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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Um argumento golpista de insufladores das Forças Armadas

 Quinta, 24 de setembro de 2020


Por

Salin Siddartha*

Um dos argumentos golpistas dos que tentam insuflar as Forças Armadas a uma intervenção ditatorial é que muitas das questões motivadoras do Golpe Militar de 64 continuam presentes na sociedade brasileira. Vejamos quais foram as questões que motivaram aquele Golpe.

Capitaneada pelo imperialismo norte-americano, de um lado, e a burocracia soviética, de outro lado, a Guerra Fria que polarizou o mundo, pouco depois da Segunda Guerra, entre o hemisfério capitalista e os Estados operários, pressionava toda a América Latina a combater o socialismo e os movimentos progressistas como profilaxia receitada, a fim de evitar governos antiestadunidenses no próprio quintal dos EUA. Fator que não conseguiu impedir a Revolução Cubana.

A miséria do continente e o fracasso do capitalismo em sequer mitigar o descontentamento das massas com a situação pela qual passavam conduziam o desenvolvimento cada vez mais bem sucedido da forma como as esquerdas se articulavam politicamente, inclusive no seio dos militares. A reação imperialista, antevendo a impossibilidade de sucesso eleitoral dos partidos da direita em nosso continente, foi a de promover golpes militares direitistas.

No Brasil, à deposição do primeiro Governo Vargas, seguiu-se a aplicação sucessiva de uma estratégia de tomada de poder pelos setores entreguistas. A ascendência obtida por oficiais superiores e por oficiais-generais dos EUA durante a participação da Força Expedicionária Brasileira-FEB em território italiano desdobrou-se na influência progressiva sobre as lideranças militares em nosso país. Como reflexo, a criação da Escola Superior de Guerra-ESG impôs uma doutrina de segurança nacional defensora do chamado mundo ocidental e dos Estados Unidos da América como modelo a ser seguido pelas lideranças militares e burguesas. Baseava-se na repressão aos movimentos operários e aos movimentos de defesa do proletariado.

O aliciamento do empresariado conservador do campo e da cidade envolvia largas somas de dólares e “favores” para comprar industriais, comerciantes, banqueiros, latifundiários, assim como a líderes sindicais e estudantis pelegos. Competentes políticos reacionários, como Carlos Lacerda, Magalhães Pinto e Ademar de Barros, faziam o enfrentamento aos movimentos nacionalistas, a partir do Congresso Nacional, com a cobertura protetora dos grandes meios de comunicação na produção de mentiras e farsas, como a do atentado ao major Rubens Vaz e ao próprio Lacerda, na rua Toneleiros, em Copacabana. E o principal partido da direita, a UDN, catalisava a casta política em prol de um golpe que quase se concretizou em 1954, não fosse a coragem suicida do Presidente Getúlio Vargas, que encheu de comoção solidária o povo de nossa pátria, adiando, assim, por mais dez anos, o Golpe Militar.

A criação de organismos como o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais-IPES e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática-IBAD, com largo financiamento do capital monopolista internacional, tornou possível estruturar um aparelho de agitação e propaganda liderado por majores, tenentes-coronéis e coronéis que viriam a ser, mais à frente, a vanguarda do Golpe de 1964 e de todos os governos militares que nele se arvoraram a dirigir o Brasil. Em que pese esses fatos, sem a Guerra Fria não haveria a marcante urdidura ideológica do Golpe. Além disso, os pretextos vitoriosos utilizados para a implantação do regime de arbítrio foram três: a quebra da disciplina, o descumprimento da hierarquia militar por parte dos praças e a inflação que ultrapassava a faixa de 60% ao ano (os militares conseguiram fazê-la chegar em 215,27%, quando já no fim da Ditadura).

Daí deduz-se a pergunta: Guerra Fria, inflação altíssima, quebra da disciplina e da hierarquia militar ainda são questões motivadoras para um golpe militar presentes na sociedade brasileira, seja no período em que o PT dirigiu a Nação, seja mesmo hoje em dia?

A resposta é não.

Com o fim da Guerra Fria, acabou-se o forte pretexto ideológico para um golpe militar. A inflação herdada dos Governos Militares está controlada desde a época do Presidente Itamar Franco, e não houve, nem há, quebra da disciplina e da hierarquia militar no País.

Cruzeiro-DF, 20 de setembro de 2020

SALIN SIDDARTHA

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*Este artigo foi publicado originariamente no Blog PorBrasília