido muito discutidas e não precisamos estender-nos acerca dela aqui.
09/Outubro/2016
O original encontra-se em peoplesdemocracy.in/2016/1009_pd/migration-revolt-against-capital
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